Descrição de chapéu The New York Times

EUA aprovam primeira pílula para tratar depressão pós-parto

Zurzuvae, da Sage Therapeutics, deve ser tomada por duas semanas e ainda não teve preço anunciado

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Pam Belluck
The New York Times

A FDA (Food and Drug Administration), agência americana que regulamenta e fiscaliza alimentos e remédios nos Estados Unidos, aprovou, na sexta-feira (4), a primeira pílula para o tratamento de depressão pós-parto, um avanço com potencial para melhorar o reconhecimento e o tratamento de uma condição debilitante que afeta, anualmente, cerca de meio milhão de mulheres só nos Estados Unidos.

Os dados do estudo clínico mostram que a pílula age rápido, começando a amenizar a depressão em até três dias, algo significativamente mais rápido do que os antidepressivos em geral, que podem levar até duas semanas ou mais para ter efeito. Isso, juntamente com ao fato de que a pílula é usada somente por duas semanas, não por meses, pode encorajar mais pacientes a aceitar o tratamento, afirmam especialistas em saúde mental maternal.

O aspecto mais significativo da aprovação pela FDA pode não ser as características da droga, mas o fato de ela ser desenhada explicitamente para depressão pós-parto. Diversos médicos e outros especialistas afirmam que, ainda haja outros antidepressivos que têm ação sobre a condição, a disponibilidade de um que seja especificamente para isso poderia reduzir o estigma relacionado à depressão pós-parto, ao destacar que há fundamentos biológicos na doença e que as mulheres não deve se culpar pelo que estão passando.

Placa com a inscrição em inglês FDA, US Department of Health and Human Services, Food and Drug Adminstration
Placa da agência que regulamenta e fiscaliza alimentos e remédios nos Estados Unidos em White Oak, Maryland, nos Estados Unidos - Andrew Kelly - 29.ago.20/Reuters

Espera-se que a nova droga possa encorajar mais mulheres a procurar ajuda, e levar mais obstetras e médicos de família a buscar por sintomas e sugerir tratamento.

"Essa é uma população de pacientes que, muitas vezes, fica desamparada", disse Ruta Nonacs, psiquiatra do Center for Women's Mental Health no Massachusetts General Hospital. "Quando as mulheres escutam que sofrem de depressão pós-parto, é embaraçoso, é humilhante, faz com que elas se sintam mães ruins."

"Há também muito estigma ao se falar em medicação antidepressiva, então isso pode fazer esse tratamento mais atraente, por ser um método específico para depressão pós-parto", diz Nonacs.

Estima-se que de 10% a 15% das mulheres que dão à luz nos EUA passam por depressão durante a gravidez ou no ano seguinte. A condição pode ser acompanhada de ansiedade extrema, vergonha, culpa, má qualidade de sono, ataques de pânico e pensamentos ou tentativas suicidas. A condição também pode dificultar os cuidados e a criação de laços com os bebês, o que é essencial para um desenvolvimento saudável.

"Ter acesso a uma medicação oral será benéfico para muitas das mulheres que estão tendo que lidar com sentimentos extremos, que, às vezes, colocam suas vidas em risco", disse, em nota, Tiffany R. Farchione, diretora da divisão da FDA responsável pela aprovação.

A pílula, chamada zuranolona, mas que será comercializada nos EUA com o nome de Zurzuvae, foi desenvolvida pela farmacêutica Sage Therapeutics, companhia de Massachusetts que tem produção em conjunto com a empresa Biogen. Espera-se que a droga esteja disponível após uma revisão com duração de 90 dias exigida para drogas que afetam o sistema nervoso central, segundo a Sage. Ainda não há um preço estipulado.

As empresas também pediram aprovação para uso da droga em transtorno depressivo maior, um mercado potencialmente muito mais amplo. A FDA ainda não proferiu uma decisão sobre esse pedido específico. Especialistas dizem que os dados para esse uso são menos convincentes.

A única outra droga aprovada para depressão pós-parto é a brexanolona, que também foi desenvolvida pela Sage e comercializa pela Zulresso. Contudo, essa droga, aprovada em 2019, requer uma infusão intravenosa de 60 horas realizada em um hospital. Além disso há risco de perda de consciência e um custo de US$ 34 mil. Segundo a Sage, somente cerca de 1.000 pacientes usaram o medicamento até hoje.

Tomar uma pílula por duas semanas é muito mais fácil e não requer que a mãe deixe o seu filho por diversos dias. Porém, a FDA requer que o rótulo do produto inclua avisos sobre possíveis pensamentos e ações suicidas, sonolência e confusão. O rótulo também conterá avisos de que os pacientes não devem dirigir ou operar maquinário pesado nas 12 horas posteriores à ingestão da pílula. O remédio deverá ser tomado à noite junto uma refeição rica em gordura, diz o comunicado da FDA.

