Descrição de chapéu The New York Times

Lopetegui demorou 15 anos para realizar seu sonho, e perdeu tudo em 5 meses

Treinador foi demitido do Real Madrid após a goleada sofrida diante do Barcelona

Julen Lopetegui coloca as mãos na cabeça durante a goleada sofrida pelo Real Madrid para o Barcelona - Albert Gea/Reuters
Rory Smith
Nova York | The New York Times

Com o tempo, talvez, surja alguma simpatia por Julen Lopetegui, o homem que no espaço de 139 dias perdeu dois dos maiores empregos do futebol espanhol. Com mais reflexão, mesmo aqueles que se sentem decepcionados ou traídos talvez reconheçam o quanto é pungente a história de um treinador que passou 15 anos tentando realizar seu sonho, e o viu destruído em menos de cinco meses.

Por enquanto, porém, essa continua a ser uma perspectiva distante. Na noite de segunda-feira (29), o Real Madrid divulgou um comunicado sucinto e seco confirmando a muito aguardada demissão de Lopetegui, após a humilhante derrota da equipe por 5 a 1 no primeiro clássico da temporada contra o Barcelona, domingo, pelo Campeonato Espanhol.

Lopetegui, 52, comandou o time por apenas 14 jogos. Venceu seis e perdeu seis deles. O Real Madrid, atual campeão europeu, está na nona posição da tabela do campeonato espanhol. O conselho do clube afirmou ter decidido que era melhor agir agora, "enquanto os objetivos da temporada ainda podem ser atingidos".

Exceto para a família do treinador ---seu pai, José Antonio Lopetegui, se queixou em uma entrevista de que "50 gols" haviam sido "roubados" de seu filho quando o clube decidiu vender Cristiano Ronaldo, poucas semanas depois da contratação dele---, a notícia não causou tristeza.

Lopetegui se tornou uma parábola para os perigos da ambição, uma narrativa exemplar sobre os riscos que a arrogância gera.

Para muita gente, afinal, o treinador foi o homem que sacrificou a campanha da seleção espanhola na Copa do Mundo no altar de suas ambições pessoais. Apenas três dias antes da estreia espanhola na Copa da Rússia, em junho, o Real Madrid anunciou ter chegado a acordo com Lopetegui, então treinador da seleção espanhola, para que ele comandasse seu time.

Lopetegui dirigiu a seleção principal espanhola por 20 partidas, sem qualquer derrota, e a equipe era uma das favoritas a conquistar a Copa do Mundo. Mas o anúncio da contratação do treinador pelo Real Madrid irritou Luis Rubiales, o presidente da federação espanhola de futebol; na opinião dele, Lopetegui e o clube haviam humilhado a seleção.

Julen Lopetegui gesticula durante jogo do Real Madrid pela Liga dos Campeões - Paul Hanna/Reuters

Em uma madrugada passada em claro na base da seleção espanhola em Krasnodar, Rubiales determinou que a notícia não lhe deixava escolha a não ser demitir Lopetegui. Fernando Hierro, o diretor técnico da seleção, o substituiu como treinador na última hora. Os jogadores estavam divididos quanto à decisão. Quando o torneio começou, a Espanha avançou aos tropeços, mas foi eliminada pela Rússia nas oitavas de final.

Lopetegui não foi a única pessoa a atrair críticas públicas. Florentino Pérez, o presidente do Real Madrid, também foi alvo de muitos ataques por colocar os assuntos do clube acima do interesse nacional. Ele foi acusado de tirar a seleção espanhola dos trilhos apenas para flexionar os músculos do Real Madrid e exibir seu poder.

Na verdade, porém, Pérez estava menos exibindo poder do que demonstrando fraqueza. Ele havia sido apanhado de surpresa, semanas antes, quando Zinedine Zidane anunciou que deixaria o comando do clube, e se viu rejeitado por diversos treinadores conhecidos ---Mauricio Pochettino, do Tottenham, Massimiliano Allegri, da Juventus, Jürgen Klopp, do Liverpool--- em sua busca de um substituto.

Quando por fim decidiu por Lopetegui, cerca de uma semana antes da Copa do Mundo, apelou ao treinador por autorização para anunciar a contratação publicamente. Lopetegui queria esperar até depois da Copa, mas Pérez se mostrou inflexível. A lógica dessa decisão é reveladora ---e em retrospecto um claro sinal de alerta.

O dirigente estava preocupado com a possibilidade de que um mau desempenho espanhol no Mundial reduzisse o impacto do anúncio pelo clube. Pérez não se apressou a anunciar a contratação de Lopetegui porque estivesse orgulhoso demais da façanha: o fez porque a possibilidade de que o treinador fracassasse o preocupava.

Lopetegui tinha preocupações parecidas. Jorge Mendes, o superagente futebolístico português, estava encorajando o treinador a se ver como possível novo técnico do Real Madrid há pelo menos um ano. Foi Mendes que fez a sugestão inicial sobre Lopetegui a Pérez. O treinador, cuja experiência no comando de clubes de elite se reduzia a 20 meses infelizes à frente do Porto, suspeitava que não estivesse pronto para uma posição dessa escala.

