Dossiê do Boca Juniors relata mais agressões e Justiça investiga torcida

Clube diz ter sofrido uma emboscada na final da Libertadores e barra brava fala em premeditação

São Paulo

O Boca Juniors afirmou à Conmebol que seus jogadores foram alvo de outras agressões além da chuva de pedras e garrafas atiradas no ônibus da equipe antes da final da Libertadores, no sábado (24), contra o River Plate. Dois atletas da equipe foram atingidos no ataque sofrido, o que levou o jogo a ser cancelado.

O presidente do Boca Juniors, Daniel Angelici, chega à sede da Conmebol para reunião com Alejandro Domínguez e Rodolfo D'Onofrio em Luque, no Paraguai
O presidente do Boca Juniors, Daniel Angelici, chega à sede da Conmebol para reunião com Alejandro Domínguez e Rodolfo D'Onofrio em Luque, no Paraguai - Norberto Duarte/AFP

Os dirigentes alegam que houve mais incidentes próximos ao estádio do rival e que seus jogadores foram vítimas de uma emboscada. O relatório montado pelos dirigentes tem 46 páginas.

A polícia de Buenos Aires investiga a relação dos Borrachos del Tablón, a principal organizada do River, com os tumultos que fizeram a decisão ser adiada de sábado para domingo (25) e depois suspensa mais uma vez. O Boca Juniors alegou não ter condição de entrar em campo.

A final mudou de data porque as pedras e garrafas atiradas por torcedores quebraram as janelas do ônibus. Atletas se feriram com estilhaços de vidros. O mais afetado foi o volante Pablo Pérez, que teve cortes no braço e o olho afetado. Gás de pimenta foi usado na rua. Este entrou no veículo e afetou os atletas, que tiveram de ser atendidos por médicos no vestiário.

Reunião desta terça (27) na sede da Conmebol em Luque, no Paraguai, não fez com que os presidentes dos finalistas da Libertadores chegassem a um consenso. 

Apesar de ter feito acordo com o mandatário da entidade, Alejandro Domínguez, e com o do River Plate, Rodolfo D’Onofrio, para decidir o título em campo, o presidente do Boca, Daniel Angelici, não suportou as pressões de seus jogadores, comissão técnica e torcedores. Ele decidiu entrar com a reclamação na comissão disciplinar da confederação pedindo os pontos da partida e o título.

A confederação quer que o campeão seja definido em campo e marcou a partida de volta para 8 ou 9 de dezembro. Na ida, em La Bombonera, o placar foi 2 a 2. Ficou definido que a decisão não será na Argentina. 

A cidade favorita é Doha, no Qatar. Assunção, no Paraguai, e Miami, dos Estados Unidos, também estão cotadas.

“A presidência, junto com o conselho da Conmebol, decidiu que a partida, caso aconteça, será jogada no sábado dia 8 ou domingo dia 9, fora do território argentino. Entendemos que não há condições para que esta partida seja jogada no país”, afirmou Alejandro  Domínguez, em pronunciamento após o encontro com presidentes dos dois finalistas.

O presidente da Conmebol, Alejandro Domínguez, faz pronunciamento sobre a segunda partida da final da Copa Libertadores
O presidente da Conmebol, Alejandro Domínguez, faz pronunciamento sobre a segunda partida da final da Copa Libertadores - Norberto Duarte/AFP

Quando diz “caso aconteça”, ele condiciona a realização da final às decisões do comitê disciplinar. Não há prazo para a resolução. Espera-se que isso aconteça até esta quinta-feira (29).

O presidente do Boca, Daniel Angelici, afirmou que o clube vai esgotar todas as instâncias administrativas para que não aconteça a final. O passo seguinte seria recorrer à Câmara de Apelações.

“Não vamos jogar nenhum jogo até que o tribunal disciplinar emita uma decisão. Uma vez que tenhamos esses argumentos, vamos ler e se estivermos de acordo, iremos ao tribunal de apelações em primeira e segunda instâncias. E se tivermos que ir ao TAS [Tribunal Arbitral do Esporte], iremos ao TAS”, disse ele.

