Descrição de chapéu Campeonato Brasileiro 2020

Flamengo se põe em risco, mas também capitaliza ao tentar reinar sozinho

Especialistas avaliam efeitos do isolamento do clube no cenário do futebol brasileiro

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São Paulo

Em reunião dos clubes da Série A do Campeonato Brasileiro em 2004, um dirigente de um grande clube de São Paulo saiu espantado com o pensamento que considerou pequeno dos cartolas do Flamengo. Questionou o que aconteceria quando o clube carioca tivesse um presidente que, nas suas palavras, "soubesse contar".

Quinze anos depois o Flamengo teve a maior arrecadação do futebol brasileiro (R$ 950 milhões) e montou o time mais valioso do país. Venceu Estadual, Brasileiro, Libertadores e perdeu para o Liverpool o Mundial de Clubes apenas na prorrogação.

Especialmente a partir do fim de 2019, o clube carioca começou também a se envolver em uma série de polêmicas extra-campo, nenhuma que tenha provocado tanta reação nos bastidores quanto a tentativa frustrada de adiar a partida contra o Palmeiras, no domingo (27), por causa de 19 casos de Covid no elenco.

Seus defensores viram nisso, e nas outras posturas assumidas pelo Flamengo recentemente, apenas a luta pela defesa dos interesses da agremiação. Mas presidentes de outros times da elite nacional ouvidos pela Folha consideraram que o ato mais recente correu o risco de paralisar o Campeonato Brasileiro.

Cartolas de dez equipes da elite reprovaram o comportamento rubro-negro. "O maior problema do futebol é quando um clube só pensa nele e em mais nada. Suspender um jogo é suspender o protocolo que todos toparam. Melhor paralisar o campeonato inteiro então", escreveu o presidente do Corinthians, Andrés Sanchez, em uma rede social.

O presidente do Flamengo, Rodolfo Landim
O presidente do Flamengo, Rodolfo Landim - Divulgação

Antes disso, o Flamengo foi também um dos clubes que mais insistiram na volta do futebol ainda em junho, paralisado desde meados de março em decorrência da pandemia. Retornou aos treinos mesmo quando não havia autorização das autoridades para isso.

Aliou-se ao presidente Jair Bolsonaro, especialmente na figura do seu mandatário Rodolfo Landim, no lançamento da medida provisória que altera as regras de direitos de transmissão e que ficou conhecida de cara como MP do Flamengo —depois virou MP do Mandante.

A partir disso, teve disputas judiciais com a Globo e atritos com o Fluminense relacionados às finais do Estadual do Rio.

Mais recentemente, ao lado da Ferj (Federação Estadual do Rio de Janeiro) e do prefeito Marcelo Crivella, tornou-se o maior defensor da volta do torcedor aos estádios durante a pandemia. Novamente, de acordo com o desejo de Bolsonaro e em conflito com outras equipes, que defendem o retorno só quando houver autorização de público em todas as cidades com jogos.

Especialistas ouvidos pela reportagem divergem sobre um possível desgaste mercadológico e de imagem que essas posições e o isolamento na esfera esportiva possa gerar com patrocinadores já existentes ou potenciais.

"É normal, quando um time está à frente dos demais, que chegue a um período de soberba. Já aconteceu com outros. O clube teria um problema de imagem se estivesse associado à violência ou má gestão. O Flamengo toca sua agenda e isso pode criar descontentamento nos demais, mas não vejo isso como desgaste", afirma o economista Cesar Grafietti, consultor de gestão e finanças do esporte.

O clube fechou em 2020 com o banco BRB (cujo maior acionista é o governo do Distrito Federal) para estampar a marca no uniforme por R$ 35 milhões anuais. Em 2019, os patrocínios renderam R$ 78 milhões, segundo o balanço financeiro do clube.

"Não há qualquer pesquisa que mostre um desgaste com o patrocinador. A imagem da entidade Flamengo é difícil de arranhar, o consumidor final não percebe isso. A não ser que seja algo que se prolongue por muito tempo", afirma Rafael Plastina, CEO da Sport Track, empresa que atua no mercado de inteligência e planejamento estratégico por meio do esporte.

Ele cita o exemplo da LG, que em 2001 negociava ser a patrocinadora do São Paulo, mas temia ser mal vista pelas outras torcidas. Pesquisa com 3.000 pessoas mostrou não haver relação entre a escolha do fabricante do aparelho eletrônico pelo consumidor e o time de preferência.

Benjamin Rosenthal, professor de marketing da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo, tem opinião diferente. "Estar alinhado com o governo [Bolsonaro] é um ativismo político que pode afastar muitas marcas. Em geral elas não querem ser associadas com entidades não liberais, pois temem uma pressão da sociedade civil, organizada —como as ONGs— ou o grande público."

Um dos presidentes de Série A do Brasileiro disse à Folha no último domingo (27) que o problema atual da diretoria do Flamengo é ser adepta em excesso da "Lei de Gerson". Fez referência a um comercial de cigarro dos anos 1980 com o meia Gerson, campeão mundial na Copa de 1970, que encerrava com a frase de que "brasileiro tem de levar vantagem em tudo".

O descontentamento com o Flamengo não é algo inédito no futebol brasileiro. Diretorias de São Paulo (na década passada), Palmeiras (nos anos 1990) e Corinthians (nos primeiros anos deste século) receberam críticas semelhantes. Mas nessas épocas as redes sociais não davam o tom do debate como hoje.

"A diretoria do Flamengo está olhando o conjunto do futebol e os outros atores como adversários, e não como entidades que são iguais e têm os mesmos interesses", diz Luiz Peres Neto, pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing).

"A lógica do esporte é considerar o outro igual a você. Hoje você precisa de mim, amanhã eu preciso de você. Eu preciso de você para ter jogo. O que o mundo paradoxalmente mostra é que, enquanto seguir essa lógica, não vai dar certo. O Flamengo é o exemplo de caminhar para o egoísmo. É uma metáfora do que a gente vive no Brasil", completa.

A Folha tentou contato com o presidente Rodolfo Landim e outros representantes da diretoria do Flamengo para tratar do assunto, mas não obteve resposta.

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