Reportagem da TV Record não diz que pandemia foi planejada, ao contrário de post enganoso

Ainda não se sabe qual a origem do novo coronavírus

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São Paulo

É enganoso afirmar, a partir de uma notícia veiculada na TV Record, que a pandemia de coronavírus foi planejada. A reportagem de 2021 não alega isso, apenas reproduz informações do jornal britânico The Telegraph sobre cientistas chineses e norte-americanos terem proposto, em 2018, criar novos tipos de coronavírus a partir de combinação genética.

O veículo inglês, como verificado pelo Projeto Comprova, baseou-se em um pedido de subsídios feito em 2018 por pesquisadores à Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa norte-americana que, posteriormente, foi negado.

Ainda não se sabe concretamente qual a origem do Sars-CoV-2, o vírus causador da Covid-19. Uma teoria apoiada por serviços de inteligência dos Estados Unidos aponta um vazamento em um laboratório em Wuhan, na China, cidade onde foram notificados os primeiros casos da doença. Outra, divulgada pela OMS (Organização Mundial da Saúde), apresenta indícios de que a contaminação tenha partido de animais e se iniciado em um mercado, na mesma cidade.

Pessoas de macacão branco, luva e touca verde-claro e máscara e faceshield testam pessoas inserindo palito na boca delas em rua, ao ar livre, durante o dia
Profissionais da saúde fazem teste de Covid na população de Wuhan, na China, em maio de 2020; não há evidência científica sobre criação proposital da pandemia - STR - 15.mai.2020/AFP

Para o Comprova, enganoso é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações.

Alcance

O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. No Telegram, a postagem aqui verificada teve 6,3 mil visualizações até 29 de março.

Como verificamos

A partir das informações na reportagem e da identificação visual de que se tratava de um conteúdo da TV Record, a equipe buscou palavras-chave no Google que levaram à publicação da notícia. Nela, constava a data de veiculação, possibilitando encontrar a íntegra do programa. O conteúdo foi comparado com o que circula nas redes sociais e com a legenda que o acompanha. Em seguida, foram consultadas notícias e estudos acerca das hipóteses levantadas até o momento em torno da origem do Sars-CoV-2.

Sem planos

A reportagem compartilhada com a legenda enganosa foi veiculada pelo JR na TV, da TV Record, em 6 de outubro de 2021. Ao contrário do que sustenta o texto compartilhado nas redes sociais, a reportagem não confirma que a pandemia da Covid-19 tenha sido planejada ou mesmo desencadeada de forma deliberada por ação humana.

Os âncoras Christina Lemos e Celso Freitas afirmam apenas que o jornal inglês The Telegraph revelou a existência de um documento que lançava novas dúvidas sobre as origens da pandemia.

De acordo com o noticiário britânico, em 2018, cientistas de Wuhan, na China, e dos Estados Unidos, planejavam criar novos coronavírus combinando os códigos genéticos de outros vírus. O caso veio à tona a partir de documentos vazados nos quais os pesquisadores pediam subsídios à Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa norte-americana. A intenção, segundo a interpretação desses documentos, era misturar dados genéticos de cepas intimamente relacionadas e cultivar vírus novos. O jornal informa que a proposta foi rejeitada no mesmo ano.

O veículo acrescenta, ainda, que o banco de dados com as cepas virais estudadas antes da pandemia em Wuhan foi retirado do ar depois da pandemia, tornando impossível verificar em quais vírus a equipe estava trabalhando e se algum chegou a ser criado. Destaca, por fim, que os cientistas negam consistentemente a criação do Sars-CoV-2 em laboratório.

A TV Record, por sua vez, reproduz essas informações e acrescenta que a China nega que a Covid-19 tenha surgido a partir do laboratório de Wuhan, que a OMS publicou relatório inconclusivo sobre o assunto e o governo americano ainda investiga o surgimento do vírus.

Origem definida?

Desde o surgimento da pandemia de coronavírus, em março de 2020, cientistas tentam identificar de que forma surgiu o Sars-CoV-2. A origem, no entanto, ainda não foi comprovada.

