'Teixeira se comportava como gângster', diz autor de livro sobre o Fifagate

Globo comprou direitos para editar obra no Brasil, mas ainda não a publicou

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Nova York

Ao longo do ano em que passou organizando depoimentos e compilando os documentos para o livro “Red Card: How the U.S. Blew the Whistle on the World’s Biggest Sports Scandal” (“Cartão Vermelho: Como os EUA Revelaram o maior Escândalo Esportivo Mundial”), sobre o Fifagate, o jornalista Ken Bensinger diz que se deparou com pessoas que queriam impedir a publicação da obra. 

Para ele, o ex-presidente da CBF Ricardo Teixeira se comportava como um gângster e um ladrão, assim como Julio Grondona, o ex-chefe da federação argentina de futebol. 

“Eram praticamente personagens de filme. A forma como exigiam dinheiro das pessoas, intimidavam as pessoas, sua arrogância, esse tipo de coisa”, afirma.
 

 

Quando você começou a ter interesse em escrever sobre o assunto? Havia um dirigente americano da Fifa, que está morto, era de Nova York, chamado Chuck Blazer. Ele era o mais poderoso oficial de futebol dos Estados Unidos, e em 2014, antes da Copa no Brasil, eu escrevi um perfil sobre ele, um longo perfil, de 8 ou 9 mil palavras. Eu sabia que ele era corrupto, que tinha recebido muito dinheiro que não deveria ter recebido, mas não sabia que ele estava trabalhando em uma investigação criminal secreta.

Eu escrevi a reportagem e publiquei em junho de 2014, e, quase um ano depois, em 27 de maio de 2015, foi quando a investigação secreta americana se tornou pública. E, dentro de alguns dias, foi revelado o fato de que Chuck Blazer era um colaborador e tinha feito uma delação premiada. Aí surgiu a oportunidade de escrever um livro. É muito interessante, porque eu sempre quis escrever um livro, eu gostava de futebol, não tanto assim, mas tinha interesse nos casos de corrupção e gostei da oportunidade de viajar um pouco e aprender. Eu assinei o contrato em meados de 2015.

O jornalista Ken Bensinger, autor de livro sobre escândalo de corrupção na Fifa
O jornalista Ken Bensinger, autor de livro sobre escândalo de corrupção na Fifa - Reprodução/Twitter


 
Como você organizou o livro? Foi fácil ter acesso a documentos e fontes? Eu consegui ter acesso a alguns documentos judiciais, mas muitos não eram públicos. E eu tive que encontrar fontes dispostas a compartilhar informações que não eram públicas. De outra forma, eu não conseguiria entender o caso. Então isso deu muito trabalho.

Comecei a me envolver com o livro o início de 2016. Levei um ano para obter os documentos e acesso a fontes que realmente pudessem ajudar a acrescentar informações que outros não conseguiriam.

O livro será lançado no Brasil? A Globo Livros comprou os direitos de publicação do livro em 2015. É muito estranho, porque eles compraram, me pagaram, uma pessoa da Globo mostrou a meu agente o manuscrito em português, e era para ser publicado em maio, em junho, em julho, e nunca foi publicado.

Você cita a Globo no livro. Acha que isso atrapalhou a publicação? Recentemente meu agente ligou para um responsável da Globo Livros e eles disseram que meu livro menciona a Globo, mas não muito, só um pouco no final. Mas eles disseram que não querem publicar até o caso criminal ser encerrado. [A Folha procurou a Globo Livros em 20 de dezembro de 2018 e questionou a editora sobre as declarações de Bensinger e se havia uma previsão de publicação do livro no Brasil. A assessoria de imprensa informou que divulgaria uma nota sobre o caso —o que não ocorreu até a publicação desta reportagem.]

Você ficou surpreso com a extensão da corrupção? Sim, foi chocante. Eu não conseguia acreditar em toda a corrupção na Fifa e nos níveis que ela tinha chegado. Foi surpreendente. 

 
O que te deixou mais chocado? Não está muito no livro, mas uma das pessoas mais chocantes na coisa toda foi [o ex-presidente da CBF] Ricardo Teixeira. Ele fazia coisas muito ruins, ele se comportava como um criminoso vulgar e ganancioso. O tipo de pessoa que trairia qualquer um para se salvar. Ele era mal-intencionado. Assim como Julio Grondona, ex-presidente da AFA, na Argentina. Teixeira se comportava como um gângster e um ladrão, e Grondona se comportava como um mafioso. Eram praticamente personagens de filme. A forma como exigiam dinheiro das pessoas, intimidavam as pessoas, sua arrogância, esse tipo de coisa.

E nenhum dos dois foi preso. Teixeira tem uma história interessante. Ele deixou o Brasil em 2012, porque estava sendo investigado em Brasília por causa de uma possível fraude em um amistoso entre Brasil e Portugal em Brasília. Havia todo tipo de dinheiro público envolvido, estava claro que houve uma grande fraude em inflar os custos da coisa toda. E ele recebeu dinheiro do governo. Os promotores abriram um caso para investigar o que aconteceu, e ele deixou o Brasil e foi viver em Miami.

Em 2014, ele voltou ao Brasil, e deu sorte, porque, um ano depois, tudo aconteceu. O Brasil não extradita seus cidadãos, e então ele não foi pego. Ele continua no Brasil, acho que tem uns problemas no rim, mas continua no Brasil. Já Grondona morreu em julho de 2014.

