Descrição de chapéu The New York Times tênis

Australian Open ofereceu lições valiosas sobre o esporte na pandemia

Torneio cumpriu sua missão, apesar de grandes desafios sanitários e muitas noites insones

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Matthew Futterman
Melbourne | The New York Times

Os organizadores do Australian Open queriam que sua complicada estratégia de segurança ensinasse importantes lições ao mundo do esporte na era da pandemia do coronavírus. Como realizar um grande torneio, com grande público, sem agravar os perigos para a saúde pública.

A tarefa foi realizada —uma coleção de torneios de tênis jogados ao longo de três semanas em uma grande cidade de um país que sacrificou muita coisa a fim de minimizar o número de contágios e mortes.

Mas à medida que o vírus fazia sentir sua presença, direta e indiretamente, o Australian Open teve de enfrentar dores de cabeça e complicações imprevistas, que devem servir de alerta para a próxima organização que decida levar adiante um grande evento esportivo internacional (alô, Olimpíada de Tóquio).

Reveses inesperados são inevitáveis e, se sua meta era fazer amigos, melhor esquecer.

Quando o Australian Open se encerrou no domingo, com Novak Djokovic conquistando seu nono título de simples no torneio, ficou claro que as dificuldades podem durar ainda muitos meses, ou quem sabe anos.

Craig Tiley, o presidente-executivo da Tennis Australia, a federação de tênis australiana, disse que os organizadores locais da Olimpíada de Tóquio entraram em contato com ele pedindo informações que possam ser usadas nos Jogos, cujo início está marcado para julho. “E minha resposta foi lhes desejar boa sorte”, disse Tiley.

Os problemas começaram antes mesmo de os participantes iniciarem suas viagens internacionais, já que os organizadores tiveram de batalhar para conseguir que eles chegassem à Austrália, depois de alguns cancelamentos tardios de voos fretados.

E quando os tenistas chegaram à Austrália, as restrições de quarentena foram ainda mais endurecidas para cerca de 25% dos atletas, durante duas semanas. Em seguida, veio um dia inesperado de isolamento e de testes de procedimentos de emergência, logo antes da abertura do torneio. E um lockdown que abarcou todo o estado, causado por contágios não relacionados ao torneio, impediu que os torcedores fossem ao Melbourne Park por cinco dias, uma decisão que custou muito caro aos organizadores em termos de bilheteria.

Em meio às mudanças de dinâmica, os envolvidos com o torneio tinham também a persistente preocupação de que talvez fosse preciso cancelar o evento, mesmo que o número de jogadores apanhados em exames de coronavírus fosse pequeno.

Foi esse o acordo que os organizadores fizeram com as autoridades do governo para que pudessem realizar o torneio sem colocar em risco a saúde pública, uma perspectiva que exigia proteção severa contra qualquer reintrodução do vírus na região de Melbourne, que emergiu de um lockdown de 111 dias no ano passado e tinha voltado a viver uma vida parecida com a que existia antes da pandemia.

A americana Jessica Pegula, que chegou às quartas de final nas simples femininas e cuja família é dona do Buffalo Bills, da NFL, e do Buffalo Sabres, da NHL, disse que o desafio e a complexidade para aqueles que organizam e competem em eventos mundiais é muito maior do que no caso de ligas nacionais ou da NHL, que tem times apenas no Canadá e nos Estados Unidos.

“No esporte internacional, é muito mais difícil, com a necessidade de viajar”, disse Pegula. “Cuidar de toda a logística de ir a outra bolha, descobrir onde preciso fazer meus exames três dias antes, onde apanho os resultados, garantir que eu passe por exame ao desembarcar."

Os organizadores estavam preparados para lidar com certos desdobramentos, como o de realizar jogos sem torcida na metade do torneio. Mas para outras dificuldades eles não estavam preparados de maneira alguma.

“Foi um ritmo massacrante”, disse Tiley, que virou noites sem dormir, falando sobre os problemas do dia a dia do torneio, enquanto assistia às semifinais femininas de um bunker sob a Rod Laver Atena, na semana passada. “Uma montanha russa desde o primeiro minuto."

Público pôde acompanhar o título de Novak Djokovic no domingo (21)
Público pôde acompanhar o título de Novak Djokovic no domingo (21) - Loren Elliott/Reuters

Representantes do governo impuseram um lockdown rigoroso a 72 tenistas que vieram em voos fretados que também transportavam 10 pessoas que foram identificadas como portadores do coronavírus ao pousar na Austrália.

