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Biografia de Federer mostra que sua grandeza também está na vulnerabilidade

Em novo livro, jornalista americano ajuda a conhecer o homem por trás do astro do tênis

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São Paulo

Durante algum tempo, o tamanho da lenda de Roger Federer no tênis foi medido principalmente pelos recordes que o atleta de 40 anos estabeleceu ao longo de sua carreira.

Em 2021, porém, o tenista perdeu parte do protagonismo nos números. Teve as 310 semanas na liderança do ranking ultrapassadas por Novak Djokovic, em março, e desde julho está empatado com o sérvio e Rafael Nadal na lista de maiores vencedores de torneios do Grand Slam: 20 para cada um.

O futuro do suíço na quadra é incerto, após ele ter anunciado, em agosto, que faria uma nova cirurgia no joelho e tentará voltar ao circuito apenas na próxima temporada.

Federer, de camiseta e faixa brancas, olha para o alto durante partida
Roger Federer está parado desde Wimbledon e só voltará às quadras em 2022 - Peter van den Berg - 7.jul.21/USA Today Sports

Olhar para Federer por outro prisma neste momento ajuda a entender por que o astro do tênis transcende o esporte como nenhum outro, independentemente de quais marcas permanecem atreladas ao seu nome.

É isso que faz a biografia “The Master: The Long Run and Beautiful Game of Roger Federer”, escrita pelo jornalista americano Christopher Clarey e lançada nos EUA em 24 de agosto. A obra de 432 páginas chega ao Brasil nesta sexta-feira (17), pela editora Intrínseca, com o título “Federer: O Homem que Mudou o Esporte” e tradução de Cássia Zanon, Isadora Prospero, Marcelo Schild e Paula Diniz.

Clarey, que trabalhou no International Herald Tribune e está no The New York Times há mais de duas décadas, conheceu o suíço no início da trajetória dele como profissional e desde então teve bom acesso ao atleta e seu entorno.

Agora, o jornalista acredita ter encontrado o momento certo para transformar em livro uma vivência que começou em 1999, quando assistiu da arquibancada em Paris à estreia do jovem talentoso e esquentado em Roland Garros. Além da experiência acumulada desde então, Clarey fez mais de 80 entrevistas e reviu dezenas de partidas para esse projeto.

“Admiro como Federer conduziu sua carreira e acho que há muito a se aprender com isso. Pelo acesso que tive morando na Europa e pela perspectiva depois de tantos anos, tinha a chance de fazer um bom livro sobre esse processo. Acho que agora é o momento certo. Ele voltará no próximo ano, mas seu principal trabalho está feito, então é um momento bom e justo para avaliar como foi”, ele afirma à Folha.

Outras duas conhecidas biografias sobre Federer foram escritas por Chris Bowers, em 2013, e por René Stauffer, em 2011. Debruçar-se sobre a carreira e a personalidade do suíço em 2021 deu a Clarey a vantagem de uma perspectiva mais ampla sobre seus feitos, e também sobre suas fraquezas.

“Vi muitos atletas que foram grandes estrelas ao longo dos anos e vários ótimos jogadores de tênis. Mas nunca vi ninguém nesse nível de popularidade ao redor do mundo. Para ele, esse nível sempre ficou no alto, nunca teve uma queda”, diz Clarey.

O autor aponta alguns caminhos para entender o fenômeno, e o primeiro está no que acontece dentro de quadra. “É como Messi jogando futebol. Você assiste e vê que é elegante, gracioso. Nem precisa jogar tênis para gostar.”

Outra explicação, mais complexa, é o grande arco de emoções humanas preenchido por sua trajetória: o nível de excelência, o choro nas vitórias e derrotas, a exposição pública, o senso de empatia e a vulnerabilidade. Tudo isso compõe o pacote do ícone Roger Federer.

“As pessoas tiveram a chance de ver nele um jogador muito bonito e divertido e também muito vulnerável em alguns momentos da carreira. Ele se feriu muito. É um ótimo jogador, mas foi superado várias vezes. Seus rivais Rafa e Novak o impuseram grandes derrotas. Hoje, a sociedade está mais aberta a isso, e em parte porque pessoas como ele mostraram que é o OK para um atleta homem passar por esse processo”, afirma Clarey.

Retrato de Christopher Clarey vestido com blazer em tom mostarda e xadrez
O jornalista e escritor Christopher Clarey, autor da nova biografia de Roger Federer - The New York Times

O veterano atleta parece cada vez mais humano conforme as limitações do corpo acendem os debates sobre o ponto final da sua carreira, mas a rara sensibilidade e empatia encontradas em um esportista desse nível já fazem parte de sua personalidade há muito tempo, conforme o autor destaca.

