Em lista negra dos EUA, mexicano é vetado por patrocinadores na Copa

Rafael Marquez é acusado de envolvimento com cartéis de drogas

Tariq Panja
Moscou | The New York Times

Rafael Márquez, um dos mais famosos astros da seleção mexicana de futebol que está disputando a Copa do Mundo da Rússia, é destaque no torneio. Mas não por conta de seu talento em campo.

O nome de Márquez, 39, consta de uma lista negra do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos sobre pessoas que as autoridades americanas afirmam ter ajudado na lavagem de dinheiro por cartéis de drogas. A inclusão de seu nome na lista proíbe que cidadãos, empresas e bancos americanos façam negócios com ele.

O veterano meio-campista Rafael Marquez, do México, em ação no jogo contra a Alemanha, no último domingo (17), pela Copa do Mundo da Rússia
O veterano meio-campista Rafael Marquez, do México, em ação no jogo contra a Alemanha, no último domingo (17), pela Copa do Mundo da Rússia - Kirill KUDRYAVTSEV/AFP

Por isso, Márquez não bebe a mesma marca de água mineral que seus companheiros de equipe, e não usa o mesmo uniforme nos treinos. Em lugar de ser posicionado diante das marcas dos patrocinadores em toda oportunidade, como costuma acontecer com os jogadores mais famosos, "Rafa", como ele é conhecido, fica fora do enquadramento.

Caso ele seja o melhor jogador em um jogo, certamente não receberá o prêmio de melhor em campo da Budweiser. Sua hospedagem é vigiada cuidadosamente para evitar que ele fique em lugares com qualquer conexão com os Estados Unidos, mesmo que isso torne necessário que ele se hospede em separado do restante da seleção. E por mais que esteja batalhando em campo, Márquez está jogando sem remuneração.

De outra forma, as coisas poderiam ficar complicadas para os bancos.

A Fifa, a organização que comanda o futebol mundial e organiza a Copa do Mundo, encaminhou a parte mexicana do US$ 1,5 milhão com que contribui para as despesas de cada seleção usando bancos não relacionados com o sistema financeiro dos Estados Unidos, e fez o pagamento em euros.

As empresas patrocinadoras, especialmente as americanas, que pagam para exibir seu nome em tudo que relaciona à Copa do Mundo e aos seus astros, estão tentando ficar o mais longe que podem de Márquez.

O jogador está na lista negra do Tesouro americano desde agosto, e diversas empresas ligadas a ele foram acusadas de agir como fachadas e de deter ativos para Raúl Flores Hernández, suspeito de comandar uma operação de tráfico de drogas.

Ainda que não tenha sido alvo de acusações criminais, os ativos financeiros de Márquez nos Estados Unidos, bem como seus ativos mexicanos conectados à rede financeira dos Estados Unidos, foram congelados. Ele negou veementemente qualquer conexão com traficantes de drogas e contratou advogados para contestar a inclusão de seu nome na lista negra, e para acalmar os patrocinadores preocupados.

Um de seus advogados, Jose Luis Nassar, que vem funcionando como porta-voz de Márquez, disse que "estamos em uma fase de colaboração franca" com as autoridades americanas, para resolver a questão.

Mas os patrocinadores ainda assim escolheram tratar o superastro do futebol como criptonita.

A federação mexicana de futebol e a Fifa estão informadas sobre a situação peculiar de Márquez já há alguns meses, mas permitiram que ele fosse convocado para a seleção e que participasse do torneio.

As duas organizações, de fato, estão colaborando para ajudá-lo a encontrar seu percurso no torneio, de maneira que evite quaisquer dificuldades com o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, de acordo com diversas pessoas envolvidas no planejamento, que falaram sob a condição de que seus nomes não fossem mencionados.

"A Fifa está ciente da situação que envolve o jogador Rafael Márquez e estamos em contato regular com a Associação Mexicana de Futebol", afirmou a organização em comunicado.

A federação mexicana, em seu comunicado, reconheceu que teve de encontrar compromissos para acomodar a situação de Márquez, o capitão da equipe.

"Encaramos com seriedade as ações do Departamento do Tesouro americano, e estruturamos nossas operações na Copa do Mundo de forma a não violar as leis de sanções americanas", disse a federação, que tem interesses de negócios significativos nos Estados Unidos, especialmente o contrato com a Soccer United Marketing, que detém direitos comerciais exclusivos sobre o futebol mexicano no país.

A Soccer United Marketing não quis comentar.

