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Coronavírus Copa América

Bolsonaro dobra aposta contra as ruas com Copa América no Brasil

Se ideia for em frente, presidente conta com o vírus contra fantasma dos atos na Copa das Confederações de 2013

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São Paulo

Em junho de 2013, o Brasil estava em convulsão social devido aos protestos de rua que irromperam devido a tarifas de transporte público e ganharam corpo inédito na história do país.

No dia 15 daquele mês, começava o evento-teste do Mundial do ano seguinte, a Copa das Confederações. A pororoca de insatisfações foi inevitável, com protestos em torno dos gastos exorbitantes do governo Dilma Rousseff (PT) com a infraestrutura de estádios para os dois torneios.

O presidente Bolsonaro durante a premiação na final da Copa América de 2019, no Maracanã
O presidente Bolsonaro durante a premiação na final da Copa América de 2019, no Maracanã - Francisco Cañedo - 7.jul.2019/Xinhua

Nas contas dos próprios organizadores, foram 864 mil pessoas nas ruas em atos registrados nas seis sedes. Dentro de campo, deu tudo certo e a brilhante vitória do Brasil sobre a Espanha na final alimentou por um ano as ilusões enterradas no 7 a 1, mas a marca nas ruas ficou.

Aquele junho tirou quase 30 pontos de aprovação da então popular Dilma, que até se reelegeu no aperto no ano seguinte, só para acabar impedida em 2016.

Jair Bolsonaro se mostra pouco supersticioso com sua intempestiva e populista decisão de abraçar a Copa América deixada na sarjeta pela crise política colombiana e pela pandemia na Argentina.

Afinal de contas, mal se passaram 48 horas desde que dezenas de milhares de manifestantes contrários ao governo enfim decidiram ir à rua contra Bolsonaro, mesmo arriscando aglomerações e perder a superioridade moral ao falar sobre estímulo a contágio.

Enviesado à esquerda, o ato do sábado (29) assustou o governo e gerou reações confusas por parte dos aliados. Sobrou a Bolsonaro fazer piadinha, mas o sinal amarelo acendeu.

O presidente parece contar novamente com o Sars-CoV-2, desta vez para restringir o potencial de protestos em torno de estádios presumivelmente vazios durante o torneio continental.

Isso se a ideia não foi jogada fora, como sugeriu o Planalto ao ver a má repercussão da ideia no fim da tarde de segunda (31), o que deixará a emenda tão ruim quanto o soneto.

Que sejam especuladas sedes em estados de aliados, como o Rio Grande do Norte do ministro Fábio Faria (Comunicações), ou em palcos de tragédias sanitárias como Manaus, isso apenas mostra o grau de escárnio com que o tema parece estar sendo tratado.

Faria, aliás, poderá ganhar um convite para falar à CPI da Covid, dado seu histórico de negociações com o presidente da CBF, Rogério Caboclo —que já garantiu o seu ingresso no Senado.

No ano passado, foi no ministério de Faria que tramitou a surpreendente transmissão pela estatal TV Brasil de um jogo da seleção contra o Peru, inserido no contexto de conflito eterno de Bolsonaro com a Rede Globo, que por sua vez andou à turras com a cartolagem.

Não há registro, contudo, de que ele tenha participado da articulação para a importação da Copa América.

Do ponto de vista político, Bolsonaro dobra a aposta na provocação contra seus opositores.

Se sob a ótica da saúde talvez a copa seja exequível dado que a situação epidemiológica brasileira não difere tanto da dos vizinhos, ela parece mais uma demonstração de força populista ante as ruas do sábado.

Um pouco mais de circo em meio à catástrofe da Covid-19, por assim dizer. Vai agradar à base bolsonarista que adotou as camisas da CBF como símbolo há tempos, mas a sensação de engodo poderá ampliar o círculo dos descontentes.

Esse será o problema para Bolsonaro: a eventualidade de o barulho real das ruas acabar sendo mais audível do que as inconvincentes gravações metálicas de torcidas inexistentes nos alto-falantes de estádios vazios.

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