Descrição de chapéu Tóquio 2020

Ana Marcela, que previa fim da 'vida útil de atleta' em Tóquio, após ouro foca Paris-2024

Vencedora da maratona aquática, nadadora tem 12 pódios mundiais no currículo

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Santos

George Cunha, 63, conta ter tido a sensação de déjà-vu ao falar pela primeira vez com a filha Ana Marcela Cunha, 29, horas depois da conquista do ouro na maratona aquática nos Jogos de Tóquio, na última terça-feira (3).

Quase dez anos antes, em 19 de julho de 2011, o pai da nadadora precisou dizer mais do que palavras elogiosas ao término da prova de 10 km no mundial de Xangai. Ana Marcela terminou na 11ª colocação, mas somente as dez primeiras colocadas asseguraram vaga para Londres-12. Foi o maior baque da carreira.

“Foi o momento mais doloroso da nossa família. Ficamos perdidos, faltou chão. Quando fui tentar falar com ela, ela me surpreendeu ao dizer: 'Pai, ainda não terminei o que vim fazer aqui’”, conta à Folha.


Quatro dias após a derrota, Ana Marcela surpreendeu ao conseguir o ouro na distância de 25 km e mostrou o tamanho da disposição que tinha para recuperar as Olimpíadas perdidas.

Agora, a surpresa de George foi outra. “Não havíamos conseguido falar com a Ana ainda, então conversei por mensagem com o [técnico] Fernando [Possenti] e com ela. Eles me surpreenderam ao dizer que o tempo já estava curto, pois estavam traçando as primeiras ações para Paris."

Antes de encerrar o atual ciclo olímpico, Ana Marcela Cunha disse à Folha, em dezembro de 2018, que por conta de sua idade —tinha 26 anos então— poderia não conseguir disputar futuras Olimpíadas, considerando Tóquio como a última chance de conquistar a sonhada medalha.

“Essa pode ser a minha última. Sei que minha vida útil [como atleta] estará chegando ao fim”, disse na ocasião.

Das adversárias que deixou para trás, a holandesa Sharon Van Rouwendaal, medalhista de prata, tem 27 anos, mesma idade da australiana Kareena Lee, bronze.

Com 12 pódios mundiais no currículo e eleita por seis vezes a melhor atleta do mundo em maratona aquática, a baiana tirou o sono dos pais durante a prova no Japão.

“Estou louca para colocar ela no colo como se fosse um bebê, mas dormir não estou pensando, não. O corpo treme imaginando a cena da chegada. Dormir, não sei que dia, deixa primeiro a gente curtir esse momento”, completa Ana Patrícia Cunha, mãe da atleta.

Durante toda a manhã de quarta-feira (4), os pais da nadadora atenderam a jornalistas na sede da Universidade Santa Cecília e demonstraram gratidão pelo legado construído.

A nadadora chegou a Santos, no litoral paulista, como uma promessa. Tinha 14 anos. Rompeu a parceria com a instituição entre 2013 e 2015. No período, conheceu e se aproximou do técnico Possenti, no Sesi.

“Essa medalha de ouro posso comparar a um balde cheio de areia. Cada grão de areia representa a contribuição de alguém. Lembramos de tanta coisa boa, desde o piscineiro do Santa, uma figura impressionante, até a paciência do colégio. Foi uma caminhada de todos, só temos a agradecer”, afirmou.

Ana Marcela Cunha deve chegar ao Brasil no sábado (7), mas terá poucos dias de folga ao lado da família. O perfil obstinado da nadadora e de seu treinador puderam ser notados assim que ela venceu a prova. Ao abraçá-la, ela recém-saída de quase duas horas no mar, foi possível ouvi-lo dizer: "Falta só [vencer] os 10 km no mundial".

Nas redes sociais, a atleta foi discreta: “Acredite nos seus sonhos”. A frase foi explicada na breve aparição por videoconferência surpresa para os pais, na cerimônia organizada pela universidade. “Tive a maior provação da minha vida sobre isso ontem. Tudo o que deixei para trás para ir atrás do meu sonho valeu muito a pena”.

Ana Marcela, por sinal, adota perfil cuidadoso e distante de polêmicas. Assumidamente homossexual e convicta sobre seus posicionamentos, ponderou a manifestação política de Carol Solberg, do vôlei de praia, em 15 de outubro do último ano. A atleta gritou “fora, Bolsonaro” durante uma entrevista após o Circuito Brasileiro de Vôlei de Praia.

“Eu sou muito a favor de cada um se expressar, poder opinar, mas, ao mesmo tempo, a gente sabe que tem locais que você tem que fazer isso, ou não. Se aquele momento foi o ideal para ela, tudo bem. Eu jamais faria um pronunciamento ou daria uma opinião naquele momento. Hoje temos as redes sociais abertas e podemos fazer isso a qualquer hora”, afirmou.

Chamou atenção nas redes sociais o fato da atleta ter batido continência em direção à bandeira brasileira. A nadadora faz parte do programa de alto rendimento das Forças Armadas. O gesto também foi adotado por Alison dos Santos, medalhista de bronze nos 400 m com barreiras.

“A Ana Marcela não se envolve com política. Não gostamos da imposição de que é preciso misturar política e esporte. Isso existe, claro, mas contratualmente respeitamos contratos e cláusulas. Não há partidarismo em nada do que ela faz”, ameniza George.

Nas redes sociais, a ex-nadadora Joanna Maranhão defendeu a antiga companheira de clube afirmando que o programa existe desde 2009 e que prestar continência “era recomendação”. Como alusão, ainda publicou uma foto de seu marido, o ex-judoca Luciano Corrêa, repetindo o gesto durante a conquista do Pan de Toronto, em 2015.

“Não era obrigatório e nem apoio ao Bolsonaro. Os votos dele são bem o contrário disso, na verdade”, disse Maranhão.

Ana Marcela também foi uma das primeiras atletas vacinadas, sendo imunizada pelo próprio ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. Os pais dizem que sequer foram avisados da presença de autoridades políticas no ato e que, em 2011, ela desfilou durante as comemorações do feriado de 7 de setembro no governo Dilma Rousseff.

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