No jogo entre México e Alemanha, ele entrou no final da partida para ajudar a garantir a inesperada vitória mexicana, e com isso se tornou o terceiro jogador a participar de cinco copas do mundo. A realização teria sido causa de celebração e promoções, se tivesse surgido sob circunstâncias diferentes.

Mas quando a partida acabou os repórteres de campo não correram para entrevistar Márquez. Isso teria requerido colocá-lo diante de um painel que ostenta os logotipos dos patrocinadores, entre os quais quatro grandes marcas americanas: Visa, Coca-Cola, Budweiser e McDonald's.

A Fifa inicialmente havia informado às redes de TV, incorretamente, que elas não poderiam entrevistar Márquez, mas depois revisou essa norma e disse que entrevistas poderiam acontecer, desde que não mostrassem o logotipo de patrocinadores,

A Fifa também tomou medidas para impedir contatos entre Márquez e quaisquer de seus funcionários que sejam cidadãos americanos. Por exemplo, se Márquez participar de uma entrevista coletiva organizada pela Fifa, o moderador não pode ser americano.

Mesmo antes do início da Copa já era necessário cuidado.

Márquez parou de jogar pelo seu clube, o Atlas, de Guadalajara, e ficou de fora das convocações para a seleção mexicana por meses, enquanto seus advogados trabalhavam no caso. A federação mexicana só o convocou para a Copa do Mundo bem perto do prazo limite da Fifa para a definição de elencos.

Márquez não pôde participar de um amistoso preparatório contra o País de Gales, realizado em Pasadena, na Califórnia, aparentemente porque está proibido de entrar nos Estados Unidos. E tanto na preparação inicial do México para o torneio quanto depois que a seleção chegou à Rússia, a camisa de Márquez não porta os logotipos dos patrocinadores.

Os voos também tiveram de ser cuidadosamente organizados, porque Márquez não está autorizado a voar em companhias de aviação que sejam propriedade de americanos.

Especialistas em questões legais não envolvidos no caso afirmaram que parte das decisões da Fifa e da federação mexicana haviam sido tomadas por excesso de cautela, já que as normas do Tesouro americano estão sujeitas a interpretações amplas, e não valeria a pena correr qualquer risco de violá-las.

"As penalidades para esse tipo de coisa são muito severas", disse Oliver Krischik, advogado do escritório de advocacia GKG Law, especializado em sanções do Tesouro.

As empresas que violem as normas, mesmo que inadvertidamente, estariam sujeitas a multas de até US$ 1,5 milhão por violação, e violações deliberadas podem resultar em multa de até US$ 10 milhões e pena de até 30 anos de prisão para indivíduos que desrespeitarem as regras deliberadamente.

Krischik descreveu os regulamentos como "uma área cinzenta".

As restrições são menos onerosas para empresas sediadas fora dos Estados Unidos. Por exemplo, Márquez usa o mesmo uniforme Adidas que seus colegas de equipe, e sua patrocinadora pessoal, a Puma, sediada na mesma cidadezinha alemã que a Adidas, recorreu à mídia social para cumprimentar o jogador por seu recorde.

Foi um gesto que muitas outras marcas, como Coca-Cola e Citibanamex, evitaram judiciosamente. Adidas e Puma se recusaram a comentar.

"Em todas as nossas atividades de negócios, cuidamos de garantir o cumprimento de todas as leis aplicáveis, entre as quais as leis de sanções americanas", afirmou a Coca-Cola em comunicado.

A despeito de seus problemas legais, Márquez continua imensamente popular no México, o que a Fifa e a Anheuser-Busch InBev, cuja marca Budweiser patrocina o prêmio de melhor em campo do torneio, baseado em votos do público, não ignoram.

Associar esse prêmio a Márquez - ele foi votado o melhor em campo em uma partida na Copa do Mundo do Brasil - enquanto seu nome está na lista negra quase certamente representaria violação da lei americana.

Por isso, uma maneira de contornar o problema está sendo discutida, sob a qual ele não receberia o troféu com a marca Bud, segundo pessoas informadas sobre as discussões. A Anheuser-Busch InBev, que também tem conexões com a seleção mexicana por meio da marca Estrella Jalisco, disse que questões sobre Márquez e o prêmio devem ser encaminhadas à Fifa.

"A Fifa tem o compromisso de cumprir as regras aplicáveis à situação legal de Márquez, da forma solicitada pelas respectivas autoridades", declarou a Fifa.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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