Arábia Saudita usa esporte para tentar limpar imagem em meio a crise diplomática

País sediou grandes eventos esportivos em 2018 e busca repetir agenda este ano

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Neymar recebe de autoridade saudita o troféu pela conquista do torneio Superclásico, disputado no país contra a seleção local e com a presença da Argentina
Neymar recebe de autoridade saudita o troféu pela conquista do torneio Superclásico, disputado no país contra a seleção local e com a presença da Argentina - Waleed Ali/Reuters
São Paulo

O anúncio de que a disputa da Supercopa da Itália de 2019, marcada para o dia 16 deste mês, será na Arábia Saudita acendeu o alerta de autoridades internacionais e atores envolvidos na organização e transmissão do evento.

Nos últimos meses, o país está no olho do furacão em razão da morte do jornalista Jamal Khashoggi, colunista do jornal americano “Washington Post” e crítico do governo local, que foi assassinado em outubro no consulado saudita em Istambul, na Turquia.

Suspeita-se do envolvimento do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman no caso, que ainda não está totalmente esclarecido.

Em agosto, houve também um ataque aéreo de uma coalização liderada pela Arábia Saudita que matou 44 crianças no Iêmen.

Mas a Supercopa italiana não é o primeiro grande evento a enfrentar resistência da opinião pública, nem o primeiro espetáculo esportivo a angariar um generoso montante com sua realização em território saudita.

Quando a seleção brasileira foi ao Oriente Médio há dois meses para a disputa de dois amistosos, houve quem estranhasse a necessidade de, primeiro, ir tão longe para encarar a Argentina, e segundo, a relevância de enfrentar o selecionado local.

“Quando vejo a seleção brasileira aceitar jogar um amistoso na Arábia Saudita —por muito dinheiro, tenho certeza—, consigo entender por que milhões de brasileiros estão dispostos a votar em Bolsonaro”, criticou o ex-jogador francês Eric Cantona.

Para a equipe de Tite, a importância era mínima, mas não para o país árabe, que vem investindo pesado em grandes eventos esportivos para tentar mudar sua imagem conservadora perante o mundo.

Essa iniciativa faz parte de um plano amplo que recebeu o nome de Visão 2030, conjunto de reformas econômicas e sociais que as autoridades estão aplicando na Arábia Saudita.

Mais recentemente, neste mês de dezembro, a nação sediou pela primeira vez na história uma etapa da Fórmula E. O circuito de Riad abriu a temporada e tem contrato com o evento até 2028.

A Arábia Saudita, inclusive, tem poder de veto sobre outros países da região que queiram sediar uma corrida.

Ao menos no discurso, esse aumento do protagonismo saudita na importação de espetáculos esportivos não tem incomodado outros importantes atores da região, como os Emirados Árabes Unidos, que sediam pelo segundo ano consecutivo o Mundial de Clubes da Fifa.

“O fato de a Arábia Saudita sediar eventos de classe mundial nos ajudará a aumentar o número de grandes eventos na região e também o número de estrelas altamente reconhecidas do esporte”, afirmou em junho o diretor de marketing do Conselho de Esportes de Abu Dhabi, Ahmed Al-Qubaisi.

Marcado para 22 de dezembro, um jogo de exibição entre os tenistas Rafael Nadal e Novak Djokovic foi cancelado, segundo o sérvio, devido a uma lesão do colega espanhol.

A partida, acertada há um ano, sofreu pressão da Anistia Internacional, que condenou a participação dos dois atletas após o assassinato de Khashoggi.

Há quem, porém, defenda a ida desses acontecimentos ao Oriente Médio. Uma das vozes mais importantes nesse sentido partiu da lutadora Ronda Rousey, da WWE, a maior empresa do mundo de luta-livre, popularmente conhecido no Brasil como telecatch.

Só em 2018, a WWE organizou dois grandes eventos no país. Um em abril, na cidade de Jidá, e outro em novembro, em Riad. Ambos não tiveram a participação de mulheres no ringue, em razão das restrições religiosas e políticas da Arábia Saudita.

“Eu acho que é uma ótima forma de compartilharmos algo e nos entendermos. É uma grande oportunidade de ter gente da Arábia Saudita amando uma parte da cultura americana. Sim, as mulheres não podem competir no país agora, mas se o WWE realmente decolar na Arábia Saudita, eu realmente penso que eles estarão pedindo por mulheres em breve”, disse Ronda.

Em janeiro deste ano, mulheres foram autorizadas a comparecerem a jogos de futebol no estádio pela primeira vez. Em junho, o governo permitiu que elas pudessem dirigir veículos, também proibido por lei até então.

Torcedoras sauditas em jogo do Al-Ahli contra o Al-Batin pela liga nacional de futebol
Torcedoras sauditas em jogo do Al-Ahli contra o Al-Batin pela liga nacional de futebol - Stringer/AFP

Além dos amistosos do Brasil, das lutas da WWE e da etapa inaugural da Fórmula E, a Arábia Saudita sediou em 2018 a World Boxing Super Series, que reuniu os boxeadores britânicos Callum Smith e George Groves na final de supermédios do troféu Muhammad Ali.

Outro movimento de importação de expertise esportiva por parte dos sauditas ocorreu no ano passado. Presidente da Autoridade Geral de Esportes do país, o equivalente ao Ministérios dos Esportes local, Turki Al-Sheikh assinou um acordo com o ex-goleiro alemão Oliver Kahn para a construção de uma academia de goleiros no país.

Kahn, inclusive, participou da preparação dos goleiros sauditas antes da Copa do Mundo da Rússia.

Outro investimento do governo no selecionado de futebol local foi a compra de vagas para atletas locais em clubes da Espanha.

O acerto entre a federação saudita de futebol e a Liga espanhola levou nove jogadores emprestados a times da Espanha na janela de transferências de janeiro. O objetivo, segundo as duas partes, era desenvolver e promover o futebol, procurando também, é claro, subir o nível da seleção de olho no Mundial russo.

Para 2019, além da Supercopa Italiana, já há a confirmação do European Tour de golfe, que acontecerá entre os dias 31 de janeiro e 3 de fevereiro, em Jidá. Evento que também enfrenta críticas de fãs, que consideram controversa a realização do torneio em meio à crise diplomática que se instalou na Arábia Saudita.

“A etapa saudita está no nosso calendário e continuaremos monitorando, assim como fazemos como qualquer outro país. Nós ouvimos as críticas e continuaremos monitorando”, afirmou Keith Pelley, executivo-chefe do European Tour.

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