Camisinhas são fáceis de comprar no Qatar, mas pílula do dia seguinte, não

Sexo fora do casamento é crime no país da Copa 2022, e mulher precisa de autorização do homem para certos tratamentos

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Doha (Qatar)

Em um país que restringe os direitos das mulheres sobre seus próprios corpos, a pílula do dia seguinte, apesar de permitida, não é facilmente encontrada em farmácias do Qatar, sede da Copa do Mundo de 2022.

A reportagem visitou farmácias e um supermercado, na capital Doha e em Al Khor. Enquanto camisinhas masculinas são encontradas com facilidade, o contraceptivo de emergência, não.

A pílula foi encontrada somente em uma farmácia em um shopping, no município de Al Khor. Custava cerca de R$ 60, e não era necessária prescrição médica.

Mulher tira foto de monumento em alusão à Copa do Mundo, em Doha, no Qatar - Hamad I Mohammed - 17.out.22/Reuters

Nos outros, os atendentes não sabiam informar se o medicamento era permitido no país ou se havia previsão de abastecimento. Também não foi encontrado no aplicativo de compras Talabat (semelhante ao Rappi), que no momento da consulta mostrava ao menos 45 drogarias abertas.

Além disso, nenhum dos estabelecimentos vendia camisinha feminina. Já o preço das masculinas variava de R$ 15 (pacote com três) a R$ 130.

O Qatar tem sua legislação baseada na sharia, a lei tradicional islâmica. Relações fora do casamento são proibidas, e o casal que se arrisca pode ser preso por até sete anos.

O aborto também é ilegal no país e pode levar à prisão. A discussão sobre o direito de interromper a própria gravidez, presente em países como Brasil e Estados Unidos —de forma mais recente, com a reversão do direito no país norte-americano após a decisão que derrubou Roe vs. Wade—, é um dos principais pontos de tensão quando o assunto são os direitos reprodutivos da mulher e seu poder de decisão sobre o próprio corpo.

Aquelas que optam pelo aborto sem necessidades médicas podem ficar até três anos presas, e os que fornecem a elas meios para a interrupção da gravidez enfrentam pena de até sete anos. Se a pessoa que faz o procedimento é da área da medicina ou farmácia, a condenação pode ser de até dez anos.

O regime qatariano exige de mulheres nativas a autorização de homens, seus guardiões, para ter acesso a certos tratamentos reprodutivos.

O relatório "Tudo o que tenho que fazer é ligado a um homem", da ONG Human Rights Watch, traz relato sobre uma mulher que teve de mentir que era casada e dar o nome de um amigo para ter acesso a um tratamento de urgência para endometriose, uma doença no sistema reprodutivo que pode atingir níveis graves, causar dores incapacitantes e levar à infertilidade.

O documento também indica que mulheres e meninas que não são casadas, mas precisam de avaliação médica ou acesso à pílula contraceptiva, podem precisar de autorização do guardião.

A OMS (Organização Mundial de Saúde) orienta que serviços de saúde sexual e reprodutiva, incluindo informações e métodos contraceptivos para adolescentes, devem ser fornecidos sem a necessidade de "autorização ou notificação obrigatória dos pais ou guardiões, a fim de atender às necessidades educacionais e de serviços dos adolescentes".

Homens ainda são responsáveis por decisões de mulheres que envolvam viagens, trabalho, educação, casamento, também de acordo com a organização Human Rights Watch.

O pai é o primeiro responsável, e, em sua ausência, outros familiares como irmãos, tios ou avôs assumem a tutela. Após o casamento, é feita a transferência para o marido. Em caso de divórcio, a guarda volta para parentes próximos.

A lei exige que as mulheres peçam a separação à Justiça, enquanto homens podem se divorciar de forma unilateral. O sistema concede aos pais a guarda legal dos filhos mesmo se o tribunal tiver ordenado que fiquem com a mãe.

O país é alvo de críticas devido ao sistema, mas é visto como menos proibitivo às mulheres do que outras nações islâmicas.

Teste de gravidez

Uma farmácia de rede visitada pela reportagem em Doha vendia testes de gravidez simples por R$ 131. As pílulas anticoncepcionais custavam entre R$ 45 e R$ 74.

Já em uma drogaria local, um pacote com 12 preservativos custava cerca de R$ 50. Lubrificantes ficavam na casa dos R$ 40.

As camisinhas também eram vendidas em supermercados, onde os preços eram mais baixos. Neles, uma caixa com três preservativos custava R$ 15.

Todos os preservativos encontrados, porém, eram masculinos. Nenhum dos locais visitados pela reportagem vendia camisinhas femininas.

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