Segundo médicos, o Zurzuvae não será apropriado para todos que sofrem com a depressão pós-parto. Para as mulheres que têm quadros depressivos amenos ou moderados, terapia pode funcionar melhor. Kimberly Yonkers, chefe do departamento de psiquiatria da Universidade de Massachusetts Chan Medical School, afirmou que ela provavelmente não recomendaria a nova droga para pacientes com quadros longos e recorrentes de depressão ou para "alguém que tem um episódio severo, com tentativa de suicídio ou com hospitalização, porque, nesses casos, não se dá um tratamento por duas semanas e depois se interrompe".

Estão entre os pacientes adequados, diz Yonkers, aquelas "pessoas que não tiveram uma resposta completa a outro antidepressivo".

Alison Reminick, diretora do programa saúde mental reprodutiva feminina da Universidade da Califórnia, California, San Diego, disse que cerca de 10% de suas pacientes seriam possíveis candidatas. Entre elas estariam mulheres que estão passando por depressão pela primeira vez. Tais pacientes estão sob risco maior de desenvolver transtorno bipolar, diz a especialista. Apesar de drogas como Lexapro, Zoloft e outros inibidores selectivos da recaptação da serotonina funcionarem, eles podem causar mania nas pacientes, diz a diretora.

Reminick afirma que ela ofereceria Zurzuvae a mulheres em que a depressão é acompanhada por ansiedade ou insônia, considerando que os estudos sugerem que a droga pode amenizar esses sintomas.

Dados submetidos à FDA vieram de dois estudos, que foram financiados por empresas, com cerca de 350 pessoas. A maioria das pacientes que receberam Zurzuvae (72% em um estudo, 57% em outro) responderam clinicamente ao tratamento após duas semanas, o que significa que a pontuação na escala de depressão melhorou em 50% ou mais.

Nos estudos, a depressão também deu sinais de melhora nas mulheres que receberam placebo, algo comum em estudos sobre tratamento para depressão. Mas no grupo que recebeu Zurzuvae a melhora foi consistentemente maior. O efeito do medicamento sobre as pacientes, que foram monitorados por 45 dias, continuou depois da interrupção do tratamento. Especialistas dizem que dados de longo prazo são necessários para determinar se os pacientes têm recaídas.

Os principais efeitos colaterais do Zurzuvae são sonolência e tontura.

Amy Bingham, 33, de Gibsonville, na Carolina do Norte, tomou o Zurzuvae em um estudo clínico em 2018, cerca de seis meses após dar à luz seu filho Benjamin. Ela já havia tido depressão na adolescência, mas a condição que teve no pós-parto tinha sintomas diferentes, como ataques de pânico, choro e falta de ar.

"Eu tinha muita ansiedade pensando que faria algo errado, que o Ben se machucaria por um erro meu", disse Amy. Ela conta que, em certos momentos, ela pensando que era "um mãe horrível porque ela não era capaz de acalmar o próprio filho".

A pontuação da mulher na escala de depressão melhorou a partir do terceiro dia tomando a nova medicação e atingiu níveis de remissão a partir do 15º dia, segundo dados compartilhados com o The New York Times.

Pelo desenho metodológico do estudo, Amy não sabia se estava tomando a droga ou placebo. "Eu não senti muita melhora no começo. Levou cerca de um mês para eu começar a sentir certos benefícios", disse a participante do estudo. Mas, gradualmente, contou, "eu comecei a me sentir mais calma".

"Eu não tinha mais tanto dias em que me sentia chorosa", afirmou a mãe de Ben. Eventualmente, continua a mulher, "senti que eu podia aproveitar o tempo com meu filho".

Apesar de muitos casos de depressão materna começar durante a gravidez, a pílula não é recomendada antes do nascimento, porque ela opera por vias hormonais e não foi testada em mulheres grávidas. O rótulo alertará que a droga pode ser perigosa para o feto e irá orientar as mulheres a usar contraceptivos enquanto estiverem usando a droga e uma semana após o uso.

A pílula também não foi testada em mulheres que estavam amamentando. Diversos médicos dizem que eles iriam informar as pacientes que estiverem considerando a medicação sobre os limitados dados relacionados aos efeitos da droga sobre a amamentação.

Cerca de 15% a 20% das mulheres nos testes continuaram o tratamento com outros antidepressivos com os quais já estavam sendo tratadas. Especialistas dizem que é possível que, para algumas das pacientes, o Zurzuvae poderia servir como uma medicação complementar ou ser usado como uma ponte para antidepressivos de longo prazo.

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