Brasileiro tem 28% menos trocas de técnicos em 1º ano com limite de demissões

Mudanças de comando na competição ainda superam as das principais ligas europeias

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São Paulo

Os clubes da Série A do Campeonato Brasileiro reduziram em 28% as trocas de técnicos na edição 2021 em comparação com a anterior. Foi a primeira disputa do Nacional após a adoção de uma regra para tentar limitar as demissões de treinadores.

Apesar da diminuição, a realidade da elite nacional segue distante de se equiparar aos principais centros do futebol mundial, segundo o levantamento realizado pela Folha com dados de 19,8 mil partidas das últimas cinco temporadas em 12 países.

Enquanto o Brasil registrou 1,2 troca por clube, essa taxa foi de 0,4 na Espanha e 0,2 na Inglaterra, por exemplo.

A queda de Renato Gaúcho no Flamengo, após derrota para o Palmeiras na final da Copa Libertadores, fechou uma lista com 23 trocas de técnicos ao longo do campeonato. Na edição anterior da competição, houve 32 substituições no comando.

Renato Gaúcho durante derrota do Flamengo para o Palmeiras na Libertadores
Renato Gaúcho durante derrota do Flamengo para o Palmeiras na Libertadores - Agustin Marcarian - 27.nov.2021/Reuters

Um contraste chama a atenção nos extremos da tabela de classificação. À exceção do time carioca, as outras cinco equipes mais bem colocadas no Brasileiro e qualificadas diretamente para a próxima Libertadores começaram e terminaram o torneio com os mesmos técnicos.

No ano passado, apenas três clubes não haviam mudado de treinador durante a competição (Atlético-MG, Ceará e Grêmio).

Destaques nesta edição foram os trabalhos de Cuca no Atlético-MG, campeão nacional depois de 50 anos, e de Juan Pablo Vojvoda e Maurício Barbieri, responsáveis pelas vagas inéditas do Fortaleza e do Red Bull Bragantino, respectivamente, na competição internacional. Palmeiras e Corinthians também não trocaram de comandante.

No outro extremo, a Chapecoense, rebaixada na última colocação, foi a única equipe a mudar de comando em três ocasiões.

Para efeito estatístico e de padronização entre as ligas presentes no levantamento, foram considerados todos os profissionais que completaram no mínimo três partidas consecutivas à frente das equipes, além daqueles que iniciaram ou terminaram as competições ocupando o cargo. Os dados são do site Transfermarkt.

A regra que busca conter a famosa dança das cadeiras no futebol brasileiro foi confirmada pela CBF em março, após aprovação apertada no conselho dos clubes: 11 votos a favor e 9 contra.

Segundo a norma, válida nas séries A, B e C, cada clube pode realizar apenas uma demissão sem justa causa durante o campeonato. Caso um segundo técnico seja mandado embora, o substituto deverá ser um funcionário empregado há pelo menos seis meses –como um auxiliar fixo ou um treinador das categorias de base, por exemplo.

Cada comandante também pode se demitir apenas uma vez se ainda quiser assumir outra equipe na competição. O texto não prevê, contudo, quaisquer limitações para as rescisões realizadas em (ou informadas como) "mútuo acordo" entre diretoria e treinador.

Na prática, o argumento pode ser usado como brecha para que um desligamento não seja computado dentro do limite, como observa o presidente da Federação Brasileira dos Treinadores de Futebol (FBTF), José Mário Barros, o Zé Mário.

"Nós aprovamos a regra e achamos que [a redução] já foi um reflexo. Apesar de que ainda houve muitos pontos burlados, às vezes pelos próprios treinadores, no sentido de dizer que foi em comum acordo para ajudar a diretoria ou receber uma rescisão mais rápido", avalia.

Especialistas consultados pela Folha dizem ainda não ser possível confirmar uma correlação entre a nova regra e o número menor de trocas. Como mostra o próprio levantamento, houve apenas uma substituição a mais em 2017, antes da novidade no regulamento.

