Envio de bolas pela CBF vira briga com acusação a ex-diretor

Relatório fala em 'sobrepeso' no transporte; empresário diz que cálculo está errado

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São Paulo

Uma auditoria elaborada pelo setor de compras da CBF (Confederação Brasileira de Futebol) afirma ter havido um "sobrepeso", o que levou a um pagamento maior no processo de envio das bolas oficiais para os torneios de futebol pelo país.

O documento fala também em ligação entre um ex-diretor da entidade e a empresa contratada, o que levou a acusações sobre questões políticas entre a antiga administração e a atual.

O memorando interno ao qual à Folha teve acesso foi enviado ao presidente Ednaldo Rodrigues em 3 de junho deste ano. O documento questiona o peso cobrado de frete de cada bola e usa o termo "sobrepeso" para descrever as cobranças.

Bolas são motivo de discórdia na CBF - Carl de Souza - 19.out.22/AFP

Segundo o setor de compras, a responsável pelo serviço era a Speed Jet Serviços e Cargas Eirelli de 2016 até agosto de 2022. Em julho de 2021, foi assinado aditivo ao documento autorizando que os pagamentos fossem feitos à Target Express Serviços e Cargas Eirelli.

A Target pertence a Almir Bossan, ex-sócio de Fernando França na LA Express Logística e Transportes. França foi diretor de Tecnologia da Informação da CBF e chegou à entidade por indicação do ex-presidente Marco Polo del Nero, durante a administração de José Maria Marin (2012 a 2014). Saiu no início do mandato de Ednaldo Rodrigues, eleito em março deste ano.

No contrato original entre CBF e Speed Jet, consta a assinatura de Fernando França como testemunha. No aditivo com a Target, ele dá o aval como diretor.

Em contato com a Folha, Almir Bossan e Fernando França negaram qualquer influência do dirigente na contratação da Speed Jet e da Target. Eles reconhecem que foram sócios, mas França afirma que aceitou aparecer no registro para fazer um favor a Bossan e que a companhia nunca entrou em operação.

Para ambos, trata-se de uma questão política que tem como objetivo atingir Marco Polo del Nero, suspenso do futebol pela Fifa (Federação Internacional de Futebol) por seu suposto envolvimento em caso investigado pelo FBI, a polícia federal americana, sobre corrupção no futebol –o Fifagate.

"Eu fiz um serviço emergencial para a CBF para coletar uniformes de treinamento da seleção em Brasília e levar para Manaus. Eles entraram em contato comigo dois meses depois porque a empresa que estava mandando as bolas prestava um serviço ruim. Eu ganhei uma concorrência. Eles querem pegar uma situação minha, que é limpa, para ferrar o Fernando", afirma Bossan.

"Foi um processo lícito, de concorrência. Eu tenho minha consciência tranquila", rebate França.

O diretor era visto internamente na confederação como um homem de confiança de Del Nero e ocupava uma posição estratégica: a do sistema de computadores.

"Eu entrei quando o presidente era Marin. Nunca fui ligado politicamente a ninguém. Eu fazia o meu trabalho", contesta.

O memorando do setor de compras diz que o contrato "já estava em fase de reavaliação devido aos altos valores pagos à empresa Target Express". Cita o caso de duas notas fiscais, de número 87 e 95, que totalizam R$ 115.130,62. A primeira era para o envio de 68 bolas de futebol de areia para a FPF (Federação Paulista de Futebol). Outra se refere a 30 bolas de futebol para a FAF (Federação Amazonense de Futebol).

De acordo com o documento, o valor cobrado seria como se cada unidade pesasse 5,25 kg para a FPF e 4,36 kg para a FAF.

O peso de uma bola de futebol é de cerca de 450 gramas. Elas não eram enviadas murchas. Estavam com ar, mas não totalmente calibradas.

"Esta rotina de sobrepeso das bolas se repete em todos os demonstrativos de serviços prestados que conseguimos buscar", descreve o documento.

Em nota enviada à reportagem, a CBF diz que a suspensão ocorreu logo após o trabalho de auditoria ter sido concluído. Segundo a confederação, o custo mensal do trabalho realizado pela Speed Jet/Target era de R$ 160 mil mensais, enquanto, com a nova prestadora, caiu para R$ 78 mil.

Para Almir Bossan, chegar a um valor de pagamento pela divisão do peso das bolas é desconhecer totalmente como funciona o cálculo do frete aéreo.

"Se a caixa pesa cinco quilos, nenhuma companhia aérea vai cobrar cinco quilos. Isso não existe. Todas as transportadoras vão cobrar pelo preço cubado. O espaço no avião é limitado, não é cobrado apenas pela dimensão da caixa e pelo peso. É absurdo fazer uma conta tão simples. Não funciona assim", reclama.

Preço cubado ou a "cubagem" é a relação feita entre o peso e o volume da carga que será transportada. É utilizada uma conta que multiplica altura, largura, profundidade e o fator de cubagem. No transporte rodoviário, o fator de cubagem é 300. Mas no aéreo é 6.000.

Especialistas em logística e transporte ouvidos pela Folha não quiseram entrar no mérito específico da disputa entre CBF e Target/Speed Jet, mas disseram que o raciocínio de Bossan está correto.

"Imagine que você vai mandar 50 caixas de caneta, por exemplo. Se a empresa aérea cobrar pelo que pesam as 50 caixas, não vai ter lucro e vai desperdiçar espaço no avião. O cálculo tem de levar em conta os 6.000 do preço cubado", afirma Eduardo Maróstica, especialista em logística e professor de MBA da FGV (Fundação Getúlio Vargas).

Bossan se queixa de que a desorganização da CBF encarecia o frete. Afirma que recebia as bolas em cima da hora e, muitas vezes, tinha de enviá-las pelo frete em que a companhia aérea despachava no voo seguinte, o modelo de envio mais caro disponível.

Também diz que mais de uma vez avisou à CBF que a falta de organização tornava os custos mais altos. Seria mais barato enviar os produtos por meio rodoviário, teria alertado.

"O contrato me obrigava a mandar por frete aéreo", diz ele.

No contrato com a nova prestadora, diz a CBF, estão previstos os transportes aéreo e rodoviário.

"Sempre falei para a CBF que estavam jogando dinheiro fora. Hoje em dia, as notas fiscais da nova prestadora mostram que pagam em média quatro quilos por cada bola. Então, o que mudou?", contesta Bossan, que reclama não ter recebido o pagamento das últimas cinco faturas emitidas no valor total de R$ 127 mil.

A CBF apenas as pagará mediante decisão judicial.

A atuação de Fernando França seria considerada uma infração do atual Código de Ética da CBF. Ele seria obrigado a informar o conflito de interesse no caso, por ter sido sócio do dono de empresa contratada para prestar serviços à entidade. Mas a regulamentação foi implantada pela CBF apenas neste ano.

O ex-diretor reclama que a CBF não pagou sua rescisão contratual e não deu baixa em sua carteira de trabalho.

"Eles estão me atrapalhando em conseguir trabalho. Eu preciso seguir a minha vida. Estou com a consciência tranquila. Fiz minha parte e me dediquei", afirma França.

Em nota, a confederação diz que França alegou ser dirigente sindical e ter direito a estabilidade.

"A entidade informa também que o pagamento da rescisão foi suspenso porque o Sr. Fernando foi reintegrado por ordem judicial", explica o texto.

França não está trabalhando mais na sede da CBF, apesar da reintegração citada.

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