As novas restrições significaram que os atletas, mesmo que continuassem a ser examinados e a não apresentar sinais do vírus, não poderiam sair de seus quartos de hotel por qualquer motivo, antes dos torneios preparatórios que antecederam o Australian Open. Alguns dos quartos tinham janelas que não podiam ser abertas, o que se tornou causa de irritação ainda maior para tenistas que não tinham o direito de sair de seus quartos por qualquer motivo.

Os organizadores tinham reservado 11 bicicletas ergométricas para o caso de alguns jogadores terem de passar por isolamento, mas, depois de obterem mais bicicletas para os jogadores que não podiam sair de seus quartos, eles receberam pedidos semelhantes dos demais atletas, porque os treinos estavam limitados a duas horas na quadra e a 90 minutos de academia por dia. Por isso, Tiley teve de sair em busca de centenas de bicicletas, esteiras de ioga, halteres e bolas de exercício.

Só uma jogadora foi apanhada como portadora do coronavírus, Paula Badosa, da Espanha, e os organizadores não puderam fazer muito por ela a não ser transferi-la a um hotel médico e mantê-la lá por 10 dias, sem equipamento de exercício.

Quando as quarentenas acabaram e os torneios de aquecimento começaram, um segurança do hotel em que a maioria dos jogadores estava hospedada foi apanhado em um exame de coronavírus. As autoridades de saúde ordenaram que mais de 500 pessoas que estavam hospedadas lá, entre as quais diversos tenistas, passassem por novos exames e ficassem em seus quartos por um dia inteiro. O início do Australian Open estava a apenas cinco dias de distância, e ninguém sabia o que poderia acontecer caso mais alguém fosse apanhado em um exame. Felizmente isso não aconteceu.

Mas cinco dias depois de iniciado o torneio, um pequeno surto na região de Melbourne levou as autoridades de saúde a colocar todo o estado de Victoria em lockdown por cinco dias. O torneio foi autorizado a continuar, mas sem espectadores.

Tiley disse que isso custou até US$ 25 milhões (R$ 136 milhões) à Tennis Australia em receita com a venda de ingressos, dinheiro de que a organização precisava desesperadamente porque a lotação já estava limitada a 50% da capacidade das arquibancadas e o torneio teve muitas despesas adicionais neste ano. A cada dia em que torcedores não podiam ser admitidos, mais coberturas de lona com o logotipo do Australian Open apareciam na Rod Laver Arena. Trabalhadores corriam para instalá-las assim que os fabricantes entregavam o produto, para fazer com que o torneio parecesse menos triste na televisão.

Partida semifinal entre Novak Djokovic e Aslan Karatsev em Melbourne
Partida semifinal entre Novak Djokovic e Aslan Karatsev em Melbourne - Kelly Defina - 18.fev.21/Reuters

Em seguida vieram as lesões de diversos dos principais atletas, especialmente do lado masculino —Djokovic e Alexander Zverev jogaram as quartas de final com as costelas enfaixadas. Grigor Dimitrov deu um mau jeito nas costas durante sua partida das quartas. Matteo Berrettini, da Itália, o cabeça de chave número nove, não conseguiu entrar em quadra em sua partida das oitavas contra Stefanos Tsitsipas, da Grécia. Alguns tenistas atribuíram suas lesões à quarentena e ao treino limitado.

“Quero compreender que cara a continuação da temporada vai ter depois da Austrália, porque a situação certamente não é boa para os jogadores em termos de bem-estar”, disse Djokovic.

O problema é que aquilo que é bom para os atletas, que se beneficiam de rotina, treino regular e normalidade, pode não ser bom para qualquer outra categoria, e encontrar um equilíbrio que satisfaça a todos será um grande desafio até que a Covid-19 deixe de ser a ameaça que se tornou.

Uma organização que tinha um plano aparentemente infalível para manter todo mundo em segurança teve de improvisar muito para atingir a linha de chegada. Tiley disse que valeu a pena, porque ninguém pode afirmar com certeza como estarão as coisas dentro de um ano. Os desafios e a necessidade de se ajustar rapidamente continuarão a acompanhar a todos, no esporte, por ainda um bom tempo.

“Você pode escolher jogar, suportando o que tiver de suportar, ou ficar em casa e treinar, e é só isso”, disse Dimitrov, em um momento filosófico. “Todos sabemos o que está acontecendo no mundo, todos sabemos o que está acontecendo em cada país. É duro. É muito desconfortável. Torna a vida difícil para muitos, não só para nós como atletas mas para as pessoas de todo o mundo”.

Tradução de Paulo Migliacci

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.