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Projeto na escolinha de Elias, ex-Corinthians, oferece curso e sonhos além do futebol

Parceria com a ONG Educ360º dá aulas sobre programação de games

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São Paulo

Enoque Trindade, 54, confere os nomes dos meninos que entram no campo. Observa se constam em sua planilha. O último deles está de cabeça baixa. Parece encabulado.

"Por onde você andava? Por que não veio mais?", quis saber o professor.

Cainã Lellis da Silva, 16, aluno das aulas de programação de games do Educ360º e da escolinha de futebol do Projeto Elias
Cainã Lellis da Silva, 16, aluno das aulas de programação de games do Educ360º e da escolinha de futebol do Projeto Elias - Karime Xavier/Folhapress

Com a voz quase sussurrada, o garoto explica ter tido "problemas pessoais". A mãe não teve como avisar e a avó, que costuma passar pelas redondezas, também não o fez.

"Já resolveu esses problemas?"

O aluno balança a cabeça. Sim.

"A vida é feita de obstáculos. A gente está aqui para superá-los e não se esconder deles. Se acontecer qualquer coisa, venha até nós", pede o instrutor da escolinha de futebol.

Chamar o Projeto Elias, no Parque Vila Maria, zona norte de São Paulo, de escolinha é reduzi-lo a muito menos do que é de verdade. E isso adolescentes como Walace Keysutone, 15, e Cainã Lellis da Silva, 16, descobriram logo. São dois dos jovens que fazem parte da parceria do projeto com a ONG Educ360º, que oferece curso de programação para games.

Walace já terminou as aulas e despertou interesse de empresas com as quais a entidade possui acordos. Por causa do horário escolar ainda não foi possível ser contratado. Tornou-se monitor e instrutor reserva do Educ360º enquanto isso. Cainã se destacou na programação mas, como quase todos os outros integrantes da escolinha naquela comunidade carente, tem outro sonho.

"Ainda quero ser jogador de futebol. Mas é bom saber que tenho outra possibilidade. Também comecei a fazer inglês por causa disso. Ser algo relacionado a games me chamou a atenção. Eu gosto de jogar", explica.

O objetivo do Educ360º é formar e dar oportunidade para pessoas de qualquer idade que desejem aprender, mas tal qual a escolinha de futebol do Projeto Elias, vai além disso. Quer abrir os olhos de quem jamais imaginou ter oportunidade real de ascender socialmente. Oferece a educação como a ferramenta.

"A gente sempre fala para eles: programação se pode aprender no YouTube. Aqui é sobre você", afirma Fabio Carmo, CEO da entidade.

Ele começa a elencar as histórias que passaram pelas turmas das aulas online ou presenciais. O caso mais famoso é de um adolescente que cresceu a poucos metros da cracolândia, na capital, e se destacou tanto que foi disputado por cinco empresas diferentes.

Há outro que para acompanhar o curso pegava emprestado o notebook de um amigo e ia a uma pequena padaria na esquina de sua casa porque lá havia sinal de wifi. Só assim podia assistir as aulas.

"A gente deixa claro para eles que existe o curso. Dizemos, basicamente: nós sabemos que vocês sonham em ser jogadores de futebol. Mas se quiserem, estamos aqui; É uma questão de querer", completa.

Foi a oportunidade que Walace agarrou, mas ele é uma exceção. Sempre gostou mais de tecnologia do que de bola. O curso foi o que o atraiu assim que seu avô passou em frente ao Projeto Elias e viu um cartaz a anunciar as aulas.

"Só não sabia que programar um jogo dava tanto trabalho. Antes disso só o que fazia era ajudar meus pais, vender bala na rua...", explica.

Programar dá tanto trabalho quanto aquela que talvez seja sua maior paixão: a música. Depois que começou o curso na ONG, passou a aprender a tocar violino em uma igreja no Parque Novo Mundo, também na zona norte da capital. Empenhou-se tanto que até ganhou um instrumento de presente.

O que vai acontecer na vida dos garotos que comparecem ao projeto é uma preocupação de Enoque, ex-lateral de carreira discreta em clubes do interior e tio de Elias, volante com passagem pelo Corinthians e seleção brasileira. Ele dá nome ao complexo que também oferece biblioteca, cursos, aulas de capoeira e atividades físicas para pessoas da terceira idade.

Elias tinha um caderno em que costumava escrever a frase "quero ser jogador de futebol como o meu tio". Deu certo para ele. Muito certo. Mas Enoque sabe que se tornar profissional é algo que não vai acontecer para quase todos os que passam pela escolinha. Talvez nenhum consiga. Eles precisam de um plano B. Por mais que não queiram.

Da esquerda para a direita: Walace, 15, aluno do curso de programação; Enoque, 54, instrutor da escolinha de futebol; e Fabio, 49, CEO do Educ360º
Da esquerda para a direita: Walace, 15, aluno do curso de programação; Enoque, 54, instrutor da escolinha de futebol; e Fabio, 49, CEO do Educ360º - Karime Xavier/Folhapress

"Aqui não é só futebol. A gente deve estar atento a tudo e notar se há algo diferente com o garoto. Às vezes, ele chega e não tinha café da manhã em casa. Temos de arranjar alguma coisa. E eu falo sobre tudo com eles. Sobre namoradas, uso de preservativos, questões de saúde. É uma relação de confiança que a gente cria", finaliza.

Para os envolvidos no projeto e para Carmo, a melhor oportunidade dos garotos está no curso de programação. Significa uma chance real no mercado de trabalho, em uma profissão em expansão e de constante mudanças. O Educ360º foi procurado pelo Facebook para projetos que envolvem realidade aumentada.

"Ampliou meus horizontes. Nunca pensei nisso antes. Agora já sei que existe essa possibilidade, mas ainda penso no futebol", reconhece Cainã.

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