Rodolfo D’Onofrio considera que a decisão do rival de tentar vencer nos tribunais é uma traição. Ele lembra que apertou a mão de Angelici no que o próprio Domínguez chamou de “acordo de cavalheiros” para que o campeão fosse definido em campo.

A reclamação do Boca Juniors não é a única investigação em andamento. 

Desde abril de 2017 a Justiça argentina averigua as revendas ilegais de ingressos no River e a participação dos Borrachos del Tablón. Escuta telefônica captou José Uequin, conhecido como Bolsa de Papa (saco de batata, em espanhol), um dos chefes da torcida, dizendo que a ação do último sábado foi planejada como vingança.

No dia anterior, sexta (23), a polícia de Buenos Aires apreendeu 300 ingressos para a final e o equivalente a R$ 780 mil reais (em dólares e pesos) na casa de Hector Godoy, o Caverna, principal líder dos Borrachos del Tablón.

O confisco foi sangria nos planos da organizada. Não revender os bilhetes causou perda de receita considerável. No mercado negro, dias antes do jogo, as entradas eram oferecidas por agências de turismo no centro da capital por até R$ 7 mil cada. Integrantes dos Borrachos também ficariam sem chances de estarem no Monumental no confronto histórico.

 

Encarregado da investigação, o fiscal Norberto Brotto considera impossível que os barras bravas, como são chamados os núcleos violentos das organizadas, tenham conseguido os bilhetes sem a conivência de diretores do River.

“O clube não repassa ingressos para os barras”, se limitou a dizer D’Onofrio.

Há casos de sócios que foram pegar suas entradas no clube e foram informados que alguém havia passado no local antes e as retirado.

As principais barras da Argentina vivem em conflitos internos permanentes. Mas nenhuma como os Borrachos del Tablón, que tem longo histórico de assassinatos, traições e facções disputando o poder. Neste aspecto, supera até mesmo La 12, a principal torcida do Boca Juniors, e a mais conhecida do país.

Com recursos de revenda de ingressos, controle dos comércios ilegais fora dos estádios, guardadores de carros, rifas de camisas dadas por jogadores ou pedidos de ajuda financeira ao clube, as maiores organizadas conseguem movimentar mais de R$ 1 milhão em meses com maior número de jogos. 

No caso do River, ainda há shows de bandas internacionais que acontecem no Monumental de Nuñez. Os torcedores lucram com a venda de entradas para esses eventos.

Os Borrachos del Tablón, como outras organizadas do país, são empresas, quase sempre sem fins lucrativos, montadas para justificar a entrada de recursos e evitar pagamento de impostos. Também são responsáveis pela confecção e venda de materiais com o logo da torcida, que se tornaram, com o tempo, uma grife do futebol local.

As barras dos grandes clubes atraem torcedores de outras equipes, não por causa da paixão do futebol, mas pela capacidade de arrecadar dinheiro. E os Borrachos del Tablón conseguem reunir o grupo mais diversificado. No decorrer das últimas três décadas, teve como líderes ou principais nomes gente ligada a agremiações menores, como Chacarita Juniors, Sportivo Italiano e All Boys.

Hector “Caverna” Godoy esperou mais de dez anos para conseguir ser o líder dos Borrachos. Durante as décadas de 90 e parte dos 2000, navegou entre grupos que buscavam o poder, como um dos principais auxiliares de Alan e William Schenkler, dois irmãos de família rica de Buenos Aires que se tornaram a principal referência da torcida por quase dez anos. 

Os Schenkler estão presos, condenados a prisão perpétua pelo assassinato em 2007 de Gonzalo Arco, integrante de grupo rival dos Borrachos.

O conflito entre os irmãos e Adrian Rosseau, originada em 2006 por causa da divisão de dinheiro que sobrou da viagem dos torcedores para a Copa do Mundo na Alemanha, fez o River Plate viver um caos durante o resto da década. Houve  casos de facadas, tiros e brigas generalizadas dentro do Monumental mesmo em dias sem partidas. 

Apesar da apreensão dos ingressos e das escutas telefônicas, a Justiça não determinou a prisão de Godoy que, em áudio enviado para rádios argentinas, disse não ter nada a ver com a confusão do último sábado. 

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