Olimpíadas revelam força das narradoras na TV paga

Enquanto Galvão Bueno comandou jogos na Globo, partidas no SporTV tiveram mulheres

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Júlia Belas
São Paulo

A voz que narra um gol pode ser tão marcante quanto o gol em si. Por muitas décadas, ela sempre pertencia a um homem. O jogo está virando.

No caso da eliminação da seleção feminina de futebol em Tóquio, após derrota nos pênaltis para o Canadá, a narração na TV Globo foi de Galvão Bueno. No SporTV, canal pago do mesmo grupo, Renata Silveira comandou os microfones.

Desde a Copa do Mundo de Futebol Feminino realizada na França, em 2019, o número de narradoras em grandes emissoras aumentou consideravelmente. Renata, que já passou por ESPN e Fox Sports, foi anunciada pela Globo em dezembro e fez sua estreia em março. Nos Jogos, liderou os duelos contra China, Holanda e Canadá, além de ter sido a primeira a narrar partidas da seleção masculina em Olimpíadas.

Com menos tempo de casa, Natália Lara, a voz do jogo entre Brasil e Zâmbia no SporTV, também passou pelas emissoras da Disney, além de ter trabalhado no serviço de streaming DAZN.

Fora da Globo, a Band, que detém os direitos do Brasileirão Feminino, conta com Isabelly Morais nas transmissões. Já o SBT teve Manuela Avena narrando os jogos da Copa do Nordeste em 2020.

"Por mais que ainda sejam poucas mulheres, isso já é uma realidade. As meninas podem me olhar, assim como olham a Natália, a Isabelly e outras narradoras, e enxergar ali um futuro", disse Renata à Folha.

Para ela, apesar das dificuldades impostas pela pandemia de Covid-19, as transmissões foram cruciais para transmitir a emoção dos esportes. "Independentemente de não estarmos em Tóquio, conseguimos sentir a energia. É um privilégio ser uma das vozes que estão transmitindo as competições."

 Narradoras Natália Lara e Renata Silveira, da Globo
Narradoras Natália Lara e Renata Silveira, da Globo - João Cotta/Globo

Renata e Natália assumiram os microfones da emissora a meses dos Jogos de Tóquio e se revezaram para narrar a seleção brasileira de futebol feminino na TV paga.

Durante partida do Canadá, Natália viralizou ao usar o pronome neutro "elu" ao se referir a Quinn, atleta da equipe de futebol. "Construí minha carreira com o futebol feminino como grande pilar e motivação. Ter mulheres falando, narrando e comentando sobre mulheres jogando é muito forte", ela afirmou à Folha.

Lídia Ramires, professora de jornalismo na Universidade Federal do Alagoas (Ufal), afirma que, mais do que a narração, o que importa é a narrativa. "Quem conta como foi um jogo constrói aquilo que é dito como verdade. Por que essa capacidade de contar histórias tem de ser destinada apenas aos homens?", questiona. "É um jogo de poder de quem constrói as narrativas e de quem legitima esses espaços, que não são acessíveis às mulheres porque quem determina onde as mulheres podem entrar são homens."

Para Renata, a presença feminina na atividade não deve se limitar a um segmento específico, já que as mulheres não estão mais próximas do futebol feminino apenas por serem mulheres. Há homens que acompanham a modalidade também, e narra quem estiver mais preparado para o jogo, diz ela.

O número de narradoras no futebol, ainda pequeno, deve crescer nos próximos anos. Ao estrear como a primeira mulher a narrar futebol na Globo, Renata afirmou que esse "é um caminho sem volta". O espaço da seleção na TV aberta, no entanto, ainda é dominado pelos homens.

Jogadoras da seleção brasileira acompanham disputa de pênaltis contra o Canadá
Jogadoras da seleção brasileira acompanham disputa de pênaltis contra o Canadá - Amr Abdallah Dalsh/Reuters

Segundo levantamento da própria emissora, das 14 partidas do masculino e do feminino nos Jogos de Tóquio transmitidas até agora, dez tiveram a participação de mulheres na narração ou em comentários.

Entretanto, Ramires, da Ufal, alerta que ainda existe um longo caminho para que haja maior diversidade nas transmissões, já que o número de mulheres negras, gordas, mais velhas e/ou LGBTQIA+ é baixo.

A pesquisadora lembra que estereótipos acabam determinando quem pode assumir certas tarefas e, devido ao machismo, a possibilidade de ter mulheres narrando futebol era alvo de preconceito muito antes de elas assumirem posições nas maiores emissoras do país.

"As dificuldades são de acesso e permanência. A mulher sempre terá sua competência questionada. É uma dita voz que 'não combina com o grito de gol', por exemplo. Esse incômodo é explicado também na política e em outras posições em que a mulher tem que ter autoridade", avalia Ramires.

Natália, que diz ter colocado a narração dos Jogos Olímpicos como meta, celebra a repercussão do trabalho, reconhecido pela versatilidade para percorrer diversas modalidades. "É um momento histórico para as mulheres. Demonstra que nosso espaço conquistado é uma realidade, e que a cada dia vamos abrir mais portas e mostrar nosso talento e trabalho."

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