Combate à intolerância racial patina em estádios russos antes do Mundial

Crédito: Evgeny Biyatov/Sputnik/AFP Goleiro Guilherme Marinato durante treino da seleção russa
Goleiro Guilherme Marinato durante treino da seleção russa

EDUARDO GERAQUE
DE SÃO PAULO
FÁBIO ALEIXO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE MOSCOU

"Por que diabos a seleção da Rússia precisa de um macaco como goleiro?"

O canto racista entoado pela torcida do Spartak Moscou que ecou na final da Supercopa da Rússia, dia 14, tinha como destinatário o goleiro brasileiro Guilherme.

Naturalizado russo em 2015, o atleta do Lokomotiv disputou a Copa das Confederações e tem chances de jogar a Copa.

"É lamentável isso nos dias de hoje. Depois de tantos anos ainda acontece esse tipo de manifestação" disse Guilherme à Folha.

"Como jogador, não vou dizer que encaro isso de uma forma normal, mas é indiferente para mim se eles tentam me ofender dessa forma", disse o jogador.

Apesar de a Copa das Confederações ter ocorrido sem manifestações raciais, a ofensa ao goleiro brasileiro, assim como ocorreu no passado com Hulk e Roberto Carlos, não é algo fortuito, atesta um relatório feito por duas ONGs ligadas aos direitos humanos.

Na temporada 2016/2017, mostra o documento, houve 89 manifestações racistas ou xenófobas nas arquibancadas dos estádios das primeiras divisões do futebol local.

Os exemplos de intolerância envolvem desde o uso de símbolos ligados ao nazismo até cantos que insultam jogadores de outras etnias, como negros e asiáticos.

É comum também a ofensa contra times de outras regiões do país, ou discriminando torcidas adversárias, associadas a minorias.

Os números mais recentes são inferiores aos catalogados na temporada 2015/2016, quando houve 101 registros, mas estão no mesmo patamar de 2014/2015. Há três anos foram documentados 92 casos.

"A Rússia é um país bastante diverso, mas isso não significa que a discriminação não ocorra. Como nós documentamos, atletas negros são muitas vezes ofendidos com cantos que imitam macacos", afirma Pavel Klimenko, do escritório da Fare no leste europeu, uma das ONGs que mapeia os incidentes no futebol russo desde 2012.

Os imigrantes da Ásia Central e do Cáucaso, como também mostra a pesquisa, sofreram ataques físicos de torcedores neonazistas de extrema direita, em brigas dentro do contexto do futebol.

De acordo com Klimenko, a situação melhorou um pouco às vésperas da Copa porque houve um controle maior dos organizadores do torneio, já que há a intenção de mostrar uma imagem positiva da Rússia ao mundo.

"Nós podemos esperar incidentes em cidades pequenas, onde as pessoas não estão acostumadas a sediar grandes eventos", diz.

Para o jornalista africano radicado em Londres Osasu Obayiuwana, que estava no grupo contra o racismo da Fifa desfeito em 2016, não é esperado muitos problemas durante a Copa do Mundo.

"Mas a possibilidade está sempre lá. Não podemos afirmar de forma categórica que nada vai ocorrer."

Segundo Obayiuwana, que criticou a Fifa no início do ano por ter acabado com o grupo contra o racismo, a Rússia precisa solucionar o problema das ofensas raciais no cotidiano do seu futebol.

"Na minha opinião, o grande projeto da Copa de 2018 seria o de enfrentar os torcedores racistas que existem na Rússia. Defendia isso no grupo que a Fifa extinguiu", afirma.

CONTRA-ATAQUE

O Comitê Organizador Local da Copa de 2018 criou um grupo para tentar combater casos de injúrias raciais no torneio. Alexey Smertin, ex-volante do Chelsea e da seleção russa na Copa de 2002 foi chamado para coordenador o trabalho.

Em 2015, o ele disse que não existia racismo no futebol da Rússia. Depois, porém, reconsiderou a opinião.

"A Rússia é um país que sempre dá boas-vindas a todos. Temos de educar as pessoas sobre discriminação, preconceito, comportamento. Você precisa ir ao estádio apoiar o seu time e não ofender ao outro", afirma.

Tanto o comitê organizador da Copa quanto a Fifa dizem que o trabalho que está sendo feito contra o racismo terá "excelentes resultados".

"Somos um país internacional. Moscou tem cidadãos de mais de 150 nações diferentes. Na Copa das Confederações, todos estavam gritando 'Camarões, Camarões!' Não penso que haverá racismo na Copa", afirmou o CEO do comitê, Alexey Sorokin, à Folha.

A União de Futebol da Rússia tenta há ao menos três anos barrar as ofensas raciais e étnicas dos estádios. Vários clubes foram multados nos últimos anos por causa de cantos, faixas e bandeiras com injúrias desses tipos.

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