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Afastamento de Caboclo e pacto pelo futebol são soluções para crise na CBF, diz Feldman

Ex-secretário-geral nega que diretoria tenha sido complacente com dirigente em caso de assédio

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Paulo Vinicius Coelho
Rio de Janeiro

Walter Feldman assumiu a secretaria-geral da CBF em 2015, em meio a uma grande crise institucional da entidade que rege o futebol brasileiro, com o estouro do escândalo Fifagate. Neste mês, deixou o cargo durante nova turbulência nas estruturas do prédio da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro.

Para ele, o momento atual é mais delicado do que o de quando entrou, depois da prisão de José Maria Marin, porque o problema agora foi causado por um desvio de comportamento do presidente Rogério Caboclo, acusado de assédio sexual e moral por uma funcionária. “[O problema] foi por dentro.”

Antes da conversa, Feldman fez questão de colocar três premissas: diz não ser candidato a nada e que está se afastando da estrutura de organização do futebol para sempre; que não tem mágoa e entende perfeitamente os jogos do poder; que sai com a consciência de ter feito tudo o que era possível no tempo oferecido e ter participado da melhora do futebol.

O ex-secretário da CBF também deu detalhes do problema no vestiário entre Caboclo e os jogadores antes do jogo pelas Eliminatórias contra o Equador, em Porto Alegre, e sugeriu um "Pacto pelo Futebol" para contornar a crise na instituição que controla o esporte no país.

Walter Feldman vê a CBF em sua pior crise, porque desta vez o problema "foi por dentro" - Lucas Figueiredo - 22.abr.19/CBF

Por que o senhor saiu da CBF? Estou na política há 40 anos. Comecei em 1974, como presidente do Centro Acadêmico da minha universidade. Fui vereador, deputado estadual, presidente da Assembleia, deputado federal, secretário das subprefeituras, secretário de esportes. Vivi intensamente a política brasileira na ditadura, na transição e na democracia instalada. Os jogos do poder são muito complexos e, muitas vezes, extrapolam o jogo do cidadão. Na minha avaliação, o que aconteceu foi que esta gestão mudou a cara da CBF do passado. Introduziu governança, compliance, ética, equilíbrio financeiro e contábil.

Quando Rogério Caboclo sai, assume Antônio Carlos Nunes, presidente de plantão, e o conjunto de vice-presidentes. Junto com essa crise profunda, veio uma demanda dos clubes da Série A, com reivindicações muito expressivas [a criação de uma liga independente, por exemplo]. A posição de alguns vice-presidentes era a de que a reunião seria inoportuna, pois na na fragilidade da interinidade, qualquer demanda seria difícil de ser respondida. Os clubes insistiram para que mesmo assim a reunião ocorresse na sede da entidade, o que eu apoiava. O vice-presidente Gustavo Feijó [AL], incomodado, caracterizou minha insistência como uma representação dos clubes dentro da CBF e solicitou a minha exoneração. Dizia também representar federações, de visão conservadora, preocupadas com [uma possível] perda de força.

Gustavo Feijó trabalha em conjunto com o ex-presidente Marco Polo Del Nero? Não falarei sobre Marco Polo.

Por quê? Porque essa é uma história que, na minha avaliação, está resolvida pela decisão da Fifa. Nesta conversa, pretendo dizer tudo o que eu sei, não o que não sei. Rogério Caboclo cita Marco Polo numa manifestação recente. Quem pode dizer isso é ele.

Mas o senhor chegou à CBF convidado por Marco Polo Del Nero... Sim. Fui convidado pelo Marco Polo, porque eu era secretário de esportes de São Paulo. Fizemos um trabalho muito bom na área do futebol amador. Em 2014, saí da campanha da Marina Silva. Marco Polo, então, me sugeriu vir à CBF para assumir o cargo de secretário-geral. Depois, continuei com Rogério Caboclo. Presidi o comitê de reformas, na abertura do debate sobre as mudanças do futebol do Brasil.

O senhor entende que Rogério Caboclo foi a sequência da gestão de Marco Polo? Marco Polo entendia que deveria haver mudanças na estrutura do futebol após o episódio Fifagate. Ele colaborou na construção do novo estatuto, na formulação da comissão de ética e deu carta branca ao Rogério Caboclo, para que fizesse as mudanças, que geraram uma CBF mais moderna, mais equilibrada financeiramente e que pudesse se comparar às melhores empresas do país. Portanto, não impediu que essa modernização acontecesse, e sim [permitiu] que continuasse.

Marco Polo Del Nero ainda é figura decisiva na CBF - Nelson Almeida 3.mar.17/AFP

O senhor e a diretoria da CBF foram complacentes com o caso de assédio sexual de que Caboclo é acusado? Não. Não houve complacência e considero injusto não entender como o caso aconteceu. O Rogério teve uma gestão de muita qualidade, com sua diretoria altamente profissional, até seis meses atrás. Foi quando o capitão do time tentou acumular as funções de técnico e jogador principal. Tornou-se mais autoritário, mais distante da diretoria e começou a ter um comportamento que não combinava com o Rogério do passado. Houve distanciamento com a diretoria, e adotou medidas que não correspondiam com os cinco anos anteriores. Quando apareceram os boatos de assédio, começamos a discutir isso, como a imprensa o fez.

