Ex-executivo da Globo alertou que emissora perderia direitos de transmissão

Para Marcelo Campos, no entanto, abrir mão da Libertadores foi atitude precipitada

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São Paulo

O advogado Marcelo Gonçalves de Campos Pinto chegou à Globo em 1994 como diretor jurídico. Cinco anos depois, passou a liderar a compra dos direitos de transmissão dos principais eventos esportivos no Brasil e no mundo, o que garantiu à emissora carioca sucesso de receitas com anunciantes e o primeiro lugar nas audiências.

Executivo que sempre telefonava para os cartolas para perguntar se precisavam de algo (o que significava adiantamento de receitas), passou a ser visto como amigo por vários desses. A jornada dele no Grupo Globo, no entanto, chegou ao fim em novembro de 2015, seis meses depois da operação Fifagate.

Deflagrada pelo FBI, a ação prendeu dirigentes, entre eles José Maria Marin, então presidente da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), acusados de receberem propina em troca de conceder exclusividade na venda de cotas de televisão.

Marcelo Campos Pinto, advogado e executivo de mídia - Fernando Pilatos/saopaulofc.net

Campos Pinto saiu de cena abruptamente. Um comunicado da empresa, assinado por Roberto Irineu Marinho, informou que o advogado estava se aposentando.

O executivo, em entrevista à Folha, diz que tirou um período sabático, o que lhe possibilitou estudar e acompanhar a Olimpíada Rio-2016 como espectador. Ele e mais três sócios fundaram a SportsView em 2019, assinaram contrato com a Ferj (Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro) no início deste ano para reformular o Campeonato Estadual do Rio e negociaram os direitos de transmissão com a Record.

“Em minhas palestras e pareceres, previ que antes de 2021 a Globo iria fazer um drástico movimento com o objetivo de reduzir seu custo de aquisição de direitos esportivos. Quase ninguém acreditou, mas o fato é que aconteceu.”

Até o ano de 2020, os clubes do Rio –exceto o Flamengo– tinham cedido à Globo os direitos de televisionamento. A emissora, contudo, rescindiu o contrato após o clube rubro-negro ter se aproveitado da Medida Provisória do Mandante para exibir o jogo contra Boavista em suas redes sociais.

Hábil negociador, o advogado tem em seu currículo a proeza de ter conseguido pela Globo os direitos de transmissão do Brasil na Copa do Mundo de 2010 e 2014, apesar de 100 milhões de dólares a menos do que a Record. Para isso, ele teria contado com ajuda de seu amigo Ricardo Teixeira, então presidente da CBF e integrante do Comitê Executivo da Fifa, órgão responsável pelo produto;

Após diversos pedidos de entrevista, a assessoria de Campos Pinto avisou que ele responderia aos questionamentos da reportagem por escrito. Foram enviadas 16 perguntas, e o executivo se esquivou de algumas, sobre sua saída da Globo em meio ao Fifagate e as consequências da operação no mercado de transmissão, por exemplo.Ele também evitou responder sobre a amizade com Teixeira.

Como tem sido a transição de executivo da Globo para dono de sua própria empresa? Em toda minha carreira sempre busquei o crescimento através do estudo dos mercados, para entendê-los em profundidade e poder traçar suas tendências, com vistas a produzir conteúdos e modelos de distribuição inovadores. Assim foi minha passagem pela Globo. Após 43 anos de trabalho, tirei um período sabático para aprofundar o conhecimento sobre as estratégias das diversas plataformas digitais e entender como os detentores de direitos poderiam tirar o melhor proveito desse momento de transição no hábito de consumo dos amantes de esportes.

Quando e como nasceu a ideia da Sportsview? Nasceu no início de 2019, quando tive a certeza de que as tradicionais plataformas de distribuição de mídia esportiva não mais teriam geração de caixa suficiente para atender às crescentes necessidades financeiras do futebol brasileiro. Primeiro nasceu o nome: SportsView. Senti a necessidade de trazer um novo ponto de vista que pudesse ajudar o esporte enfrentar as quebras de paradigmas trazidas pela revolução digital. Não era uma empresa e sim uma marca de fantasia que passei a utilizar nos serviços de consultoria que prestava aos meus clientes.

Naquele momento, em minhas palestras e pareceres, previ que antes de 2021 a Globo iria fazer um drástico movimento com o objetivo de reduzir seu custo de aquisição de direitos esportivos. Quase ninguém acreditou, mas o fato é que aconteceu. Os sinais eram evidentes: queda nas receitas publicitárias e no número de assinantes de TV por assinatura a cada ano desde o fim de 2015, conjugada com o crescimento acelerado do número de consumidores das grandes plataformas digitais de conteúdo audiovisual.

