A lembrança mais valiosa que Hugo Sotil, 74, tem da sua carreira no futebol não é da Copa do Mundo de 1970, mas só se tornou possível por causa dela. Em um canto no seu guarda-roupa está um par de chuteiras. Foi presente do holandês Johan Cruyff.
"É uma das poucas coisas que guardo de quando joguei", ele afirma.
Ao lado do zagueiro Hector Chumpitaz e do também atacante Teofilo Cubillas, Sotil se tornou um dos nomes mais famosos do que ficou conhecida como a geração de ouro do Peru. A classificação para o Mundial aconteceu graças a um empate histórico na Bombonera, em Buenos Aires, que eliminou a Argentina.
A seleção obteve o sétimo lugar no México, a melhor campanha de sua história. Cinco anos depois, Sotil fez o gol do título da Copa América, a última vencida pela equipe.
A campanha na Copa do Mundo despertou o interesse dos europeus. Três anos depois dela, Sotil foi contratado pelo Barcelona, onde virou companheiro de Cruyff. Juntos, venceram o Campeonato Espanhol de 1974 e encerraram um jejum de 14 anos da equipe no torneio.
Um dos cartões de visita do futebol do país aconteceu em 14 de junho daquele ano, quando a seleção enfrentou o Brasil nas quartas de final da Copa. Os peruanos repetiram o mesmo que fizeram todos os adversários da equipe comandada por Zagallo naquele Mundial.
Em algum momento da partida, chegaram a acreditar ser possível não perder, mas sucumbiram. Nesse caso, por 4 a 2.
Sotil foi titular contra Marrocos (vitória por 3 a 0) e Alemanha (derrota por 3 a 1) na segunda e terceira rodadas da fase de grupos. Na estreia, ele entrou durante o segundo tempo no 3 a 2 obtido diante da Bulgária.
O técnico brasileiro Didi o considerava indisciplinado taticamente, e por isso o deixou no banco de reservas novamente nas quartas de final. O atacante foi um dos substitutos depois do intervalo. Ocupou o lugar do meia Julio Baylon quando o Brasil vencia por 3 a 1.
"Pouco depois da minha entrada, Cubillas marcou, e aquilo me deu esperança. Achei que era possível chegar ao empate e que tudo poderia mudar. Naquele momento, a partida estava equilibrada. O problema foi que Jairzinho marcou outro para o Brasil. Ficou muito difícil", recorda Sotil à Folha.
O gol de Cubillas aconteceu aos 25 minutos do segundo tempo. O otimismo peruano durou até os 30, quando o artilheiro brasileiro fechou o placar. Antes disso, Rivellino e Tostão (duas vezes) haviam anotado para o Brasil, e Gallardo, para a seleção que disputava a Copa do Mundo pela segunda vez.
Na primeira, em 1930, a equipe entrou como convidada e perdeu os dois jogos.
"Fizemos tudo o que podíamos contra o Brasil, mas aquela equipe era um fenômeno. A lembrança que eu tenho do jogo é de ataque o tempo todo, em um ritmo muito forte. A bola saiu pouco de campo. Creio que Brasil e Peru eram as equipes mais técnicas daquele Mundial", afirma o atacante.
Para Sotil, o time de 1970 foi o melhor que o Peru já teve. Ele acredita inclusive que poderia ter chegado mais longe no México se o adversário nas quartas de final fosse outro.
"Se não tivéssemos enfrentado o Brasil, iríamos mais longe ainda. Era a única seleção melhor que a nossa. Se não houvesse o Brasil, quem sabe poderíamos ter sido campeões?", projeta.
Mas havia. Quando Carlos Alberto Torres levantou a taça no estádio Azteca, após goleada por 4 a 1 diante da Itália, Sotil já estava de volta ao Deportivo Municipal, equipe que o revelou.
O atacante não aparenta ter ficado com uma sensação amarga pela derrota. Diz não haver nada que ele ou seus companheiros pudessem fazer em campo para mudar o resultado. Pelo contrário, até se considera sortudo.
"Eu fui profissionalizado em 1968, jogando na segunda divisão do Peru. Dois anos depois, entrei em campo e enfrentei Pelé", constata.
Ele não se queixa nem do tratamento injusto que considera ter recebido no Barcelona e que o fez voltar ao futebol peruano em 1977. Apesar de ter feito parte de uma equipe histórica na Catalunha, Sotil começou a ser deixado de lado no elenco meses depois do título espanhol, quando o técnico holandês Rinus Michels pediu a contratação do compatriota Johan Neeskens para a vaga que era dele.
Michels foi o técnico de Neeskens e Cruyff na seleção holandesa vice-campeã da Copa de 1974, com o esquema tático que ficou eternizado como "futebol total".
A partida em Guadalajara foi uma das 63 em que Sotil atuou pela seleção. Ele também esteve no elenco no Mundial de 1978, um ano antes de abandonar o esporte.
"Não posso reclamar de nada. Tive uma carreira boa. Joguei contra Pelé e ao lado de Cruyff. Não poderia pedir muito mais do que isso. Aquela seleção brasileira de 1970 foi a melhor da história das Copas e foi um privilégio estar em campo naquele dia", finaliza Sotil.
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