Descrição de chapéu The New York Times

Salto de Kevin Garnett da escola para o basquete profissional mudou NBA

Trajetória de lenda do basquete abriu portas para Kobe Bryant e LeBron James

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Sopan Deb
The New York Times

A NBA perdeu a vergonha?”, escreveu um colunista do jornal Dallas Morning News, em 1995, sobre a perspectiva de Kevin Garnett saltar diretamente de sua escola de segundo grau para o basquete profissional.

Dias mais tarde, um colunista do The Washington Post se pronunciou. “Se Kevin Garnett terminar trocando a infância pela NBA sem passar primeiro por uma universidade, muitos dos adultos que afirmam estar defendendo seus interesses terão fracassado em fazê-lo”. O mesmo colunista acrescentou que “o garoto não está preparado fisicamente para jogar no garrafão da [conferência universitária] Big Ten, quanto mais contra Hakeem Olajuwon e David Robinson”.

“É ultrajante”, disse Marty Blake, um olheiro veterano da NBA, ao The New York Daily News.

Kevin Garnett em ação pelo Boston Celtics salta para marcar ponto
Kevin Garnett em ação pelo Boston Celtics - Andrew Innerarity - 5.jun.12/Reuters

É difícil imaginar a situação, hoje, mas antes que Garnett fosse selecionado pelo Minnesota Timberwolves como a quinta escolha no draft da NBA de 1995, ele era encarado por muitos –incluindo o The New York Times– com imenso ceticismo. A crença dominante era a de que um adolescente não seria capaz de se adaptar aos rigores do basquete profissional. Um colunista do jornal Detroit News menosprezou até os rumores de que Garnett estava interessado em jogar pela Universidade do Michigan, afirmando que “Michigan não precisa da imensa dor de cabeça que Garnett causaria. Lamento. Mas é fácil perceber isso”.

Todos sabemos o que aconteceu a seguir. Garnett foi titular na NBA por mais de duas décadas e se aposentou em 2016 como um dos maiores jogadores da história do basquete. Ele foi selecionado para 15 All-Star Games, o primeiro dos quais em seu segundo ano na liga. Conquistou o prêmio de MVP da temporada 2004 e foi considerado o melhor jogador de defesa do ano na temporada 2008. E no ano passado, Garnett foi selecionado para o Hall da Fama do basquete, em companhia do jornalista Michael Wilbon, hoje na ESPN, mas que trabalhava no The Washington Post em 1995. quando escreveu aquela coluna afirmando que Garnett não estava pronto para a NBA.

Em uma entrevista, Wilbon declarou que Garnett “foi um dos maiores jogadores dos últimos 25 anos”, mas também disse que ainda acreditava que teria sido melhor para Garnett fazer uma universidade. Wilbon disse que ainda acha que existem pessoas demais que dizem que “a educação é um obstáculo para o sucesso”.

“Não estou afirmando isso contra Kevin ou Kobe [Bryant]”, ele disse. “Estou falando do sistema”. Wilbon acrescentou mais tarde que “vejo o que coisas como essas fizeram aos americanos negros, e a todos aqueles garotos que acreditam que vão se tornar jogadores profissionais de basquete aos 18 ou 19 anos, mas isso acaba não acontecendo”.

Ao longo de sua carreira, Garnett provou que aqueles que duvidavam dele antes do draft estavam errados, e também colocou em questão a teoria então dominante sobre como deveria jogar um sujeito com mais de 2,10 metros de altura.

Kareem Abdul-Jabbar, que estava entre os críticos iniciais de Garnett e certa vez declarou ao jornal The Hartford Courant que Garnett “vai sofrer uma desilusão amarga”, agora o descreve como “uma ameaça constante no ataque e um grande reboteiro e defensor”.

“Ele tinha a capacidade de jogar e de liderar nos dois extremos da quadra”, disse Abdul-Jabbar. “E foi assim de sua estreia até sua aposentadoria. É por isso que considero que Kevin merece estar no Hall da Fama.”

Kevin Garnett discursa, observado por Isiah Thomas, no dia de sua entrada para o Hall da Fama do basquete dos EUA
Kevin Garnett discursa, observado por Isiah Thomas, no dia de sua entrada para o Hall da Fama do basquete dos EUA - Maddie Meye - 15.mai.21/AFP

O impacto de Garnett sobre a liga foi bem além de suas realizações em quadra. Ele demonstrou que um jovem de 19 anos poderia prosperar na NBA e influenciou o pensamento de olheiros e executivos –e provavelmente facilitou a transição de outros jogadores selecionados imediatamente depois de concluírem o segundo grau, como Bryant (1996) e LeBron James (2003). “Ele abriu caminho para muitos jogadores”, disse Thon Maker, pivô que está em seu quinto ano na NBA e jogou pela Cleveland Cavaliers nesta temporada. Ele já treinou com Garnett. “A primeira coisa que muitos dos jogadores de força jovens da liga, como eu, aprenderam com ele é ignorar o ruído e permitir que seu basquete fale por você”.