Basicamente Teixeira conseguiu escapar. Eu não sei o que aconteceu com a investigação em Brasília [a Polícia Federal indiciou o ex-presidente da CBF em 2015, mas o caso não andou até hoje].

 
E sobre Marin? Ele estava na Suíça e foi extraditado aos EUA. Muitas pessoas decidiram cooperar, ele se recusou. 

Marin foi condenado a 48 meses, mas teve 13 meses de abatimento, pelo tempo que cumpriu na Suíça. Todo esse tempo foi cumprido. Ele poderia ter um desconto por bom comportamento, o jeito como se trabalha no tribunal federal é que não tem condicional. Se tiver bom comportamento, poderia ter redução de um sétimo na sentença. Ele serviria dois anos e meio.
 
E o que você acha dessa sentença? Acho que é importante, e a juíza falou isso, foi muito importante para mandar um recado. E ela falou isso nos comentários da sentença. Ela também disse que daria um tempo mais longo de prisão para ele pelos crimes que cometeu, e só não daria porque ele estava muito velho. Se ele fosse mais jovem, ele teria recebido uma sentença maior. Então essa foi a sorte dele.

 
Você acha que algo mudou na Fifa depois de tudo isso? A impressão que tenho é que as coisas não mudaram tanto. A Fifa fez algumas mudanças, mas não foram suficientes. A Fifa fez todo esforço para não ser processada, e disse isso no tribunal, que eles pagaram milhões de dólares a advogados para evitar um processo ou ser implicada. Ao mesmo tempo, o que surge da Suíça, da Conmebol e de outras partes da Fifa sugere que ainda há corrupção e que as pessoas que comandam a federação são os reis do mundo.
 
Qual o papel de Marco Polo Del Nero nisso? Ele está no Brasil, e não pode ser extraditado. Mas foi interessante. A Fifa, mesmo depois que ele foi indiciado, não fez nada. E era hilário, porque ele está em Zurique no dia das prisões, quando Marin foi preso. Eu acho que foi um erro da promotoria, eles deveriam ter acusado Del Nero no mesmo dia, mas só o acusaram seis meses depois. Então, quando prenderam Marin, a esposa dele ligou para Del Nero no quarto do hotel e pediu ajuda para o marido. Então ele fugiu, voltou para o Brasil, e nunca deixou o Brasil desde então. E tem a situação estranha de ele ainda ser presidente da CBF, mas não poder deixar o país, ir pra Fifa votar. Alguém tinha que ir votar por ele.

O presidente da Fifa era muito amigo dele, estava tudo ótimo. Durante o julgamento, quando mais evidências surgiram contra Marin e Del Nero, porque muitas evidências contra Marin também implicavam Del Nero, então tudo veio ao público pelos documentos, a Fifa suspendeu Del Nero. Mas todo mundo percebeu que a Fifa não fez nada contra ele, apesar do volume de evidências. E era uma situação embaraçosa.


Quais eram os mais corruptos, segundo os documentos? Teixeira era o mais corrupto. Grondona era muito corrupto, algumas pessoas que não vimos na corte também eram muito corruptas. Esses eram os oficiais, Grondona e Teixeira e Nicolás Leoz, ex-presidente da Conmebol. Mas não esqueça das pessoas da Concacaf, porque na América do Norte. Teve Jeffrey Webb, Chuck Blazer, Jack Warner. Todos muito corruptos. Então também teve as pessoas que pagavam as propinas. Na Argentina, Alejandro Burzaco [empresário]. No Brasil, J. Hawilla, que também morreu, e era extremamente corrupto.
 
E qual era o papel de Joseph Blatter? Ninguém sabe ao certo, ele foi investigado, mas ninguém sabe o que ele fazia. A sensação era que Blatter podia não ser diretamente corrupto, mas deixava as pessoas serem corruptas para se manter no poder, porque ele não queria ser tirado do poder.
 
E há evidências contra o novo presidente da Fifa, Gianni Infantino? Há uma investigação sobre ele, algumas investigações internas, mas nada aconteceu até agora. Nós vimos algumas coisas que ele fez, ele está fazendo o mesmo que Blatter para se proteger. Os dois que estavam à frente do comitê de ética, as duas pessoas, o juiz e o promotor que estavam investigando ele no comitê de ética da Fifa, ele demitiu e substituiu por outras pessoas. Eles revisaram o código de ética. Era para ser feito independentemente do presidente. Mas acabou sendo revelado que os responsáveis compartilharam com ele. Há um número de coisas que sugere que ele está se isolando de problemas.

 
Você foi ameaçado? Eu não recebi ameaças, só pessoas insatisfeitas com o fato de eu estar nesse projeto. Eu tive pessoas que tentaram me impedir de fazer, mas não uma ameaça. Pessoas se recusaram a ajudar ou tentaram interferir na minha reportagem, ou mentiram quando eu estava pesquisando. Mas não fui ameaçado.
 
O que você acha que deveria acontecer para que a corrupção não fosse mais um problema na Fifa? Eu acho que a Fifa tem um problema de transparência. A Fifa é alérgica à luz do sol, a abrir o que está fazendo. Vemos isso sempre. Eles deveriam aprender a compartilhar mais informação e ser mais abertos ao público. Eles são muito opostos a isso. Eles deveriam ser mais abertos.

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