Ele tinha razão, claro; e Pérez também tinha motivos para estar preocupado. As consequências serão dispendiosas: reportagens publicadas na Espanha dão a entender que o Real Madrid terá de pagar o valor restante do contrato de Lopetegui, um valor de cerca de 15 milhões de euros (US$ 17 milhões). Santiago Solari, que comandava as equipes juvenis do Real Madrid, o substituirá interinamente. A contratação de um treinador permanente, provavelmente Antonio Conte, ex-técnico do Chelsea, custará mais muitos milhões de euros.

Mas, na opinião de Lopetegui, ele não tinha escolha. Talvez seja quanto a isso que o tempo possa vir a tratá-lo com mais gentileza. É verdade que ele talvez tenha errado por aceitar a proposta do Real Madrid na véspera da Copa do Mundo. E quase certamente errou ao autorizar a divulgação do fato sem consultar Rubiales e seus empregadores na federação espanhola.

Mas ninguém pode culpá-lo por aceitar o cargo, por dizer sim ao convite para realizar seu sonho. Nem toda a culpa pelo fracasso cabe a Lopetegui.

Nos três anos anteriores à sua contratação, o Real Madrid viveu um período de calma incomum, já que a tranquilidade quase sobrenatural de Zidane acalmava as intrigas políticas permanentes e as constantes disputas de bastidores que sempre caracterizaram o clube. Mas desde a saída do francês, o Real Madrid voltou ao normal.

Julen Lopetegui durante jogo do Real Madrid, pelo Campeonato Espanhol - Paul HannaAFP

Logo depois de contratar Lopetegui ---um tecnocrata, vindo das bases---, Pérez decidiu que precisava de uma figura mais autoritária para disciplinar uma equipe que ele via como acomodada por conta dos anos de sucesso. Chegou a pensar em levar José Mourinho de volta ao clube; Conte é um treinador do mesmo molde, por exigir disciplina quase militar.

Os jogadores não compartilham dessa opinião. O capitão do time, Sergio Ramos, observou que "às vezes saber administrar o vestiário é mais importante que o conhecimento técnico", indicando claramente que em sua opinião um toque mais delicado seria mais efetivo.

Ramos apoiou Lopetegui praticamente até o último momento ---ele foi, nas palavras do diário espanhol El País, "o último baluarte do Castelo Lopetegui"---, o que deve ter servido de consolo ao treinador.

Mas Pérez acredita que Ramos veio a adquirir poder demais, da mesma forma que Iker Casillas e Raúl, em times passados. Pérez não tolera facções rivais em seu feudo. Um treinador mais interessado em disciplina, aos olhos de Pérez, colocaria Ramos na linha e talvez até aceitasse a venda do zagueiro. O apoio de Ramos a Lopetegui, portanto, pode ter mais garantido do que evitado sua demissão.

E esse não era o único problema. Algumas das decisões táticas de Lopetegui incomodaram jogadores importantes; uma ou duas delas, como seu tratamento aos dois goleiros, Thibaut Courtois e Keylor Navas, pareciam incompreensíveis para o conselho do clube.

Pérez queria um papel mais importante para Vinicius Junior, adolescente brasileiro que chegou ao clube na metade do ano; Lopetegui o via como ainda muito cru.

O treinador sentia que o clube o deixou na mão por não contratar um substituto para Cristiano Ronaldo, ou os reforços que ele havia pedido para a defesa e o meio de campo. O conselho declarou, em sua notificação sobre a demissão do Lopetegui, que ele tinha "oito jogadores indicados à Bola de Ouro" à sua disposição.

"Há uma grande diferença entre a qualidade do time e a qualidade dos resultados conseguidos até agora", afirma o comunicado.

Isso é incontestável. O que pode ser contestado é em que medida a responsabilidade por isso cabe apenas ao treinador. Lopetegui sabia que pagaria o preço. "Sabemos como o futebol funciona", ele disse depois da derrota para o Barcelona. O treinador parecia saber o que lhe estava reservado.

Um dia depois de ser demitido pela Espanha, e confirmado pelo Real Madrid, Lopetegui declarou que perder o emprego na seleção espanhola havia sido "o dia mais triste" de sua vida, exceto o da morte de sua mãe. Depois da derrota em Barcelona, ele decerto sabia que novas dores estavam por chegar.

Por enquanto, pouca gente compartilhará de sua tristeza. Lopetegui pagou o preço da ambição e da arrogância. Apostou tudo, e perdeu, duas vezes: por 139 dias, foi visto como o homem que custou uma Copa do Mundo à Espanha, e humilhou a seleção. Com o tempo, porém, essa percepção pode mudar.

Lopetegui talvez jamais venha a ser o herói da história, claro, mas pode ser que deixe de ser o único vilão.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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