Descrição de chapéu câncer

Acesso a diagnóstico e tratamento cria cenário desigual no combate ao câncer no país

Estudo aponta que, enquanto no Sudeste a previsão é reduzir em 14,5% as mortes por câncer entre os homens até 2030, no Norte a projeção é de aumento de 1,1%

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São Paulo

Quando o assunto é câncer, cada região do Brasil tem um caminho a trilhar para o país alcançar a meta de, até 2030, reduzir em 33% a mortalidade prematura —de pessoas de 30 a 69 anos. Entre os entraves locais estão o acesso a exames e a oferta de tratamentos.

Dados publicados na revista científica Frontiers in Oncology e divulgados na quinta-feira (2) em evento na sede do Inca (Instituto Nacional de Câncer), no Rio de Janeiro, mostram que enquanto no Sudeste existe a previsão de redução de 14,5% considerando todas as formas de câncer entre os homens, no Norte a projeção é de aumento de 1,1%, quando comparados os dados de 2011 a 2015 e as projeções de 2026 a 2030. Entre as mulheres, os números são respectivamente -5,5% e 3,2%.

"Ainda há uma disparidade muito grande", avaliou Marianna Cancela, pesquisadora do Inca e uma das autoras do trabalho.

Técnica em mamografia analisando imagem de exame
Técnica em mamografia analisa imagem de exame realizado em carreta; ir ao paciente é uma das formas de reduzir as disparidades regionais - ONG Américas Amigas

Membro do conselho diretivo da UICC (União Internacional para o Controle do Câncer), Ana Cristina Pinho Mendes Pereira disse que diversas questões podem contribuir para as disparidades, como a situação socioeconômica, o local de moradia (urbano ou rural, por exemplo), o gênero e a idade do paciente. Ela citou também que pessoas com deficiências físicas ou mentais e integrantes de grupos minoritários podem encontrar mais barreiras no tratamento.

"Essas dificuldades precisam ser notadas e consideradas, com apresentação de propostas diferenciadas", afirmou a diretora-geral substituta do Inca, Liz Maria de Almeida, durante o evento.

Realizado em referência ao Dia Mundial do Câncer (4 de fevereiro), o encontro destacou a posição do Brasil diante do objetivo proposto pela ONU (Organização das Nações Unidas) de, até 2030, os países reduzirem em um terço a mortalidade prematura por doenças não transmissíveis via prevenção e tratamento, e promoverem a saúde mental e o bem-estar.

Pelas perspectivas atuais, apenas o câncer de pulmão conseguirá se aproximar do objetivo, com uma redução de 28% no âmbito nacional. O resultado, nesse caso, é um reflexo dos esforços governamentais de longo prazo de controle do tabagismo.

A mortalidade prematura por câncer colorretal, por outro lado, deverá subir 10,2% entre os homens e 8,5% entre as mulheres. O recorte regional mostra que a variação vai de 4,5% no Sudeste a 52% no Norte (homens) e de 0,3% no Sul a 37,7% no Nordeste (mulheres).

As participantes chamaram a atenção ainda para a manutenção das taxas elevadas de câncer do colo do útero, que pode ser erradicado com a vacina contra o HPV e o papanicolau, e de câncer de mama.

Neste último, a previsão é de crescimento de 0,1% na mortalidade prematura no país, com redução de 4% no Sudeste e aumento de 1,0% no Sul, 4,0% no Centro-Oeste, 7,3% no Nordeste e 25,6% no Norte.

"Sua cidade, o local onde você mora não pode determinar se você vai viver ou morrer de câncer", criticou Maira Caleffi, chefe do Serviço de Mastologia do Hospital Moinhos de Vento (RS) e presidente da Femama (Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama), nesta sexta-feira (3).

Também integrante do conselho diretivo da UICC, ela disse que há um esforço para aumentar a conscientização sobre o problema da desigualdade no combate ao câncer e para mostrar que a resposta para o problema precisa levar em conta cada contexto.

Na região Norte, por exemplo, em que há grande dificuldade de locomoção, é possível investir em barcos com profissionais de saúde e equipamentos para a realização de exames. Outra forma de lidar com a questão do deslocamento, evitando que as pessoas tenham de viajar, é firmar parcerias com clínicas particulares, nas quais muitas vezes há equipamentos ociosos.

"Atualmente, não conseguimos realizar a cirurgia sem uma biópsia e sem saber qual o tipo de tumor, e a espera para esse exame é um dos grandes gargalos", exemplificou. Ainda em relação à espera, ela pontuou a importância da navegação do paciente, com orientações e apoio desde a prevenção até o fim do tratamento.

A forma como cada região vem se recuperando da pandemia também repercute, uma vez que muitos atendimentos ficaram represados. No caso do papanicolau, por exemplo, dados do Observatório da Atenção Primária à Saúde da Umane indicam que, em 2019, 84% das mulheres haviam realizado o exame há menos de dois anos. Em 2021, a taxa caiu para 77,6%.

Outro ponto é a adoção dos mesmos protocolos em todos os locais. "Não dá para cada profissional ter uma conduta, precisamos otimizar os recursos", disse Caleffi.

Regionalizar a instalação de Cacons (Centro de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia) e investir na radioterapia intensiva, por sua vez, são formas de caminhar para o acesso realmente universal ao tratamento, já que permitem deslocamentos e estadias menores.

Por fim, as especialistas concordam que é preciso unir vozes e esforços, uma vez que o câncer é um problema de todos.

"Muitas vezes, a mulher não consegue ir fazer o exame porque não tem quem olhe os filhos ou não pode faltar ao trabalho, por exemplo. Você já perguntou para as pessoas que trabalham com você qual foi a última vez que fizeram exames? Questionou como pode ajudar? Precisamos do esforço de todos", disse Caleffi.

O Ministério da Saúde afirmou que "estuda um plano que vai fortalecer as ações e os serviços de tratamento e combate ao câncer por meio de estratégias de prevenção e diagnóstico precoce, no âmbito da atenção primária e especializada, com plano terapêutico integral e o monitoramento dos principais tipos de cânceres, com a articulação de toda a rede disponível no país".

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