XP quer viabilizar liga de clubes e vê chance de torneio competir com a Premier League

Head do banco de investimentos, Pedro Mesquita finaliza a proposta a ser apresentada

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São Paulo

Pedro Mesquita, 36, estava em Belo Horizonte, no final de 2021, após o anúncio de que Ronaldo havia comprado o Cruzeiro. Foi quando recebeu mensagem de um torcedor a lhe perguntar: o que gostaria de ganhar de presente?

Seria um agradecimento pelo clube, em situação financeira dramática, ter um novo dono. A chegada do Fenômeno, significava a luz no fim do túnel.

Pedro Mesquita na sede da XP, na Vila Olímpia, em São Paulo
Pedro Mesquita na sede da XP, na Vila Olímpia, em São Paulo - Ronny Santos/Folhapress

Mesquita sabia o que queria.

"Pedi uma camisa do Cruzeiro, modelo de 1994."

Acabou atendido. Foi naquela temporada que ele entrou em campo de mão dada com Ronaldo em partida do Alfenense, onde seu pai era diretor, contra o time da capital, pelo Campeonato Mineiro.

Vinte e oito anos depois, ele vê a chance de mudar o futebol. Formado em administração pela Fundação Getúlio Vargas, é head do Banco de Investimentos da XP. A instituição financeira foi responsável por captar os investidores que compraram Cruzeiro (Ronaldo) e o Botafogo (o americano John Textor).

Agora a XP pretende apresentar às equipes um projeto já formatado e com investidor definido. A proposta é a criação da liga de clubes. Oferta que pode, segundo Mesquita, mudar o patamar do esporte no país, internacionalizá-lo e, a longo prazo, fazê-lo competir com a Premier League, o torneio nacional de times mais rentável do planeta.

Em entrevista à Folha na sede da XP na Vila Olímpia, zona sul de São Paulo, na última quarta-feira (2), ele mostrou otimismo que às vezes parece tão exagerado quanto inabalável com o futuro, caso a liga saia do papel.

"Todo mundo é descrente até que o negócio aconteça. Já está acontecendo e o futebol do Brasil vai mudar. A liga vai acontecer e nós queremos ter um projeto", afirma o torcedor do Cruzeiro. Ele acredita que até o final deste ano, mais da metade das 25 principais equipes do país serão sociedades anônimas.

Folha: Você tem procurado por clubes que podem virar SAF ou tem sido mais procurado por eles?

Pedro Mesquita: (Rindo) Tenho sido mais procurado. Infelizmente, não dá para abraçar o mundo e fazer tudo porque a gente tem os nossos negócios na XP e, sinceramente, pelo volume de dinheiro das transações, fazemos muitos outros negócios maiores do que esses [do futebol]. Estamos realmente tentando desenvolver o mercado. A gente restringiu a um universo de 30 times para que possamos fazer um bom trabalho. Tem clube pra caramba.

Há clubes que veem o projeto de SAF como uma salvação.

Estamos em momento único do futebol brasileiro não só por conta da SAF. Nosso grande projeto hoje na XP é montar a liga de clubes no Brasil.

Mas qual o modelo possível para a liga?

É muito claro que o Brasil precisa deixar de ser um país exportador de jogadores para ser um país que exporte seu campeonato. Para isso acontecer, tem de haver uma organização. Uma centralização dessas negociações e um modelo que não será criado. Será replicado um modelo que deu certo fora do Brasil, principalmente nas ligas europeias. O Brasil não tem que inventar a roda.

Este modelo é o da Premier League?

Tanto a língua inglesa, quanto a língua espanhola têm modelos muito parecidos de gestão de receita. É claro que o Barcelona e o Real Madrid se destacam na Espanha por um tamanho muito grande perto dos outros, mas se você for ver, as regras são muito parecidas com as inglesas: 50% [do dinheiro] divididos igualmente, 25% variáveis de acordo com a posição na tabela e 25% segundo outras variáveis. O momento é agora. A criação da SAF traz para o Brasil o profissionalismo.

Este profissionalismo é o modelo das sociedades anônimas?

Claro que o clube não precisa ser SAF para ter um modelo de gestão eficiente, mas se ele não é SAF acaba caindo no sistema político em que o presidente precisa ser reeleito e muitas vezes quem tenta ser austero no controle de custos não consegue se reeleger porque não investiu [no futebol]. É impressionante como com pouca coisa você consegue melhorar a situação do clube. Pouca coisa que eu digo é controle de custos, controle de gastos. Um clube gerido como empresa já vai trazer um ganho enorme. A gente vê isso na pele quando olha a transição de Cruzeiro e Botafogo.

Há os que são fanáticos e no final querem ver o time ganhar título, só que o time ganha título por consequência de um trabalho de médio ou longo prazo. Primeiro tem de haver o saneamento no clube com uma gestão eficiente. Não dá para a gente ter um campeonato onde não tenha um fair play financeiro, não é?

A XP quer administrar a liga de clubes no Brasil?