Para João Paulo Medina, ex-assistente da seleção brasileira e fundador da Universidade do Futebol, a longevidade dos técnicos nas equipes de melhor desempenho se deve aos bons resultados, e não o contrário.

"Sou favorável à regra como um primeiro passo. Mas, para ir na raiz da questão, entendo que as trocas vão diminuir à medida que os clubes tenham verdadeiramente um projeto desportivo. Alguns têm um bom planejamento de gestão, e isso tem avançado, mas não têm projeto desportivo. Ainda vemos o ‘ganhou é bom, perdeu é ruim’ na base de muitas decisões", afirma Medina.

Pesquisador da Universidade do Esporte da Alemanha e autor de um amplo estudo sobre o tema publicado em 2020, o mestre em gestão esportiva Matheus Galdino concorda com a avaliação.

"As trocas, em sua maioria, são decisões opinativas e especulativas. Os clubes, em geral, não acreditam em processos, e sim na entrega de serviços temporários", resume.

De acordo com a pesquisa, apresentada à CBF no ano passado, as estatísticas coletadas desde 2003 no Brasil revelam três aspectos preponderantes para a dispensa de treinadores no país. São eles: o acúmulo de pontos em janelas sequenciais de quatro partidas disputadas, as expectativas superestimadas no início das competições e as quedas em torneios de mata-mata.

"Está demonstrado que um treinador precisa de pelo menos sete jogos para começar, de forma parcial, a influenciar nos resultados. Paralelamente, o tempo médio de permanência é de 65 dias, ou entre sete e dez jogos. Ou seja, quando o treinador começa a entregar a sua influência, já está sob pressão", explica Galdino.

De acordo com o pesquisador, o risco de demissão ainda é 182% maior no quarto jogo depois de uma eliminação na Libertadores. "A sequência é ameaçada pelo mata-mata, que depende inclusive da sorte, enquanto a competição de regularidade é a única que você consegue de fato planejar", analisa.

O consultor Ivan Furegato, diretor da Associação Brasileira de Gestão do Esporte (Abragesp), lembra que a nova regra, e principalmente uma nova cultura, podem contribuir também com os cofres dos clubes.

"Ela cria uma obrigação, por assim dizer, de se errar menos nas contratações. A diretoria manda um ou mais técnicos embora e mexe no elenco em função das preferências de cada treinador, mas continua obrigada a pagar os contratos integralmente. Isso pesa muito nas dívidas e na parte jurídica", ressalta.

Tradicionalmente, muitas substituições ocorriam nas rodadas finais, quando as diretorias apostavam na renovação como um último fôlego na luta contra o rebaixamento. Neste ano, observou-se uma mudança nesse padrão.

Na parte de baixo da tabela, os rebaixados de 2021 (Grêmio, Bahia, Sport e Chapecoense) fizeram, somados, oito trocas até a 29ª rodada. No ano passado, os quatro últimos (Botafogo, Coritiba, Goiás e Vasco) haviam realizado juntos 13 alterações até a 34ª rodada.

Mesmo com a redução em 2021, o Brasileiro ainda não se compara às principais ligas do mundo nesse quesito, com 1,2 técnico por equipe.

Com o mesmo número de times e igual formato de disputa, a Premier League registrou apenas quatro mudanças, enquanto os campeonatos Espanhol e Italiano tiveram sete trocas cada um na última temporada completa.

Os clubes de Portugal substituíram seus treinadores em 15 ocasiões ao todo (média de 0,8 por equipe), e os da Alemanha promoveram 12 alterações (0,7). Na vizinha Argentina, o número também foi consideravelmente inferior: 18 no total, ou 0,7 por equipe.

A exceção é a Turquia. Na última temporada, foram contabilizadas 37 mudanças na primeira divisão do país: média de 1,8 por clube.

"Sempre voltamos à questão do calendário. Como vamos avaliar a qualidade do trabalho do treinador? Você vai avaliar muito mais a gestão do grupo do que o treino. Porque treino, mesmo, quase não tem. Praticamente é só jogo, recuperação e conversa", conclui Medina.

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