Descrição de chapéu The New York Times

Alpinista supera cabeça ensanguentada e faz história em paredão nos EUA

Emily Harrington é 1ª mulher a escalar o El Capitan, de mais de 900 m, em menos de 24 horas

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Marie Fazio
The New York Times

Com a cabeça ensanguentada e envolta em bandagens, e os cabelos loiros em um coque amarfanhado, Emily Harrington se içou por sobre a borda rochosa final do El Capitan, no Parque Nacional Yosemite, chegando ao topo numa noite límpida, depois de 21 horas, 13 minutos e 51 segundos de escalada.

Em sua quarta tentativa, na quarta-feira (4), Harrington se tornou a quarta pessoa e a primeira mulher a escalar o El Capitan em menos de 24 horas pela rota Golden Gate. Ela fez a escalada no estilo “free climbing”, se erguendo pela força das mãos e pés e recorrendo a cordas e outros equipamentos apenas como itens de segurança.

El Capitan, ou El Cap, é uma encosta de mais de 900 metros de altura que atrai milhares de alpinistas ao parque Yosemite, na Califórnia, a cada ano. Eles usualmente demoram de quatro a seis dias para chegar ao topo, usando uma grande variedade de rotas. Apenas alguns poucos atletas de elite –Harrington se tornou um deles– o fizeram em menos de um dia.

Harrington, 34, de Tahoe City, também na Califórnia, escolheu a rota Golden Gate, que é dividida em 42 seções, porque enfrentou dificuldades para completá-la em seus primeiros dias no esporte, quando começou a aprender a escalar os monólitos do Yosemite.

Durante uma escalada “free climb”, o alpinista completa uma seção e aguarda enquanto uma pessoa atada à ponta oposta da corda completa o trecho. Caso a pessoa não consiga, o alpinista retorna ao início da seção e começa de novo.

Enquanto Harrington escalava, ela diz que repetia um mantra: “Lento é liso, liso é rápido”.

“Era uma gigantesca representação de tudo por que trabalhei no alpinismo reduzido a um só dia”, ela disse em entrevista. “Muita coisa estava passando por minha cabeça, mas ao mesmo tempo eu sentia aquela confiança, lá no fundo, porque sabia que estava mais que pronta, mais preparada do que estive em qualquer outro momento da minha vida.”

Harrington, que começou a escalada à 1h30min, concluiu os dois terços iniciais da rota com Alex Honnold, cuja escalada do El Cap em “free climb”, sem cordas, foi registrada no documentário “Free Solo”. Os dois estavam ligados por uma corda –ela no topo, ele abaixo, e se moviam encosta acima como uma lagarta.

Para o terço final e mais difícil da ascensão, o namorado de Harrington, Adrian Ballinger, guia de montanhismo profissional que ela conheceu em uma escalada do Monte Everest, assumiu a posição de parceiro.

A ascensão correu tranquilamente até que ela tentou uma seção complicada, ao sol, perto do meio-dia da quarta-feira. Seus dedos estavam tão molhados de suor, disse Harrington, que ela preferiu descansar por 30 minutos e tentar de novo. Mas escorregou novamente, dessa vez batendo a cabeça na rocha, enquanto oscilava pendurada da corda. De repente, ela conta, “havia sangue para todo lado, escorrendo de minha cabeça”.

Ela recordou uma queda brutal sofrida no ano passado quando tentou a mesma escalada, um acidente que a levou ao hospital. Mas depois de se examinar e ver que tudo parecia em ordem, ela fez uma bandagem na cabeça e uma vez mais encarou a rocha.

“Parte de mim queria desistir e outra parte me dizia que eu tinha a obrigação de tentar de novo”, ela disse. “E aí fiz uma tentativa que foi como uma experiência paranormal, como se eu nem pudesse acreditar que ainda estava me segurando, ainda. E assim terminei aquele trecho.”

Imagem de arquivo do El Capitan, no Parque Nacional Yosemite, na Califórnia
Imagem de arquivo do El Capitan, no Parque Nacional Yosemite, na Califórnia - Mark Ralston - 3.jun.15/AFP

Harrington, que cresceu no Colorado, faz escaladas desde os 10 anos de idade. Ela foi cinco vezes campeão nacional de alpinismo esportivo dos Estados Unidos, e duas vezes campeã da América do Norte. Escalou o Everest e o Mont Blanc em 2012, e o Ama Dablam em 2013.

Escalar o El Capitan em modo “free climbing” ela disse, requer força, resistência, conhecimento técnico e condicionamento para suportar um dia de fadiga.

Não se sabe quantas pessoas conseguiram chegar ao topo do El Capitan em “free climbing” com tempo inferior a 24 horas, mas o American Alpine Club, uma organização de alpinismo, estima que no máximo 15 a 25 alpinistas tenham realizado a façanha. A primeira a fazê-lo foi Lynn Hill, cuja escalada do El Cap em 1994, pela rota Nose, é uma das mais famosas na história das escaladas.

Galgar o El Capitan ainda é “uma atividade dominada pelos homens, mesmo que Lynn tenha sido a primeira a realizar a façanha”, disse Harrington. “Sempre fui aconselhada por homens, pessoas que me diziam o que fazer, me diziam o que eu estava fazendo de errado, mas no final decidi tentar mesmo assim, apesar de muita gente acreditar que eu não seria capaz, ou que eu não merecia estar lá.”

Steph Davis, que em 2004 se tornou a segunda mulher a galgar El Capitan em “free climb” em menos de um dia, usando a rota Freerider, disse que Harrington havia conseguido algo de realmente notável.

“El Cap é tão grande que o esforço para galgá-lo em ‘free climb’ em um dia é enorme, e requer muito comprometimento, e muita técnica, sem mencionar o esforço que a tarefa exige”, ela disse. “Acho que é por isso que o intervalo entre as escaladas bem-sucedidas termina por ser tão grande.”

Pouco depois das 22h30min, depois de horas de incerteza e de desgaste físico e mental, Harrington usou suas mãos manchadas de giz para se erguer por sobre a beira da montanha, no topo, onde ela e Ballinger foram recebidos por alguns de seus melhores amigos. Eles abriram uma garrafa de champanhe e Harrington ligou para seus pais, antes de o grupo iniciar as duas horas de descida para a base.

“Quando você realiza alguma coisa no alpinismo, não há um estádio, não há um monte de gente assistindo pela TV”, ela disse. “Foi um momento muito íntimo, em um lugar muito especial.”

Tradução de Paulo Migliacci

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