Descrição de chapéu Todas câncer

Hospital em SP usa bonecos para explicar procedimentos a crianças com câncer

O projeto também envolve pacientes em tratamentos invasivos e que necessitam de longos períodos de internação

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São Paulo

Em um dos quartos do setor de oncologia do Hospital da Criança, localizado no Jabaquara, zona sul de São Paulo, estava Melissa, 9, acompanhada pelo segurança executivo Adilson Prado da Costa, 49, seu pai.

Em maio deste ano, a menina reiniciou um tratamento contra leucemia linfoide aguda. A doença apareceu pela primeira vez aos 7 anos.

Quando finalizar as sessões de quimioterapia, Melissa deverá ser submetida a um transplante de medula óssea denominado haploidêntico —nesse caso, o doador não precisa ser totalmente compatível, segundo o oncologista pediátrico que cuida do caso, Luís Sakamoto.

Criança está no sofá de um quarto de hospital com uma boneca de pano em suas mãos; na frente dela, um homem branco, de cabelo preto; ele usa máscara descartável para proteger o nariz e a boca, e jaleco branco
O oncologista pediátrico Luís Sakamoto explica na boneca os procedimentos que serão feitos em Melissa, 9, que faz tratamento contra leucemia - Adriano Vizoni - 24.out.2023/Folhapress

A menina precisa apenas de 50% de compatibilidade. O doador pode ser o pai, a mãe ou algum voluntário do Redome (Registro Brasileiro de Doadores Voluntários de Medula Óssea), de acordo com Sakamoto.

Na terça-feira (24), a equipe médica do hospital presenteou Melissa com uma boneca, que ganhou o nome de Melissinha. O brinquedo tem uma missão importante: ajudar o oncologista a explicar alguns procedimentos do tratamento contra a leucemia.

Ele ensinou, por exemplo, de que forma é colocado o cateter central de inserção periférica e como é feita a punção nas costas, entre outros esclarecimentos.

Melissa foi a primeira paciente oncológica a receber a boneca que a acompanhará durante a toda a jornada. Ela é careca e veio com peruca, touca e máscara.

A ação faz parte do projeto "Brinquedo Terapêutico", uma parceria entre o Hospital da Criança e a Associação Casa Azul. O foco são os pacientes infantojuvenis oncológicos ou em tratamento que também demandam internações frequentes.

Mediante autorização da família, o hospital envia à Associação Casa Azul a foto da criança para que as voluntárias confeccionem um boneco de pano com as mesmas características físicas, como cor da pele e do cabelo, por exemplo, e os dispositivos utilizados no tratamento —cateter venoso, sonda, bolsa de ileostomia e outros.

Desta forma, os profissionais de saúde mostram de forma lúdica para a criança e sua família os procedimentos e exames pelos quais ela passará, além dos detalhes da evolução da doença.

O brinquedo propicia maior aceitação, compreensão e cooperação durante o tratamento; minimiza o estresse, os medos e as angústias da hospitalização. O cuidado também se torna menos traumático.

Para a psicóloga do Hospital da Criança, Daniela da Camara Cezar, o benefício começa na identificação da paciente com o boneco.

"A criança passou por muitas mudanças físicas, como as corporais, a perda de cabelo e os acessos no corpo, principalmente em tratamento oncológico. Ela está destituída do corpo que tinha antes. Então, receber um boneco parecido com quem ela é agora vai ajudar na elaboração de todas as questões emocionais vividas no tratamento", afirma Cezar.

"O principal benefício é usar o boneco para mostrar a ela o preparo de um procedimento, a explicação de algum exame, o que é passar um PICC [cateter central de inserção periférica, na sigla em inglês] , o que é fazer uma ressonância. E isso ajuda a amenizar a angústia. O projeto vai deixar a internação, o procedimento e as relações mais leves", finaliza a psicóloga.

Até 24 de outubro, cinco crianças já haviam sido contempladas com o brinquedo.

Na opinião da psicóloga e psicoterapeuta Adriana Drulla, especialista em terapia focada na compaixão e pós-graduação pela University of Derby (Inglaterra), a criança entende o mundo de maneira mais concreta.

"Por mais que os efeitos do tratamento e o que vai acontecer com o corpo não sejam necessariamente o que a criança goste, quando ela entender as formas de lidar com isso, que há recursos e que tudo faz parte de um processo para cuidar da saúde, será muito mais fácil lidar com as mudanças quando estas acontecerem", diz ela.

Segundo a profissional, a criança terá a oportunidade de "processar, entender, viver um pouco do luto", o que a permitirá "ressignificar" as perdas.

Ana Lis, 6, é uma das cerca de 50 crianças no mundo com a Síndrome Tricohepatoentérica, doença rara que leva à falência intestinal. A menina tem problemas no fígado, estômago e intolerância a todos os alimentos, entre outras complicações.

Ela é pernambucana, mas vive com a família em São Paulo para fazer o tratamento, que conta com ajuda de cuidados domiciliares. Aninha —como é conhecida— usa cateter e sonda.

Em junho, ela foi a primeira criança a ganhar a boneca, que chama de Nina. "É a única boneca dela que tem nome. Com a ajuda da Nina, além de entender como funciona a troca [da sonda e do cateter], ela também se enxergou. Ontem, Aninha me disse que o mais legal da boneca é o fato de ser igual a ela, por isso é diferente das outras", diz a fonoaudióloga Ana Carolina Rosendo, 37, mãe da criança.

"Essa semana trocamos a sonda da barriguinha da boneca, assim como aconteceu com a Lis. Quando tem curativo, é feito nela e na boneca. A Ana Lis usa máscara contra a Covid e a boneca também", conta Rosendo.

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