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Espera por tratamento no SUS pode reduzir sobrevivência de pacientes com câncer de pâncreas

Doença tem sintomas inespecíficos que dificultam o diagnóstico; especialistas defendem atendimento multidisciplinar

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A mãe de Juliana Góes Bessa morreu em 2023 com câncer de pâncreas em 2023, após anos de negligência no tratamento no SUS - Tércio Teixeira / Folhapress

São Paulo

A mãe de Juliana Góes Bessa, 39, morreu sem chances de tratamento contra o câncer de pâncreas. Considerado um dos tumores sólidos mais agressivos, a doença tem sintomas inespecíficos que dificultam o diagnóstico. Mas a demora nos procedimentos do SUS (Sistema Único de Saúde) podem reduzir ainda mais a sobrevida do paciente.

"Quando tudo começou, em 2021, a suspeita era de um tumor maligno nas vias biliares. No ano seguinte, o diagnóstico passou a ser de uma massa benigna, e no final de 2023 virou câncer de pâncreas", conta Juliana. Quando o diagnóstico correto chegou, a doença estava em estágio 4, com metástase em vários órgãos. "Então minha mãe estava sem chance de tratamento".

Juliana Góes Bessa perdeu a mãe para o câncer de pâncreas em 2023 - Tércio Teixeira/Folhapress

O agravamento dos sintomas como dores abdominais, febres diárias, diabetes repentino e emagrecimento não foi percebido como motivo de urgência pelo Hospital Federal de Ipanema, relata. Entre idas e vindas e internações, nenhum médico as alertou sobre a gravidade das imagens de tomografia: "Eu mesma tive que recorrer à internet para pesquisar os sintomas e percebi que tudo apontava para um possível câncer de pâncreas."

Mesmo com indícios, a equipe médica só realizou a biópsia meses depois. Na época, a unidade contava com o aparelho necessário para o exame de ecoendoscopia— o melhor para detectar esse câncer—, mas elas foram informadas de que não havia o material necessário para a biópsia. Por isso, foram encaminhadas para outro hospital.

"O resultado da biópsia levaria mais 20 dias para sair, um tempo agonizante para quem estava com suspeita de câncer de pâncreas e em estado de saúde fragilizado. Mesmo assim, já nos entregaram o laudo da ecoendoscopia, que mostrava uma lesão grave no pâncreas, com infiltração no duodeno. Minha mãe já não conseguia se alimentar. Apesar desse quadro alarmante, após a biópsia, deram alta a ela, sem tomar qualquer medida para melhorar seus sintomas", afirma.

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"Somente quando minha mãe já estava em estado terminal é que uma oncologista apareceu para avaliar o caso. Isso foi extremamente grave: a demora no encaminhamento para um oncologista, mesmo com sinais claros de câncer meses antes", continua. "Quando a pessoa recebe esse diagnóstico é quase uma sentença de morte, mas no SUS é uma sentença mais rápida".

Procurado, o Hospital, através do Ministério da Saúde, afirmou que exames de imagem, laboratoriais e endoscópicos além de uma cirurgia para resolução do quadro obstrutivo da via biliar não indicaram neoplasia na paciente. Afirmou ainda que, após a cirurgia, a paciente apresentou melhora do quadro e continuou o acompanhamento ambulatorial junto aos setores de cirurgia geral e hepatologia, "sempre realizando os exames necessários para investigação e diagnóstico."

Mas Juliana não é a única a passar pelo problema: ela encontrou no Facebook um grupo que reunia pacientes com a doença e seus parentes, e que relatavam histórias muito similares, inclusive, no mesmo hospital. Muitos deles indicam uns para os outros que façam a ecoendoscopia na rede privada, para agilizar o processo. O exame, no entanto, pode chegar a custar R$ 7.000 reais e não é acessível a todos.

A logística demorada é o que médicos apontam como sendo o principal fator prejudicial aos pacientes com a doença no sistema público. O câncer de pâncreas já é um dos que mata no Brasil, segundo o Inca (Instituto Nacional de Câncer).

"Na rede privada, o paciente tem acesso mais rápido a tomografia, ecoendoscopia e biópsia, que ajudam a realizar o diagnóstico de forma mais ágil, permitindo iniciar o tratamento rapidamente. No SUS, as dificuldades estão no acesso a essas tecnologias e cirurgias. Muitas vezes, o paciente demora para conseguir realizar um exame de tomografia, depois espera mais tempo para fazer a biópsia ou uma cirurgia, além de enfrentar filas para consultar um oncologista e iniciar o tratamento", diz Daniel Girardi, médico oncologista do Hospital Sírio Libanês.

No caso do câncer de pâncreas, que tende a progredir rapidamente, o paciente pode chegar ao oncologista em um estado de saúde já debilitado demais para iniciar o tratamento, como foi o caso da mãe de Juliana.

Segundo Carlos Andrade, oncologista clínico do Inca e do Américas Oncologia, a organização do sistema faz diferença na medida em que centros que operam mais câncer de pâncreas têm um desfecho melhor do que locais que operam com menos frequência, conforme mostram estudos.

"É muito importante a interação das especialidades, a radiologia, a cirurgia, a oncologia clínica, a anatomia patológica, essas disciplinas são importantes estarem juntas para fazer um diagnóstico e selecionar de uma maneira mais adequada aquele paciente que mais vai se beneficiar de determinado tratamento", diz.

Para o cirurgião oncológico Felipe Coimbra, que dirige o Instituto Integra Saúde e a área de Tumores Abdominais no hospital de câncer A.C.Camargo, pesam ainda dois fatores: a educação de médicos generalistas para chegar ao diagnóstico precoce e, em menor escala, as diferenças de disponibilidade de tratamento.

O tratamento para a doença avançada usa uma combinação de três quimioterápicos, chamada de Folfirinox, disponível no SUS e considerado um esquema consagrado. Drogas mais recentes ainda não são disponibilizadas.

Agrava ainda o fato de que, para a doença, não há um rastreamento exato, como há para cânceres como o de mama e o de próstata. "Uma estratégia de rastreio, que você assume como uma política de saúde, para ela ser feita, você tem que ter provado cientificamente que aquela estratégia modifica a história natural da doença. Não existe um estudo, até agora, que na população em geral, prove isso com câncer de pâncreas", diz Andrade.

No entanto, deve-se atentar para os fatores de risco desse câncer, relacionados ao estilo de vida: sedentarismo, obesidade, consumo de álcool, tabagismo, diabetes e consumo de carne vermelha em excesso. Pessoas com cistos no pâncreas e pacientes com histórico familiar de síndromes genéticas também devem fazer acompanhamento recorrente.

Esse projeto é uma parceria com a Umane, associação que apoia iniciativas no âmbito da saúde pública.

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