Todos diziam que havia uma fita. Eu nunca tive acesso a ela. Ao mesmo tempo, era a funcionária, e só ela, que tinha o direito de julgar o momento de apresentação da denúncia. Vivemos dois ou três meses na expectativa de que algo ocorresse. Não houve nem conivência, nem cumplicidade. Tentamos descobrir e respeitamos a decisão da funcionária. Não poderíamos fazer a denúncia antes da apresentação da materialidade dos fatos.

Como se deu a ruptura? Quando Rogério vai à Granja Comary conversar com os jogadores. O doutor Jorge Pagura e eu fomos juntos. Rogério Caboclo criou uma desinteligência com a seleção brasileira. Os jogadores e a comissão técnica criticam a Copa América, e há um claro afastamento da comissão e do presidente. Torna-se uma situação dramática, quando a CBF se distancia de sua atividade central, que é dar as condições administrativas, financeiras e psicológicas à atividade da seleção.

Os jogadores o perceberam alterado? Não sei, mas a situação se radicaliza em Porto Alegre, quando o presidente decide ir ao vestiário antes do início da partida. É este o momento do rompimento. Cafu alertou para que não fosse, pois atrapalharia o foco da seleção. Rompeu nesse instante com um princípio básico, e esse foi o início da nossa discussão. Eu disse a ele que era inaceitável, que ele não era o dono da CBF e que nós da diretoria trabalharíamos pelo seu afastamento.

Caboclo pretendia demitir Tite? Não creio que demitiria o Tite, o que seria dramático para a seleção. Sempre sua tese era a de que Tite precisava do tempo de uma Copa do Mundo para outra. Que era nossa estratégia de vencer o Mundial. Apesar da crise, acho que não chegaria ao ponto de demitir o treinador.

Há depoimentos de que o senhor o amparou na saída da CBF, depois de uma tentativa de comprar o avião. O senhor não sabia da compra? Há muito tempo ele vinha falando que seria bom haver uma troca de avião. Mas nunca trabalhei nisso. Quem participou foram outras diretorias. Quando saí de lá com ele, era para tratar da questão da vinda dos jogadores da Inglaterra que teriam que passar uma quarentena antes de se apresentar à seleção.

Com a rebeldia de parte das federações e unidade dos clubes, é possível prever o processo sucessório da CBF? Passamos pela maior crise da história da CBF, pois ela vem de dentro. A diretoria é muito boa, qualificada e profissional. Há uma interinidade complexa, porque envolve a assembleia das federações, que pode ou não confirmar a decisão da comissão de ética sobre o afastamento definitivo do presidente. E um colégio eleitoral, que vai escolher o sucessor entre os vice-presidentes para um mandato tampão, caracterizado por uma nova união dos clubes das séries A e B.

E o que vai acontecer? Posso apresentar uma sugestão. Agora de fora. É preciso dar estabilidade à seleção, à organização do calendário, e uma resposta à questão da liga. Numa crise que envolve todos, inclusive os patrocinadores, que financiam o futebol, é momento de muita sensibilidade, inteligência coletiva, de novas condutas e novos procedimentos.

Deveríamos fazer o que chamo de concertação. Não é consertar, mas é a definição de um pacto do futebol, como houve o pacto de Moncloa.

O futebol é muito importante para o Brasil. É uma cadeia produtiva que envolve recursos da ordem de 54 bi, 150 mil trabalhadores, 0,7 do PIB. É a atividade social e cultural mais enraizada do povo brasileiro. É uma forma de expressar nossa nacionalidade. Não pode ter saídas da crise pelos bastidores, da sombra, de articulações de pequenos grupos. Tem que ser com a luz da sociedade brasileira, pois extrapola os limites do prédio da CBF.

O senhor está propondo o grande “Pacto do Futebol Brasileiro”? Sim. Isso mesmo. Que reúna todas as partes, que se discutam as questões globais. Fazer de forma desapegada, cedendo. O Caboclo defender-se não significa voltar à presidência. Seu julgamento e até uma eventual constatação de inocência não resolvem a questão de representação do cristal que se quebrou.

Ele poderia entender que uma saída espontânea da presidência o livraria de tantas angústias que hoje se estendem a todo o sistema.

Diz respeito também à escolha do novo presidente que entre os vices tenha as melhores condições de representar essa transição e um novo futebol que pode estar nascendo.

E a criação da liga? A liga é uma vontade dos clubes, e a CBF precisa respeitar esse desejo. Se os clubes acham que podem se organizar melhor e captar mais recursos, isso deve estar aberto ao debate. Por que a CBF se colocaria contra 40 clubes do país? Sabemos que não vai acontecer, se por acaso a CBF estiver contra. Por isso, é preciso criar o processo em harmonia. A liga tem de ter conexão com competições internacionais, precisa entender e cumprir seu novo papel. Os clubes vivem uma crise de recursos, e a liga pode ser o caminho. Essa contradição que não pode existir mais entre federações e clubes. Que não exista medo da perda de poder. O lado mais saudável das federações, isso existe majoritariamente, trabalha pelo desenvolvimento do futebol necessário em seus estados.

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