Biles domina o novo movimento de uma estrela: mostrar vulnerabilidade

Crescente disposição dos atletas a se pronunciarem confirma que problemas de saúde mental afetam todos

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The New York Times

Dez anos atrás, ou mesmo cinco, uma atleta da estatura de Simone Biles talvez relutasse em admitir que enfrentou pressão, muito menos se retirar no meio de uma competição olímpica.

"As pessoas teriam rotulado a atleta de mentalmente fraca", disse a psicóloga esportiva clínica Hillary Cauthen, de Austin, no Texas, na terça-feira (27). Horas antes, Biles, a maior ginasta da história, tinha se retirado da apresentação da equipe dos Estados Unidos nos Jogos de Tóquio, e um dia depois ela diria que também não participaria da competição individual geral.

Mas uma mudança na aceitação cultural começou a ocorrer em 2015-16, quando a NCAA (Associação Atlética Nacional Colegial na sigla em inglês) criou uma iniciativa de saúde mental, disse Cauthen. Pouco antes das Olimpíadas de 2016, no Rio de Janeiro, o nadador Michael Phelps, o mais condecorado atleta olímpico da história, começou a comentar que enfrentava dificuldades com depressão e pensamentos suicidas.

Desde então, os jogadores da NBA (Associação Nacional de Basquete) DeMar DeRozan e Kevin Love e a patinadora artística Gracie Gold, entre outros atletas, disseram publicamente que lutam com ansiedade e depressão.

Decisão de Simone Biles traz luz às questões mentais no esporte - Mike Blake-27.jul.2021/Reuters

Embora os psicólogos esportivos digam que persiste um estigma sobre atletas e saúde mental, e Biles certamente tenha ficado decepcionada por não concretizar as enormes expectativas olímpicas, ela também foi amplamente abraçada como a última atleta de elite ativa que teve a coragem de admitir sua vulnerabilidade.

"Que suspiro de alívio ela deve ter dado só por ser verdadeira, dizer 'Sabem, eu não estou bem'", comentou Cauthen, que é membro do conselho executivo da Associação de Psicologia Esportiva Aplicada.
Sian L. Beilock, presidente do Barnard College em Nova York e cientista cognitiva que estuda atletas, empresários e estudantes e por que eles sucumbem à pressão, disse que Biles provavelmente vai sofrer certa reação por não terminar a competição da equipe olímpica enquanto suas parceiras lutavam para conquistar uma medalha de prata.

Mas, disse Beilock, "eu aplaudo o fato de ela afirmar que não estava no estado mental adequado e ter recuado. Que coisa difícil de fazer. Havia muita pressão para continuar. E ela conseguiu encontrar a força para dizer: 'Não, isto não está certo'".

Depois de se retirar, Biles afirmou a repórteres que não estava machucada, dizendo: "Foi realmente estressante, esta Olimpíada". Ela disse que não tinha certeza se continuaria competindo.

A desistência de Biles, segundo Beilock, foi uma tentativa de dominar uma situação que aparentemente tinha saído de controle quando ela perdeu o sentido de posicionamento no ar durante uma manobra de salto.

Não foi muito diferente da estrela do tênis Naomi Osaka, que abandonou o Open da França neste ano para não enfrentar o que ela considerava um questionamento invasivo e desanimador da mídia. Osaka perdeu para Marketa Vondrousova, da República Tcheca, na terça-feira e saiu n a terceira rodada das Olimpíadas.

A crescente disposição dos atletas a se pronunciarem, disse Beilock, confirma que os problemas de saúde mental afetam a todos. Para um público que enfrentou as tensões do lockdown da pandemia, e poderá em breve enfrentar de novo, acrescentou Beilock, as confissões francas de Biles, Osaka e outros são "realmente importantes para a pessoa comum fazer o mesmo. Como que lhes dá autorização".

Biles entrou nas Olimpíadas de Tóquio como mais que uma ginasta superestrela. Ela foi a face dos jogos para a rede de TV NBC. Tinha se tornado uma das principais vozes contra o abuso sexual, manifestando-se sobre os crimes de Lawrence Nassar, o ex-médico da seleção olímpica de ginástica dos EUA e de atletismo da Universidade Estadual de Michigan.

O tempo todo, as empresas patrocinadoras de Biles, seus fãs e a mídia esperavam que ela colecionasse medalhas de ouro como ímãs de geladeira.

"Claramente Simone esteve sob um tremendo estresse", disse Steven Ungerleider, psicólogo esportivo em Eugene, no Oregon, e ex-ginasta universitário que trabalhou com centenas de atletas olímpicos.

A pandemia do coronavírus forçou o adiamento dos Jogos de Tóquio por um ano, disse Ungerleider, e foi extremamente difícil para os ginastas de elite que não tiveram acesso regular a ginásios, treinadores e campos de treinamento nacionais. Em maio, Biles competiu pela primeira vez em 18 meses. Nestas Olimpíadas, ela se apresentou diante de uma plateia praticamente vazia, sem poder absorver a energia da multidão.

"Como ginasta", disse Ungerleider, "você precisa estar tocando, sentindo, interagindo com as barras paralelas e a trave. Se você não estiver nesse equipamento, sem um treinador e sem ser vista, são cinco, seis, sete horas por dia durante 17 meses a que ela teve acesso limitado."

Ter um mau desempenho no momento mais esperado e visível da carreira de um atleta pode ser esmagador, escreveu no Instagram Nyjah Huston, skatista americano que era um favorito na competição de street e acabou em sétimo lugar. Descrevendo-se como "extremamente competitivo", Huston escreveu que "o lado negativo disso é que sou realmente duro comigo mesmo quando não ando bem. Como nos dias depois de uma competição, quando simplesmente não quero falar com ninguém e repasso tudo o que fiz de errado várias vezes. Ou bebendo no quarto do hotel sozinho depois de uma derrota, pensando que ia melhorar as coisas".

"A saúde mental é muito importante!", acrescentou ele.

Leroy Burrell, o treinador chefe de atletismo na Universidade de Houston (Texas), é um ex-detentor de recorde mundial nos 100 metros e esteve entre os favoritos ao ouro na categoria nas Olimpíadas de Barcelona em 1992. Mas ele entrou nos jogos com problemas nas costas, reagiu com lentidão depois de uma saída em falso e terminou em um decepcionante quinto lugar.

"Muitas vezes você espera que se tiver sucesso abrirá mais portas e oportunidades e poderá ser uma mudança geracional para a trajetória da sua família", disse Burrell. "Não posso imaginar os desafios que Simone enfrentou. Ela era basicamente o rosto das Olimpíadas para o Time EUA. Realmente estou com pena dela. Há uma pressão tremenda. Toda a sua identidade é condicionada por seu desempenho, multiplicado por mil indo aos jogos."

Quando coisas decepcionantes acontecem durante as Olimpíadas, disse Burrell, "elas podem ficar com você para sempre. Você nunca esquece essas coisas. Você tem de aprender a conviver com elas e não deixar que o definam. Buscar outras coisas que sejam realmente importantes".

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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