Enfraquecida por Bolsonaro, lei do clube-empresa afasta interessados

Vetos a tributação especial criam empecilho, e parlamentares tentam derrubá-los

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São Paulo

A legislação que permite aos times a conversão para o modelo de Sociedade Anônima do Futebol (SAF), conhecida como lei do clube-empresa, completa um mês de vigência nesta quinta (9), sem adesões até o momento. Os motivos apontados para isso são os vetos do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que implicam na questão da tributação.

A lei foi publicada no Diário Oficial da União no dia 9 de agosto, e os parlamentares têm se articulado desde então para a retomada do texto originalmente enviado à sanção presidencial. O assunto passa a ser analisado no Congresso nos próximos dias. São necessários ao menos 257 votos de deputados e 41 de senadores para a derrubada dos vetos.

Red Bull Bragantino e Cuiabá são os únicos integrantes da Série A que adotaram modelo empresarial - Alexandre Schneider/Reuters

Os políticos têm sido procurados por dirigentes que flertam com a possibilidade de aderir ao modelo de clube-empresa, desde que com uma tributação diferenciada, como estava previsto anteriormente. Autor do projeto e presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) costura acordo com o líder do governo no Congresso, o senador Eduardo Gomes (MDB-TO).

Nomeado por Pacheco para ser o relator da SAF, o senador Carlos Portinho (PL-RJ) disse à Folha que as restrições impostas por Bolsonaro, sob orientação do Ministério da Economia, “atingem o coração do projeto”.

Hoje a maioria dos times de futebol é constituída como entidade sem fins lucrativos. Dessa forma, contam com isenções totais ou parciais de alguns tributos, como o Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social Sobre Lucro Líquido (CSLL).

Portinho propôs a Tributação Específica do Futebol (TEF), que consiste na arrecadação de 5% de toda a receita bruta nos cinco primeiros anos, o que inclui aporte de patrocinadores, vendas dos direitos de televisionamento, bilheteria, programa de sócio-torcedor, entre outros.

A partir sexto ano, essa alíquota para o time que aderir à SAF será de 4%, mas englobará a receita com venda dos direitos econômicos de atletas.

Bolsonaro rejeitou a TEF. Com isso, a equipe que se converter em SAF passará a pagar os mesmos tributos de uma empresa comum.

Ao instruir Bolsonaro, o Ministério da Economia afirmou que o modelo de tributação do texto original do projeto de lei acarretaria na renúncia de receita. O órgão também disse que a proposta deveria ter sido acompanhada de um estudo com a estimativa do impacto financeiro e orçamentário ao governo.

Portinho rebate o argumento. “Não existe renúncia fiscal ou de receita, porque no modelo atual o governo não arrecada nada ou pouco arrecada”, diz o senador. “Os vetos atingem o coração do projeto. Se for mantido, nascerá morto. A justificativa do veto não é verdadeira. Anexamos, sim, um relatório que mostra como o impacto [ao governo] será positivo, porque vai gerar um aumento de arrecadação de 20% a 30%, ao menos."

Procurado pela Folha, o Ministério da Economia afirmou que não irá se manifestar.

Especialistas e profissionais do futebol consideram que os vetos tendem a desencorajar os investidores e os cartolas.

“O veto aos artigos da TEF é um grande desincentivo. As associações [os clubes de futebol] gozam de uma série de isenções, e a transformação em empresas representará um incremento de praticamente 30% nas alíquotas tributárias”, diz o advogado Pedro Teixeira. “Hoje as associações têm uma carga tributária de aproximadamente 5% e passariam para 34% do dia para a noite.”

Antes do projeto virar lei, já era permitido aos times de futebol adotar o modelo empresarial disponível na legislação brasileira. Entre os 20 times da Série A, apenas o Cuiabá e o Red Bull Bragantino são clubes-empresa.

Outras equipes, como Athletico, Atlético-GO e América-MG têm projeto de aderir ao formato, porém, aguardam a movimentação política para tal.

“O projeto da SAF é muito interessante, dará segurança ao investidor, mas é preciso de uma mudança na área tributária. Lógico que quem é associação, hoje, será contra o aumento dos gastos com impostos”, afirma Marcus Vinícius Salum, presidente do conselho de administração do América-MG.

Para Rodrigo Rosa, consultor legislativo da presidência do Senado, o veto à TEF alimentará vícios de agremiações mal administradas e espantará o investidor.

“A questão tributária é uma das barreiras à SAF. Torna-se uma blindagem no futebol. Os dirigentes se escudam na imunidade tributária, mas ao mesmo tempo não provêm ou buscam outras medidas para melhorar a gestão e torná-la mais profissional”, afirma Rosa.

Outro veto que tende a esvaziar o interesse pela proposta é o de afastar a possibilidade da SAF captar recursos através de títulos na Comissão de Valores Mobiliários, como ações em bolsas de valores e a isenção do imposto de renda para o investidor que adquirir "debênture-fut".

Debêntures são títulos de dívida emitidos por empresas para captar recursos no mercado privado e com isso bancar suas atividades. Essa transação nunca existiu no futebol. Bolsonaro manteve a criação da debênture, mas rejeitou a isenção.

“É preciso criar incentivos para que uma atividade [futebol] que há 120 anos é subsidiada pelo estado possa migrar da posição de associativa para um ambiente de mercado com regulamentação”, explica o advogado Rodrigo Monteiro de Castro, autor do livro "Futebol e Governança".

“São vetos que não ajudam atrair o investidor. Se mantidos, passa a ser um projeto que somente visa à recuperação judicial do clube. Ao final, o futebol continuará com suas ineficiências e o predomínio dos cartolas”, completa.

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