Descrição de chapéu Tóquio 2020 paraolimpíada

Vamos superar os problemas e fazer uma grande Paraolimpíada, diz Mizael Conrado

Presidente do Comitê Paralímpico Brasileiro aponta dificuldades impostas pela pandemia

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São Paulo

Na terça-feira (6), o Brasil vai conhecer os nomes dos 251 atletas que representarão o país nos Jogos Paraolímpicos de Tóquio, a partir do dia 24 de agosto até 5 de setembro.

O tamanho do time recuou em relação ao evento do Rio, em 2016, que contou com 285 competidores. Também é menor a expectativa de um ranqueamento inédito no quadro de medalhas, e Daniel Dias, nadador expoente do elenco brasileiro, que se despede das piscinas, não deve conseguir ouro no Japão devido a questões de reclassificação de categoria.

Juntando isso tudo aos reflexos devastadores da pandemia no preparo dos atletas, fica muito difícil, nas palavras do presidente do CPB (Comitê Paralímpico Brasileiro), Mizael Conrado, 43, pensar em qual resultado o Brasil deverá ter.

“Do ponto de vista pessoal, minha expectativa é que vamos superar todos os problemas e ter uma grande participação. Cientificamente, com base nos números, é complicado dizer o que vai acontecer”.

Conrado, que já foi um dos melhores atletas paraolímpicos do mundo, disputando o futebol de 5, para cegos, falou sobre a proteção dos competidores brasileiros, a respeito da guinada social e inclusiva realizada pelo comitê nos últimos anos em contraposição ao caráter de “exclusão” do alto rendimento.

Pessoas com deficiência podem ser mais vulneráveis à Covid-19. Como foi o treinamento para Tóquio, que nível de proteção a delegação brasileira terá? Adotamos um protocolo muito rígido, desde o início da pandemia. Chegamos a ter treinamentos individuais em vários momentos. Os atletas chegavam ao CT [Centro de Treinamento Paralímpico, em São Paulo], iam até as instalações de competição, como a pista de atletismo, por exemplo, onde o técnico ficava a uma distância segura. Com exceção dos cegos, que correm com o guia, os outros atletas entravam e saíam do centro sem encontrar diretamente com ninguém.

Pouquíssimas foram as contaminações em nosso grupo, com apenas um caso mais grave [do judoca tetracampeão paraolímpico Antônio Tenório, que chegou a ficar na UTI].Para Tóquio, os atletas estão todos vacinados, já tomaram a segunda dose, e vão seguir com rigor as regras das autoridades brasileiras e japonesas. Todos os membros da delegação —420 pessoas ao todo— terão as rotinas e deslocamentos monitorados por um aplicativo. Só poderemos frequentar locais previamente determinados. Teremos as operações completamente separadas do dia a dia do povo japonês. Serão duas bolhas muito rígidas.

Sua gestão mostrou empenho maior com questões sociais, se voltando menos para metas para o alto rendimento. Houve recuo para as expectativas de Tóquio? Nossas metas continuam bastante desafiadoras e temos o alto rendimento também como prioridade, mas entendemos que o comitê pode avançar em mais de uma direção. O esporte muda a percepção da sociedade em relação à pessoa com deficiência. Quando alguém vê um Daniel [Dias, nadador, multicampeão], com três membros comprometidos, vencendo, associa isso à capacidade, não à limitação. Quem chega ao auto rendimento resgata autoestima, tem isso como um trabalho, um sustento para suas famílias, o que gera inclusão.

Mas, sabemos que a menor parte das pessoas com deficiência está em condição de alcançar esse patamar mais elevado do esporte e, por isso, desenvolvemos várias ações para elas, com o Atleta Cidadão [que oferece bolsas de estudos, cursos de idiomas para competidores de nível médio], capacitação de professores de educação física para o esporte paraolímpico [serão 100 mil até 2025], oferecendo atividades de contraturno para crianças.

Por outro lado, o alto rendimento foi preservado e é uma missão do CPB, inclusive na lei. Se algo não der certo, não vai se poder dizer que foi por mudança de foco. Imaginamos, inclusive, passar a China [maior potência paraolímpica atual] até 2040. A inclusão está agora em nosso propósito e não como algo periférico, mas central. Mas o departamento técnico fez o papel de excluir, pois, de certa forma, alto rendimento é exclusão. Quem tem índice vai, quem não tem, fica, o melhor ganha, o pior perde.

