Descrição de chapéu Dengue Projeto Saúde Pública

Na contramão do país, Ceará mantém casos de dengue abaixo da média

Convivência com a doença, menor parcela da população suscetível e início tardio das chuvas são alguns dos motivos

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Beatriz Jucá
Fortaleza

Com mais de 650 mil casos prováveis de dengue notificados pelo Ministério da Saúde, o Brasil está em alerta pelo surto da doença, impulsionado especialmente pelas notificações no Distrito Federal, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. O Ceará está na contramão desta realidade: segundo dados da Secretaria da Saúde do Estado, a notificação dos casos praticamente caiu pela metade neste ano em relação ao ano passado.

O estado registrou 2.047 casos prováveis de dengue neste ano, enquanto no ano passado foram 3.234 casos no mesmo período. Até o momento, 266 casos foram confirmados. No ano passado, haviam sido 575 em janeiro e fevereiro.

Segundo especialistas e gestores, a convivência histórica do estado com a doença, o fato de ter uma menor parcela da população suscetível aos sorotipos em circulação no país e o início tardio da quadra chuvosa são alguns motivos que explicam a baixa incidência da doença neste início de ano.

Funcionário da prefeitura de Juazeiro do Norte, Ceará, trabalha no combate ao mosquito da dengue
Funcionário da Prefeitura de Juazeiro do Norte, no Ceará, trabalha no combate ao mosquito da dengue - Divulgação

"O Ceará está na contramão porque ele já esteve muito tempo na mão", diz o secretário Executivo de Vigilância em Saúde da Secretaria da Saúde do Ceará, Antonio Lima Neto, conhecido como Tanta. O estado viveu ao menos sete epidemias de dengue nos últimos 40 anos e, segundo o gestor, conta com uma espécie de "barreira imunológica" contra alguns sorotipos da doença.

A infecção da dengue é causada por quatro sorotipos que circulam nas Américas: DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4. Os tipos em maior circulação no Brasil atualmente são o 1 e o 2, os mesmos que já circulavam nos municípios cearenses nos últimos anos. Como o Ceará e outros estados do Nordeste têm histórico de epidemias, Tanta acredita que a parcela da população suscetível para contrair a doença seria menor do que em estados do Sudeste e no Sul, que passaram a enfrentar a doença mais recentemente, com maior prevalência associada à emergência climática e às chuvas excessivas.

A situação do Ceará parece mais confortável que em outros locais do país, mas gestores especialistas concordam que não se pode baixar a guarda para o mosquito. Isso porque outro fator que pode explicar a baixa incidência no estado é o início mais tardio da quadra chuvosa, quando costuma haver mais acúmulo de água e, consequentemente, maior proliferação do Aedes Aegypti. O pico da dengue no Ceará costuma ser entre abril e maio.

"O período da quadra chuvosa começou mais tarde. Pode ser que a gente tenha, a partir de agora, um aumento das arboviroses, como dengue, chikungunya e zika", pondera Magda Almeida, professora do Departamento de Saúde Comunitária da Universidade Federal do Ceará, embora reconheça que a baixa incidência dos primeiros meses é animadora.

Tanta reconhece que não se pode descartar o risco de uma subida de casos, mas alega ser improvável. Ele explica que a secretaria faz um diagrama de controle, com dados da média móvel a partir da série histórica de casos de dengue. A partir daí, estatisticamente é calculado um limite superior. "Quando você está abaixo da média, significa que você está num período de baixa transmissão, que é o que está acontecendo agora", detalha.

Segundo ele, embora o pico da doença costume ser em abril, nos anos de surto os primeiros meses já indicavam uma subida. Seja como for, o próprio gestor admite que o quadro pode mudar se, por exemplo, o DENV-3 ou DENV-4 retornarem ao Ceará. Embora seja raro enfrentar duas epidemias em anos seguidos, o estado vivenciou isso em 2011 e 2012 com a substituição do DENV-1 pelo DENV-4. "Se você não tiver uma alternância de sorotipo, a população que é suscetível [no Ceará] é bem menor que em alguns estados", afirma.

As lições das epidemias

As lições aprendidas com as epidemias nas últimas décadas, segundo especialistas, também contribuem para o controle da incidência e, especialmente, para evitar os óbitos. Uma delas é o manejo clínico: informar a população para que saiba identificar os sinais de alerta para a gravidade da doença (como por exemplo náusea, tontura, vômito e dor abdominal) e organizar o sistema de saúde para atendê-la no tempo adequado é crucial.

"Se eu tratar essa pessoa nessa fase, com soro fisiológico, salvo 99 % dos casos", explica o médico infectologista e coordenador do Núcleo de Medicina Tropical da Universidade Federal do Ceará, Ivo Castelo Branco.

Outra lição, segundo o secretário Tanta, é aprender a não subestimar a capacidade que a doença tem de uma explosão epidêmica e agir para frear a transmissão quando se nota subida nos índices de infestação do mosquito (o LIRA, feito por amostragem a partir das visitas domiciliares), antes de os dados refletirem os casos da doença.

Ter uma equipe de vigilância ativa e atenta e uma população informada para eliminar os focos do mosquito dentro de casa é outra lição importante. "A gente já tem uma cultura de responsabilização individual há algum tempo", diz Magda Almeida. Os focos, aliás, mudam de região para região, e o mosquito pode estar se proliferando no lixo, na garrafa pet, mas também na caixa d'água aberta.

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