Descrição de chapéu The New York Times

Morta aos 83, tricampeã olímpica da União Soviética teve gênero questionado

Tamara Press se aposentou após sair de torneio que exigia comprovação de sexo

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Richard Sandomir
The New York Times

Tamara Press, uma arremessadora de peso e lançadora de disco dominante na era soviética, ganhadora de três medalhas de ouro olímpicas na década de 1960, mas também alvo de especulações quanto ao seu gênero por conta de seu físico, morreu em 26 de abril, aos 83 anos.

A morte de Press foi anunciada pelo Ministério do Esporte da Rússia, que não especificou o local em que ela morreu e não mencionou a causa.

Press, que tinha 1,80 metro de altura e pesava 102 quilos, começou a atrair atenção internacional em 1958, quando conquistou a medalha de ouro no lançamento de disco e o bronze no arremesso de peso no Campeonato Europeu de Atletismo, em Estocolmo.

A atleta soviética Tamara Press durante campeonato de atletismo em Londres
A atleta soviética Tamara Press durante campeonato de atletismo em Londres - 27.jun.66/RusAF

Novos sucessos viriam. Na Olimpíada de Roma, em 1960, ela ficou com a medalha de ouro no arremesso de peso e com a prata no lançamento de disco. Quatro anos mais tarde, nos Jogos Olímpicos de Tóquio, ela conquistou ouro nas duas modalidades e estabeleceu recordes olímpicos para ambas.

Mas Press e sua irmã, Irina –que conquistou o ouro nos 80 metros com barreiras em Roma e no pentatlo em Tóquio– tiveram mais do que glória, em suas carreiras no atletismo.

Ouviram epítetos cruéis sobre seu tamanho, alguns dos quais de jornalistas esportivos que compararam Tamara a um “tackle” [uma posição de bloqueio no futebol americano]. Ela e Irina às vezes eram chamadas de “os irmãos Press”.

“Sou campeã, mas é perceptível que sou mulher”, disse Tamara à Associated Press em 1964. “O fato de que uma garota seja esportista nada tem a ver com a feminilidade.”

Décadas mais tarde, continua a existir um debate contencioso no atletismo quanto à elegibilidade de atletas intersexuais –aqueles que nascem com características sexuais que não se enquadram nas descrições binárias de homem e mulher.

Caster Semenya, duas vezes campeã olímpica dos 800 metros, vêm contestando, até agora sem sucesso, as regras adotadas pela World Athletics, a organização que governa o atletismo mundial. As regras requerem que atletas intersexuais que se identificam como mulheres se mediquem de forma a suprimir seu nível natural de testosterona para um patamar inferior ao dos homens, se desejam ser autorizadas a competir em provas femininas nas categorias dos 400 metros à milha (1.600 metros).

A World Athletics admitiu que as restrições são discriminatórias, mas diz que ainda assim são necessárias para garantir que as competições sejam niveladas. Críticos como a Associação Mundial de Medicina e o Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos classificaram as regras como desnecessárias e humilhantes.

Em 1966, quando Press tinha 29 anos, sua carreira (e a de sua irmã) chegou praticamente ao fim quando elas decidiram se retirar do Campeonato Europeu de Atletismo, em Budapeste.

Não se sabe por que Press decidiu se retirar. Caso tivesse usado anabolizantes a fim de ganhar força, massa e resistência, isso poderia ter despertado suspeitas, mas ela corria baixo risco de detecção, porque na época os exames antidoping estavam na infância.

Se ela era intersexual, Press pode ter temido detecção por um novo exame instituído no campeonato de atletismo: a chamada “parada nua”, que requeria que as atletas aparecessem diante de uma comissão médica que determinaria sua elegibilidade.

“Havia algo de diferente nas irmãs Press”, disse John Hoberman, historiador do doping no esporte e autor de “Testosterone Dreams: Rejuvenation, Aphrodisia, Doping” (2005). Ele acrescentou que “não estava fora de questão” que as duas coisas fossem verdade: que as irmãs eram intersexuais e que usassem anabolizantes.

Tudo que os dirigentes esportivos soviéticos disseram sobre a ausência das irmãs no campeonato é que elas tinham decidido ficar em casa para tomar conta da mãe doente.

Tamara Natanovna Press nasceu em 10 de maio de 1937 em Kharkov, Ucrânia, e viveu lá até que sua família foi evacuada para Samarcanda, no Uzbequistão, no começo da Segunda Guerra Mundial. O pai dela era parte das forças armadas soviéticas e foi morto em combate em 1942. Aos 18 anos, Tamara se mudou para Leningrado para treinar sob a orientação de Viktor Aleksyev, um renomado treinador de atletismo.

Entre 1959 e 1965, ela estabeleceu 11 recordes mundiais, entre os quais suas melhores marcas pessoais: 18,59 metros no arremesso de peso e 59,70 metros no lançamento de disco.

Depois da decisão das irmãs Press de não competir no campeonato europeu em Budapeste, Tamara Press se manteve ativa até 1967. Em uma de suas últimas competições, a “espartaquíada” de Moscou, um campeonato soviético que não requeria exame de gênero, ela venceu no arremesso de peso. Press deixou o esporte naquele ano.

Nos anos posteriores ao seu abandono das competições, Press trabalhou como engenheira e treinadora. Em 1996, ela foi parte da campanha que ajudou a reeleger Bóris Ieltsin como presidente da Rússia. Press foi vice-presidente do Fundo de Cultura Física e Saúde, uma organização assistencial que ajuda atletas russos promissores, e escreveu diversos livros, entre os quais “O Preço da Vitória”.

Em 2012, o presidente russo Vladimir Putin cumprimentou Press por seu 75º aniversário, afirmando em declaração que “você conquistou o respeito de seus adversários e o amor de milhões de torcedores”.

Não há informações imediatamente disponíveis sobre os familiares sobreviventes de Press. Sua irmã morreu em 2004.

Em 1996, em uma entrevista concedida durante a Olimpíada de Atlanta, Press disse ao jornal The Christian Science Monitor que seu sucesso nos Jogos de 1960 e 1964 havia sido “uma vitória para o nosso país”, mas acrescentou: “Já o comunismo é outra questão”.

E ela recordou que seu nível de concentração era tão intenso, na Olimpíada de Tóquio, que, em determinado momento, nem percebeu que uma das rivais havia derrubado um peso em sua coxa.

“A tensão era tão grande que nem percebi”, ela disse. “Depois da prova, eu vi aquela mancha preta em minha perna e fiquei tentando imaginar o que era.”

Tradução de Paulo Migliacci

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