Garnett se tornou um dos candidatos mais cobiçados a uma vaga na NBA ainda no segundo grau, depois de defender por três anos a Mauldin High School, na Carolina do Sul, e de jogar pela Farragut High School, de Chicago, em seu ano final de escola. Ele foi comparado a jogadores como Shaquille O’Neal e Abdul-Jabbar, a Bill Walton e a Shawn Bradley. Sua massa muscular –ele pesava por volta de cem quilos, o que é pouco para os padrões da posição– tornava difícil avaliá-lo, assim como a raridade de contratações diretas de estudantes de segundo grau por times da NBA.

Um desses foi Mose Malone, selecionado em 1974 depois de estudar na Petersburg High School, da Virgínia, para jogar na ABA, uma liga rival da NBA. Malone, como Garnett, teria uma carreira que o levou ao Hall da Fama, e de certa maneira a chegada de Garnett representou uma passagem do bastão. A temporada final de Malone foi no ano anterior à primeira de Garnett.

“Garnett tem mais técnica que Moses, mas ele não dá o sangue em quadra todas as noites”, disse Tom Konchalski, um olheiro da NBA que morreu este ano, ao jornal Chicago Sun-Times, em 1995. “Há noites em que ele não parece interessado no jogo. Emocionalmente, não está preparado para o estilo de vida da NBA. Ele ainda é um garoto. Moses já era homem.”

Também houve Bill Willoughby, que passou por seis times como jogador de segunda linha, durante oito temporadas, de 1975 a 1984. Ele tinha problemas no jogo de transição e perdeu boa parte do dinheiro que ganhou com o basquete. (Willoughby ligou para Garnett para lhe oferecer conselhos, quando Garnett estava decidindo se jogaria na liga.) Darryl Dawkins teve uma carreira produtiva de 1975 a 1989, depois de ser escolhido em quinto lugar no draft. Tanto Dawkins quanto Willoughby foram selecionados para a NBA aproveitando uma cláusula que permitia que jogadores não universitários fossem selecionados no draft caso tivessem problemas financeiros.

Shawn Kemp se matriculou na Universidade do Kentucky, mas saiu sem chegar a jogar, e em lugar disso fez uma breve passagem por uma faculdade técnica. Ele tampouco jogou lá, antes de se tornar o 17º escolhido no draft de 1989, selecionado pelo Seattle SuperSonics.

Houve um lado negativo no brilhantismo de Garnett: seus triunfos imediatos na NBA estabeleceram um padrão que poucos jogadores egressos do segundo grau seriam capazes de cumprir. No seu primeiro ano na liga, ele estabeleceu médias produtivas de 10,4 pontos e 6,3 rebotes e começou cerca de metade dos jogos do Timberwolves como titular.

“O legado dele é o de um dos maiores jogadores da liga, um dos maiores jogadores defensivos e ofensivos”, disse Danny Ainge, presidente de operações de basquete do Boston Celtics. Ainge adquiriu Garnett em uma troca em 2007, revitalizando seu time e ajudando-o a conquistar seu primeiro título em mais de 20 anos.

Garnett era, disse Ainge, “um cara que só pensava em vencer e dava toda sua energia em quadra, noite após noite. O melhor colega de time que alguém poderia ter”.

Antes de chegar à NBA, Leon Powe, que foi parte do time campeão do Celtics em 2007/08, jogava por um time chamado Oakland Soldiers na AAU, uma liga de esportes amadores americana, em companhia de Kendrick Perkins, que viria a ser seu colega no Celtics, e de LeBron James.

“LeBron, Kendrick e eu, todos nós, queríamos chegar à liga direto da escola”, disse Powe. “Especialmente porque sabíamos o que aconteceu com Kobe, KG, todos aqueles que vieram antes de nós. Era uma inspiração”.

Como James, Perkins fez a transição em 2003. Ele foi selecionado já no final da primeira rodada do draft, e jogou na NBA por 14 anos. Se não fosse uma lesão que sofreu, Powe poderia ter conseguido o mesmo, ele diz. Mas o jogador por fim estudou na Universidade da Califórnia em Berkeley.

O número de jogadores vindos do segundo grau que não cumpriram as expectativas que existiam sobre eles na NBA é ainda maior –Kwame Brown e Sebastian Telfair são apenas dois exemplos. O resultado foi a adoção de uma regra na metade da década de 2000 segundo a qual um jogador precisava ter deixado o segundo grau há pelo menos um ano para que pudesse ser selecionado para a NBA. O último jogador de segundo grau selecionado diretamente no draft da NBA foi Amir Johnson, em 2005.

Mas a batalha por revogar a regra vem crescendo, a cada temporada. Em 2019, o comissário da NBA, Adam Silver, disse que ela provavelmente seria abandonada dentro de alguns anos, e em março ele informou a jornalistas que a questão seria discutida como parte da negociação de um novo contrato coletivo de trabalho entre a liga e os jogadores. Por isso, em breve veremos de novo a busca ansiosa por um novo Garnett, um talento de alcance mundial capaz de 15 anos de grandeza em quadra. O obstáculo continua a ser difícil de superar, mas, como Garnett mesmo disse, “qualquer coisa é possível”.

Tradução de Paulo Migliacci

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