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Famílias arcam com 73% das despesas de pessoas com demências, diz relatório

Grande parte das necessidades de saúde não é atendida pelo SUS; carga recai mais sobre as mulheres

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São Paulo

Mais de 90% das necessidades de cuidados de pessoas com demência que usam o SUS (Sistema Único de Saúde) não estão sendo atendidas, aponta relatório inédito que entrevistou pacientes e seus cuidadores das cinco regiões do país.

As lacunas vão desde o custeio de medicamentos, acesso a atendimentos e cuidados de saúde em geral a manejo de sintomas cognitivos e neuropsiquiátricos, segurança pessoal e domiciliar, suporte familiar e comunitário e questões jurídicas.

Com isso, a maior parte das despesas com a doença recai sobre as famílias. Hoje, quase três quartos (73%) dos custos totais com a demência são relacionados ao cuidado informal (custos indiretos). A maioria desses cuidadores é mulher (86%), que exerce o trabalho sem remuneração (83,6%).

O diagnóstico vem do Relatório Nacional sobre a Demência no Brasil, feito pelo Hospital Alemão Oswaldo Cruz (SP) por meio do Proadi (Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do SUS). O documento deve subsidiar o Ministério da Saúde em novas ações de cuidados.

Fotografia mostra vários idosos alongando os braços
Idosos participam de atividade voltada à prevenção de demências em ambulatório no município de Casa Branca, interior de SP - Prefeitura Municipal de Casa Branca/Divulgação

Foram entrevistadas 140 duplas (paciente e cuidador) de 17 cidades de diferentes portes. Além das entrevistas, a análise dos custos envolvidos levaram em conta dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e estudos nacionais e internacionais.

O trabalho envolveu três eixos: as necessidades de cuidado, o custo da demência e o panorama da pesquisa sobre a doença no Brasil. Segundo a epidemiologista Cleusa Pinheiro Ferri, coordenadora do relatório, nenhum participante da pesquisa tinha todas as necessidades atendidas pelo Estado brasileiro

Por exemplo, mais da metade (51%) das famílias entrevistadas utilizaram o serviço privado de saúde em algum momento para a obtenção do diagnóstico, e 42% dos pacientes não utilizavam nenhum tipo de medicamento para demência. Dos que usavam, só 15% retiravam a medicação gratuitamente no SUS.

Os medicamentos disponíveis no sistema público para o tratamento de Alzheimer são os anticolinesterásicos (donepezil, galantamina e rivastigmina) e a memantina, voltados para a redução dos sintomas.

Segundo levantamento feito pela Abraz (Associação Brasileira de Alzheimer) em setembro, há 1,7 milhão de pessoas vivendo com demência no país, e o Alzheimer corresponde a 55% dos casos (966.594).

O novo relatório aponta que apenas 20% desses casos estão devidamente diagnosticados. "É assustador. É difícil tanto o acesso a testes diagnósticos e quanto a profissionais capacitados", afirma o neurologista Paulo Caramelli, professor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

Um estudo liderado por sua equipe no município de Caeté (MG) chegou a conclusões parecidas ao do relatório: apenas 21% das pessoas identificadas com demência tinham o diagnóstico conhecido.

O geriatra Jean Pierre de Alencar, tesoureiro da Febraz (Federação Brasileira das Associações de Alzheimer), afirma que uma consulta com especialista no SUS para diagnóstico de demência tem levado entre quatro e seis meses.

"A gente tem em torno de uns 13 mil geriatrias, psiquiatras e neurologistas para uma população [com demências] de quase 2 milhões. A atenção básica precisa estar mais bem capacitada para fazer esse diagnóstico", diz. A Febraz oferece curso gratuito de capacitação a médicos da atenção primária.

"As famílias se sentem desamparadas tanto pela falta de apoio de parentes quanto do próprio Estado. Não é apenas no Ministério da Saúde. Precisamos de uma política de Estado para enfrentar essa situação que só deve piorar com o envelhecimento populacional", diz Caramelli, da UFMG.

O professor integra uma rede mundial de pesquisas que está testando no Brasil se medidas preventivas melhoram a cognição de idosos e, em última instância, previnem demências, como a doença de Alzheimer, e se elas são poderiam ser implementadas na rede pública de saúde.

A prevenção do Alzheimer ganhou força após relatório publicado pela revista The Lancet mostrar que 40% demências estão relacionados a 12 fatores de risco modificáveis, entre os quais a baixa escolaridade, o sedentarismo, o tabagismo, o não tratamento da perda auditiva e o descontrole dos níveis de colesterol, de glicemia e de pressão arterial.

Há uma projeção de que em países da América Latina, como o Brasil, até 56% dos fatores de risco para demência sejam passíveis de prevenção. Ocorre que a maioria desses fatores não está sob controle.

O SUS oferta remédios capazes de retardar o progresso da doença e de minimizar os distúrbios de humor e comportamento, mas o acesso a uma equipe multidisciplinar para acompanhar o paciente ainda é escasso.

"Não dá para tratar demência só com remédio e um médico sozinho, tem que ter uma integração de profissionais qualificados, como neuropsicólogos, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogo. As famílias não conseguem bancar isso", diz Alencar.

O ambulatório de idoso de Casa Branca, a 230 km da capital paulista, é uma das exceções. Com dois geriatras, o serviço está adaptado para receber idosos com demência e tem uma gerontóloga especializada em reabilitação cognitiva.

Os idosos e os cuidadores são acompanhados individualmente em sessões de reabilitação cognitiva. E, no mesmo serviço, há atividades semanais em grupo de estimulação cognitiva.

De acordo com o relatório, as despesas totais com a demência variam de acordo com o grau da doença. O custo per capita vai de R$ 2.082 no estágio leve, pula para R$ 3.255 no moderado e chega quase a R$ 4.000 no estágio avançado.

Além da falta de acesso, Cleusa Ferri chama a atenção para o estigma e a desinformação em torno das demências até entre os profissionais de saúde. "Dois terços dos que responderam ao levantamento acham que a demência é própria da idade", diz.

Lígia Gualberto, da coordenação de saúde da pessoa idosa na Atenção Primária do Ministério da Saúde, afirma que a atual gestão está fortalecendo a atenção primária por meio de ações estruturantes, que envolvem o aumento de equipes de saúde da família e de equipes multidisciplinares.

Ela diz que são necessários tempo de consulta adequado e equipes de saúde da família proporcionais para cuidar dos territórios. "Não se faz diagnóstico de demência nem em pronto-socorro e nem em porta de UPAs (Unidades de Pronto-Atendimento)."

Para ela, por conhecer as pessoas de longa data, os profissionais das equipes de saúde da família podem fazer o diagnóstico e o acompanhamento das pessoas com demência.

De acordo com o relatório, é preciso um olhar especial para os cuidadores de pessoas vivendo com demências. Com média de 58 anos, 71,4% apresenta sinais de sobrecarga e 45%, de ansiedade e depressão. A principal queixa é não poder contar com um cuidador reserva. O tempo médio diário dedicado a esse cuidado é de 10 horas e 12 minutos.

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