Em março deste ano, quando a pandemia completou três anos, a Organização Mundial da Saúde informou ter exigido dos Estados Unidos e de outros países que compartilhassem informações que pudessem ser úteis na investigação da origem da doença.

O posicionamento ocorreu após o The Wall Street Journal divulgar, em 26 de fevereiro, que um relatório sigiloso do Departamento de Energia dos Estados Unidos atribuía a origem da pandemia a um vazamento acidental no Instituto de Virologia de Wuhan.

Ao jornal, fontes do órgão sustentaram a tese a partir de novas informações de inteligência, estudos acadêmicos e consultas a especialistas, mas ponderaram que o próprio relatório afirma ter uma "confiança baixa" na conclusão apresentada, o que significa que as informações não permitem realizar um julgamento definitivo.

Em fevereiro, Tedros Adhanom comprometeu-se a fazer todo o possível para ter uma resposta final e disse ter enviado e-mail oficial ao alto escalão do governo chinês solicitando novamente a colaboração de Pequim.

A teoria de que houve um vazamento compete com outra hipótese, popularizada em fevereiro de 2021, quando uma equipe interdisciplinar de especialistas liderada pela OMS e acompanhada por chineses passou duas semanas no país asiático e publicou um relatório conjunto sobre a transmissão do vírus aos humanos por um animal, possivelmente em um mercado de Wuhan.

Recentemente, o The New York Times divulgou que amostras positivas para o coronavírus colhidas no mercado foram carregadas em um banco de dados internacional e divulgadas apenas em 2023. Uma equipe de especialistas internacionais analisou este conteúdo genético e divulgou um relatório, em 20 de março, descrevendo as evidências da amostra e defendendo que elas fortalecem a teoria de que animais silvestres comercializados ilegalmente deflagraram a pandemia de coronavírus. A reportagem foi republicada pela Folha e repercutida pela Veja.

O que diz o responsável pela publicação

Não foi possível chegar ao autor da postagem, pois o canal no Telegram não identifica o responsável, tampouco fornece links para outras redes sociais que permitam fazer contato.

O que podemos aprender com esta verificação

Desde o início da pandemia há um forte movimento desinformativo sobre o assunto e que engloba não apenas a origem do vírus, mas também as medidas restritivas no combate à Covid-19 e o desenvolvimento das vacinas contra ela.

Conteúdos como o aqui verificado tendem a disseminar preconceito contra a população de origem asiática ao cravar que o vírus tenha sido espalhado de forma proposital após ser desenvolvido em laboratório.

O autor da postagem utiliza uma reportagem televisiva para reforçar a desinformação que está sendo propagada na legenda, mas basta assistir à peça jornalística para entender que ela não confirma essa hipótese.

O leitor também pode utilizar os sites de busca, como o Google, para identificar a data em que a matéria foi ao ar e, assim, descobrir se a notícia é atual ou se a informação está desatualizada.

Da mesma forma, pesquisas podem ser feitas em veículos de imprensa profissional e em sites de organizações de saúde para acesso aos dados atualizados sobre a pandemia.

Por que investigamos

O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984. Sugestões e dúvidas relacionadas a conteúdos duvidosos também podem ser enviadas para a Folha pelo WhatsApp 11 99486-0293.

Outras checagens sobre o tema

Desde 2020, no início da pandemia, o Comprova checa conteúdos que acusam a China de ter propagado o coronavírus. Já foi demonstrado que o FBI não confirmou a origem do vírus, que é enganoso que e-mail de Anthony Fauci prove origem do vírus em laboratório e que uma frase dita em 2016 por um pesquisador americano não indica que os chineses provocaram a pandemia.

A investigação desse conteúdo foi feita por Estadão e publicada em 29 de março pelo Projeto Comprova, coalizão que reúne 41 veículos na checagem de conteúdos virais. Foi verificada por Folha, A Gazeta, O Popular, BandNews e Grupo Sinos.

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