Pacientes relatam esperança após remissão de câncer com terapia CAR-T

Estudos buscam ampliar o acesso a tratamento inovador contra câncer

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São Paulo

Enquanto olha nos olhos de sua cadela, Aretha, o publicitário Paulo Peregrino, 61, considera sair para dar uma volta com ela pelo condomínio onde mora, em Niterói (RJ).

A ação cotidiana representa um grande avanço para ele. Há menos de três meses, Paulo estava internado por complicações de uma sepse adquirida no hospital logo após passar por um tratamento inovador para câncer.

O publicitário tinha sido diagnosticado em 2010 com um câncer de próstata e, oito anos depois, com um linfoma não Hodgkin, passando por diversas sessões de quimioterapia e até um transplante de medula óssea, mas sem sucesso.

Homem está de camiseta, bermuda e tênis sobre aparelho para exercício físico, que está em uma área de gramado; ao fundo, há um imóvel e árvores
Paulo Peregrino, 61, faz exercícios em condomínio em Niterói, no Rio de Janeiro - Eduardo Anizelli/Folhapress

"Quando descobrimos o meu primeiro câncer de próstata, o médico decidiu não fazer nada porque o tumor estava encapsulado [localizado dentro de uma membrana], sem risco de espalhar. Depois de um ou dois anos, vimos que tinham surgido mais dois [tumores]. Mas a retirada da próstata resolveu tudo. E em 2018 notamos que havia o linfoma depois de uma crise nas pernas", disse ele.

A partir daí, foram inúmeras sessões de quimioterapia e dezenas de doses de morfina para dor, além do transplante. Devido ao tumor, ele ainda desenvolveu uma púrpura, uma doença autoimune.

Até que recebeu a terapia de células CAR-T, no Hospital das Clínicas de São Paulo. Desde então, teve remissão total do tumor.

"Eu me sinto ótimo. Claro que ainda preciso fazer check-up, ver meus exames periodicamente, mas não sinto mais dor, estou dormindo bem, comendo bem. Ainda sinto cansaço e perdi muita musculatura, mas aos poucos estou voltando a fazer as atividades diariamente, como caminhar aqui em casa com a minha cachorra", afirmou.

Paulo foi incluído em um estudo do Centro de Terapia Celular, do HC, em parceria com a Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto e o Instituto Butantan. Além do publicitário, outros 12 pacientes já foram tratados no Nutera (Núcleo de Terapia Avançada). "Os resultados são muito promissores. São pacientes com a saúde muito debilitada e estágio avançado de câncer", disse Vanderson Rocha, médico que lidera a pesquisa.

A CAR-T utiliza células do sistema imune (conhecidas como linfócitos T) extraídas do paciente e geneticamente modificadas para reconhecer e atacar as células tumorais.

Exames mostram antes e depois de câncer de paciente; à direita, imagem mostra remissão da doença - Arquivo pessoal

A terapia tem obtido sucesso no tratamento de alguns tipos de câncer do sistema sanguíneo, linfomas e leucemias, mas não há comprovação de eficácia contra tumores sólidos. Nesses casos, as quimioterapias, radioterapias ou tratamentos como imunoterapia tendem a surtir mais efeito.

A técnica tem autorização da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) desde 2021 para o chamado uso compassivo no Brasil. Essa prática é adotada quando não há nenhuma outra abordagem possível e são utilizadas terapias ainda em estudo para tentar salvar a vida do paciente.

Além disso, a agência aprovou em julho de 2022 o primeiro ensaio clínico para desenvolvimento nacional de células CAR-T para tratamento de câncer no Hospital Israelita Albert Einstein.

Os pacientes incluídos no estudo são todos usuários do SUS (Sistema Único de Saúde), e a pesquisa recebeu apoio financeiro do Ministério da Saúde.

"Temos o único programa de pesquisa em CAR-T do país, que também vai atender pacientes oncológicos do Hospital Municipal Vila Santa Catarina. Nós desenvolvemos o nosso próprio produto e esperamos receber em breve aprovação da Anvisa para uso [na população]", afirmou o diretor-superintendente de pesquisa do Einstein, Luiz Vicente Rizzo.

Em geral, pacientes com um câncer muito agressivo, ou que estão com alguma debilitação do sistema imunológico, têm maior dificuldade de gerar uma resposta imune própria, por isso a terapia CAR-T pode ser uma importante aliada.

Uma delas é a servidora municipal Ana Cleire Marques Diógenes, 61, diagnosticada pela primeira vez com linfoma não Hodgkin em 2017. Após o tratamento com quimioterapia em sua cidade natal, em Fortaleza, no Ceará, passou por um período de remissão até que, em 2021, veio a primeira recidiva.

Assim como Paulo, Ana realizou um transplante de medula óssea em janeiro de 2021. O processo é semelhante ao da terapia CAR-T, mas são células da medula, enquanto a terapia CAR-T usa os linfócitos. Mesmo após o transplante, a servidora teve uma nova recidiva em 2022.

"Foi aí que a minha primeira médica sugeriu que eu entrasse em contato com um médico em São Paulo e eu fui convidada a participar do estudo no Einstein. Me internei no dia 1° de março [de 2023] e já no dia 11 fizemos a infusão com as células CAR-T", relatou ela, que 60 dias após o tratamento já apresenta remissão total do câncer.

Os pacientes são casos particulares de tumores agressivos, que não tiveram eficácia no tratamento convencional, e que puderam ser incluídos nos estudos. Os exames de imagem PET-Scan (tomografia computadorizada) já apontam uma remissão do tumor nos dois casos, mas ainda é cedo para falar de uma cura.

Isso porque a remissão é quando não há mais o foco de tumor no organismo, enquanto a cura, segundo o protocolo clínico internacional, é quando não há mais nenhum foco de tumor e a remissão permanece cinco anos após a terapia.

Até o momento, não houve nenhum paciente que foi incluído na pesquisa com acompanhamento superior a um ano e quatro meses. Portanto, não houve nenhum caso de cura ainda descrito.

Mesmo assim, Ana e Paulo já respiram aliviados. "É uma esperança muito grande porque tem muita gente fazendo pesquisa diariamente para que esse tratamento que é minimamente invasivo chegue a mais pessoas", afirmou a servidora.

Já Paulo considera que a sua participação no estudo pode servir de exemplo. "Para todo mundo, todos que me atenderam no hospital, eu falava vocês têm um pedaço fundamental dessa minha vitória. E espero que no futuro outros não tenham que passar por tanta dificuldade como eu passei."

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