O jovem com baixo controle emocional não se transformou numa voz ativa para elevadas causas políticas, algo que hoje o ambiente esportivo valoriza e que ele sempre preferiu evitar —apesar de seu trabalho em projetos sociais, que deve ser expandido nos próximos anos.

Federer virou um ícone por sua atuação dentro dos limites do esporte. “Poucas controvérsias e poucos vislumbres de sua vida pessoal; muita cordialidade e espírito esportivo”, escreve Clarey no livro. “Entediante? De modo algum. Como alguém que une pessoas em um mundo dividido poderia ser fonte de tédio?”

A obra traz alguns trechos mais longos sobre personagens cruciais na formação de Federer. Além de seus pais, Robert e Lynette, e da esposa, Mirka, ganham destaque as trajetórias do preparador físico/guru Pierre Paganini e do treinador Peter Carter, cuja morte precoce num acidente de carro acabou virando um marco para o que viria a seguir na carreira do tenista.

Conhecer como e por que ele se relaciona de maneiras diferentes com Nadal, Djokovic e Pete Sampras também é fundamental para entendê-lo, mas nenhum rival ajuda tanto nessa tarefa quanto Andy Roddick. O americano chegou ao número 1 do mundo antes do suíço e terminou a carreira como seu grande freguês dentro de quadra.

“Para o público se relacionar com alguém da mesma forma que o faz com Roger, acho que é preciso enxergar certa vulnerabilidade na pessoa. [...] Acho que as pessoas querem ser capazes de se identificar com alguém. Então, quando Roger não consegue ajeitar alguma coisa no trabalho, elas podem pensar que ele, em alguma medida bem mínima, é gente como a gente. E ele não vai nos dar um motivo. Ele não é inseguro a ponto de ter que se defender”, disse Roddick a Clarey.

O autor concordou que, entre todos os entrevistados do livro, o divertido ex-tenista é o dono dos melhores insights para definir seu biografado.

Com uma proposta mais interpretativa sobre o suíço, o jornalista traça os principais acontecimentos de sua vida, carreira esportiva e negócios, sempre na busca de relacionar os fatos objetivos à construção da figura. Os jogos mais importantes merecem detalhamento maior, mas sem exagero descritivo ou de números que poderiam afastar o leitor menos afeito ao jogo de tênis.

Apesar da cortesia e da exposição como tenista, Federer permanece reservado e permite pouquíssimo acesso à sua vida familiar e intimidades, o que não prejudica a proposta principal da obra: conhecer o tenista que, como ninguém, “abraçou todos os aspectos do esporte com tamanho entusiasmo”.

Capa com fundo verde e foto de Federer vestido com uniforme escuro
Capa do livro "Federer: O homem que mudou o esporte", de Christopher Clarey - Divulgação

Federer: O homem que mudou o esporte

  • Preço impresso: R$ 69,90 / ebook: R$ 46,90
  • Autoria Christopher Clarey
  • Editora Intrínseca
  • Páginas 432

Frases do livro que ajudam a conhecer Roger Federer

Acho que subestimamos todo o trabalho que Roger faz, esse é um belo de um problema que ele tem. Subestimamos o trabalho porque, quando vemos Roger jogar, vemos o artista que expressa a si mesmo. Quase esquecemos que ele teve que se esforçar para chegar lá, porque é como assistir a um bailarino. Você vê a beleza e esquece todo o trabalho que está por trás. É preciso trabalhar muito, muito duro, para ser um dançarino tão belo

Pierre Paganini

preparador físico de Federer

Contra Roger, ele não vai olhar atravessado para você, não vai encarar você antes de uma partida ou socar o ar na hora errada. Ele simplesmente não lhe dá nada, o que é estranho de fazer com alguém que está no seu caminho no que diz respeito à sua profissão. Provavelmente, isso o ajudou demais. Em uma década cheia de caras, na qual tudo o que queríamos era um motivo para mergulhar de cabeça, ele não ia com você para a sarjeta. Não dava para transformar a disputa numa briga de rua

Andy Roddick

ex-tenista americano número 1 do mundo

Quando vejo Roger em dia, sempre falo que o que ele faz na quadra é extraordinário, mas o que de fato é fora de série é a maneira que ele encontrou para cuidar da própria vida. Você tem à disposição, em todos os lugares, toda sorte de luxos, pessoas lhe dando coisas que você nem pediu, e aí você entra na quadra e o jogo não se importa com isso. O jogo não quer saber onde você dormiu, o que você fez, quantas pessoas conhece. O jogo é puro, e Roger conseguiu nos últimos vinte anos ir lá e jogar com humildade e a mesma conexão para continuar vencendo as partidas. A maneira como ele aborda o trabalho - e, sim, podemos chamar de trabalho -, a dignidade, o nível de concentração... Dessa perspectiva, ele é um modelo para mim

Christian Marcolli

psicólogo que trabalhou com Federer

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