Em seu portfólio, as partidas também são transmitidas ao vivo em sites e aplicativos de apostas. Quais cuidados são necessários para zelar pela integridade do esporte? O direito de exibição dos jogos do Carioca-2021 foi vendido para exibição nas plataformas de betting rights [apostas] existentes em diversos países europeus, asiáticos e na América do Norte, onde esse tipo de aposta já foi regulamentado. Não foi negociado, portanto, para qualquer empresa com sede no Brasil, com o que se respeitou a legislação vigente. Com relação ao procedimento de checagem de movimentos anormais nos volumes de apostas, fechamos uma parceria com a empresa SportsRadar, com atuação global, que utiliza um sistema próprio de detecção de fraude. É um monitoramento sofisticado, utilizando inteligência artificial no cruzamento de uma série de dados para análise de movimentações suspeitas relacionadas às apostas, que visa preservar a integridade e o fair play em todas as partidas da competição.

Esta é uma tendência? A venda faz parte de uma estratégia de distribuir o produto em todas as plataformas de mídia com o objetivo de aumentar as receitas dos clubes. Já se mostra como uma tendência na comercialização de direitos de competições por parte de ligas e clubes em vários países da Europa, Ásia e América do Norte.

O mercado de direitos de TV está dando uma guinada brusca. Hoje Record e SBT estão transmitindo torneios importantes. É uma estratégia temporária ou uma mudança que veio para ficar? Acredito que é uma decorrência da mudança da estratégia da Globo na compra de direitos de transmissão esportivos. O movimento de retração da Globo gerou belas oportunidades para SBT, Record e Band, que se aproveitaram para adquirir direitos importantes e estão procurando construir um portfólio que lhes permita capturar investimentos publicitários que seguem modalidades esportivas onde quer que elas sejam exibidas, como é o caso do futebol e da F1. Veio para ficar.

Os valores pagos pelos direitos de transmissão se transformaram em uma bolha, com valores fora do mercado. A tendência é que aconteça uma estabilização? Mesmo antes da pandemia alguns mercados já davam sinais de que os preços haviam atingido patamares muito altos. Recentes renovações de contratos na Bundesliga, Premier League e na Serie A Italiana demonstram isso. Por outro lado, nos Estados Unidos têm ocorrido aumentos nos novos contratos. Por aqui vai depender da entrada de novos players. Se não tivermos novas plataformas de mídia interessadas na compra de competições brasileiras, teremos um período de vacas magras em razão da perda do poder de compra da chamada mídia linear, a TV aberta e TV por assinatura

É importante que se dê início ao desenvolvimento e lançamento de novos formatos de distribuição do conteúdo esportivo, por exemplo, através de aplicativos de OTT [over the top, distribuição feita pela internet] e plataformas digitais. A tecnologia 5G, que irá revolucionar esse mercado, está ali na esquina.

Foi difícil para a Record oferecer uma alternativa aos clubes, acostumados muitas vezes a apenas um modelo de negócios? O principal problema do Carioca-21 foi a falta de tempo para se comunicar mudanças de hábito muito grandes no consumo de futebol. E a Record também sofreu com isso. O contrato com os clubes foi assinado em 28 de janeiro e a competição começou em 3 de março. Foi pouco [tempo] para divulgar que o Carioca tinha casa nova e que as transmissões mudaram de dia e horário. Ainda assim as audiências foram crescendo ao longo da competição e o jogo da final foi assistido por 25 milhões de pessoas. Em 2022 a audiência vai crescer.

Você é a favor de uma mudança na legislação, como se tentou através da medida provisória que alterou a “Lei do Mandante” em 2020 (e que já perdeu sua validade)? Esse é mais um daqueles temas em que existem bons argumentos de ambos os lados. Num primeiro momento me manifestei a favor, pois sei que muitos clubes que disputam campeonatos que não são transmitidos por qualquer plataforma de mídia têm capacidade, devido ao tamanho de sua torcida, de monetizar os seus jogos. Com a mudança na legislação eles passariam a ter uma fonte de receita hoje inexistente.

Também não vejo a “Lei do Mandante” como um fator impeditivo de futuras negociações coletivas de direitos de transmissão, modelo esse que entendo ser o que agrega maior valor para os clubes. Num mundo em que os consumidores do futebol frequentam múltiplas plataformas de distribuição de conteúdo audiovisual, só uma competição explorada economicamente de forma coletiva tem capacidade de produzir produtos sob medida para alcançar os torcedores em todas as mídias.

Você consegue estimar qual o tamanho do impacto caso o Flamengo não tivesse assinado com a Record, como foi com a Globo, em 2020? Não acredito em produto capenga. Quem, em sã consciência, compra direitos de transmissão de um campeonato em que você não tem certeza de que poderá exibir os jogos das finais? O dinheiro anda escasso e nunca aceitou desaforos.

A Globo deixou eventos importantes e perdeu outros para a concorrência. O quanto isso pode prejudicar a emissora? Como dito anteriormente, entendo os motivos que levaram a Globo a rever seus investimentos na compra de direitos de transmissão. Se a receita diminui, as despesas precisam ser ajustadas. Mas a decisão de abrir mão do direito de transmissão da Libertadores me pareceu precipitada, até porque a pandemia vai passar e esse produto tende a se valorizar.

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