Nós não temos interesse em tocar a liga e não seremos parte da do funcionamento da liga no futuro. O que queremos fazer é formatá-la, trazer o investidor e que os clubes possam se estruturar. Nós não somos uma empresa que pretende ser gestora da liga. A gente tem interesse em fazê-la dar certo e hoje a gente conta com a credibilidade de ser uma empresa reconhecida para conseguir fechar essas pontas. A ponta principal aqui é fazer um formato com o operador e um investidor. Nós estamos muito próximos disso. A gente acredita que até no final deste trimestre já teremos projeto montado, com o investidor fechado e o valor da liga pronto. Assim os clubes poderão identificar, avaliar essa possibilidade e fazer aí uma virada de mesa do futebol brasileiro. Pelas nossas contas os clubes triplicariam suas receitas com a liga dos clubes no Brasil.

É possível entender certa descrença com relação à liga porque já houve outras tentativas e nada aconteceu. Uma delas foi o Clube dos 13, que acabou porque os clubes brigaram por mais dinheiro. Por que desta vez seria diferente?

Todo mundo é descrente até que o negócio aconteça. Já está acontecendo e o futebol do Brasil vai mudar. A liga vai acontecer e nós queremos ter um projeto. Hoje eu sinto uma vontade de profissionalizar e ter a criação da liga. O perfil dos dirigentes mudou muito. Claro que com mais clubes se tornando SAF isso [a perspectiva de criação da liga] vai melhorar ainda mais. Mas tenho conversado com outros presidentes.

Qual a garantia que um clube grande, que não é SAF, não vai eleger um presidente que tenha outra mentalidade e queira mudar tudo?

Acho que o possível sucesso de Cruzeiro e Botafogo vai fazer com que outros clubes sofram uma pressão interna para que também virarem SAF. É um processo natural. No final, quem manda é a torcida. Eles [os dirigentes] não vão aguentar a pressão. Claro que o modelo tem de ser bem feito. Por isso, a gente tomou muito cuidado em trazer tanto para Cruzeiro quanto para Botafogo projetos que tenham uma cabeça de gestão de longo prazo. Desportivamente, o resultado pode vir mais rápido ou um pouco mais devagar, mas vai chegar porque o mato é muito alto [os problemas são muito grandes] e o ganho de gestão é muito fácil.

Se o modelo aplicado é o da Europa, a ideia seria vender parte da liga para um investidor. Quanto valeria a liga de clubes no Brasil?

Não sei. Mas a liga da Espanha está vendendo 8,8% por 2 bilhões de euros (R$ 12,2 bilhões). A gente tem de vender o menor percentual possível pelo maior valor porque a liga vai valorizar muito. Todo fundo que entrar vai querer ganhar dinheiro, então temos de vender o menor percentual pelo maior valor.

Mas como é possível imaginar a liga brasileira a competir no mercado com a Premier League, por exemplo?

O Brasil, na minha opinião, a longo prazo, tem mais potencial que o futebol inglês. Nós formamos talentos, eles não formam tantos. O Brasil exporta mais de 400 atletas por ano. Imagine os clubes investindo mais na base, quantos atletas mais não poderiam formar? De 2001 a 2004, cada jogo da Premier League valia 3,6 milhões de libras em direitos de TV (R$ 25,6 milhões em valores atuais). Hoje são 10,2 milhões de libras por jogo (R$ 72,6 milhões). Por que que isso não pode acontecer no Brasil? Os clubes não seguram talentos, não formam um espetáculo. Então a gente precisa formar um espetáculo. Esse virou nosso grande projeto hoje porque vamos continuar ajudando os clubes a virarem SAF e a encontrarem grandes investidores.

O que você fala então, é um projeto de exportar as transmissões, a imagem dos clubes e as partidas da liga brasileira, não os jogadores.

Por que que o pessoal lá da China põe a camisa do Haaland [do Borussia Dortmund] e não a do Flamengo? Nós estamos no fundo do poço. Por que XP quer fazer isso [a liga]? Queremos fazer isso porque com o sistema mais profissional, vamos fazer mais transações dos clubes. Criamos um mercado de compra e venda de empresas. Isso é o que a gente faz da vida. Futebol é um negócio. O clube gerido de maneira profissional e com mais dinheiro, vai fazer uma categoria de base mais forte, vai investir mais no garoto, vai tirar mais gente da pobreza e vai trazer a ascensão social para essas pessoas. Você quer um trabalho social maior do que esse?

Quantos clubes brasileiros serão SAF no futuro próximo?

Vamos pensar que no Brasil há pelo menos 25 clubes com bom número de torcedores. Eu acho que a gente vai chegar no final deste ano com quase a metade desses times já sendo SAF.

É interessante que no Brasil o investidor chega com status de ídolo. O John Textor foi quase carregado nos ombros pela torcida do Botafogo no aeroporto.

Isso é muito louco. É a carência do torcedor que não vê expectativa para o seu time. O Botafogo não ganha um título expressivo desde 1995. Que bom que o Botafogo tomou essa decisão porque eu acredito que o projeto vai dar muito certo. Quem entrou primeiro vai colher os frutos primeiro, é normal no futebol. Textor ficou louco com aquela recepção que não foi combinada, os torcedores descobriram (o número do voo). Imagina esse cara no primeiro jogo do Botafogo... Isso é um ativo. O brasileiro é engajado. Brasileiro é um dos públicos mais engajados nas redes sociais. Já viu Twitter de time brasileiro? É uma maluquice. É um mega ativo. Brasileiro faz canto, faz faixa. Eu fui para Belo Horizonte [quando fechou a venda do Cruzeiro] e foram me entregar presente. Não para o Ronaldo. Para mim!

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