Mas há metas para Tóquio? Queremos permanecer entre os dez melhores do mundo nos dois próximos jogos. Corrigimos, assim, um equívoco quando traçamos uma meta para os Jogos do Rio, que foi falar em uma posição exata [o planejado era o 5º lugar, o Brasil acabou em 8º], o que era uma loteria. Em 2032, provavelmente na Austrália, vamos pensar em estar entre os cinco primeiros. Dizer que vamos ficar em 6º ou 7 º é futurologia. No quantitativo, pensamos em chegar entre 60 e 75 medalhas de ouro.

Assumimos o desafio de apostar também no social e na inclusão. Temos quase 700 crianças em uma escolinha esportiva e vamos inaugurar, em 2022, 31 centros de referência do esporte paraolímpico pelo Brasil. Queremos mudar de vez o modelo do esporte paraolímpico. Vamos passar a buscar os atletas, ir até as pessoas, em vez de elas virem até nós. Os acontecimentos de 2019 mudaram demais os nossos planejamentos, os atletas deixaram de treinar e vínhamos de resultados espetaculares em mundiais nos anos anteriores. É difícil falar em metas com realidades tão diferentes entre os países. Do ponto de vista pessoal, minha expectativa é que vamos superar todos os problemas e ter uma grande participação nos Jogos. Pensando cientificamente, com base nos números, é complicado dizer o que vai acontecer.

O CPB perdeu recursos financeiros pós-jogos do Rio? Tivemos algumas perdas de recursos e nossos custos aumentaram. Mudamos nossa estrutura de Brasília para São Paulo, criamos um dos centros de acompanhamento científico mais modernos do mundo e vamos atender mais de 6.000 pessoas fora do CT em 2022. Mas, felizmente, as loterias tiveram aumento de arrecadação e isso equilibrou nossas contas [parte do valor gerado é repassado ao CPB]. O ciclo teve cerca de R$ 700 milhões envolvidos, sendo cerca de R$ 240 milhões investidos no alto rendimento. Mantivemos patrocínios com a Caixa, com a Brasken e com a Toyota.

O destaque maior deve ficar com o atletismo? Vamos estar fortes no atletismo. Se os Jogos tivessem acontecido em agosto do ano passado, teríamos a melhor participação da história. Sigo acreditando numa boa participação. Mas a quebra do ciclo pode reservar surpresas.

Daniel Dias, maior campeão paraolímpico da história, com 24 medalhas, se despede das piscinas em Tóquio. Que legado ele deixa e quais as expectativas sobre sua última participação? Ele deixa o legado do esporte paraolímpico ser mais visto e mais conhecido por todos. Ele tem um carisma excepcional e retrata muito bem o que representa o esporte paraolímpico. De uma maneira leve e natural, ele mostra que todo o mundo pode chegar onde sonha se trabalhar muito para isso. Ele mostra isso com atitudes e com sua forma de ser. Lamento muito o que aconteceu com a questão da classificação [que determina em qual classe um atleta vai competir, dependendo de suas habilidades. Vai de S1, maior comprometimento da deficiência, a S10, menor comprometimento. Daniel permaneceu na S5, mas viu competidores de classes superiores descerem]. Entendo que um equívoco não vai permitir que ele encerre a carreira da maneira como sempre foi, no local mais alto do pódio, como ele merecia. Um processo mal planejado e até irresponsável.

O futebol de 5, jogado por cegos, deve permanecer hegemônico nos Jogos, teremos o quinto ouro? Há falta de reconhecimento desses talentos? A modalidade foi uma das mais prejudicadas com a pandemia. Os atletas só voltaram a treinar juntos em fevereiro deste ano, mas o time é fantástico sobre todos os aspectos: talento, dedicação, comprometimento. Mesmo com todos os problemas, cravo que teremos o quinto ouro com nossa seleção.

A mídia está se abrindo para o esporte paraolímpico, mas ainda no sentido de histórias de vida das pessoas, o que é importante também. É bom levar para a sociedade que a deficiência é apenas uma limitação e que isso não significa que a pessoa não tenha eficiências, que não suplante aquilo que falta com outras qualidades. A falta de um sentido pode fazer aperfeiçoar outro. Mas ainda falta enxergar o esporte paraolímpico como alto rendimento. O feito dos meninos do futebol é extraordinário e precisa de mais reconhecimento.


Raio-x

Mizael Conrado, 43, eleito o melhor jogador do mundo de futebol de 5 em 1998. Graduado em direito, é mestre em administração pública pela FGV. Ficou completamente cego aos 13 anos em decorrência de catarata congênita​

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