Desde dezembro do ano passado, advogados especializados em direito desportivo têm recebido telefonemas de clientes que fazem negociações internacionais no futebol.
A pergunta é sempre a mesma: "e agora?"
"Eles estão com receio porque os agentes estão acostumados a fazer sempre a mesma coisa. Dizem: ‘pô, faço isso há 30 anos, não tenho direito a um salvo-conduto?’ Respondo que dirigem há 30 anos, mas têm de renovar a carteira de motorista", afirma o advogado Cristiano Caús.
O escritório dele é um dos que começou a organizar curso direcionado a empresário em atividade no futebol brasileiro e que precisarão realizar uma prova redigida pela Fifa para continuarem no mercado. A primeira será em abril deste ano. Das 20 perguntas, será necessário índice de 75% de acerto. Quem não passar, não ficará impedido de intermediar transferências.
A volta do teste, aplicado até 2015 e banido desde então, foi aprovada pelo conselho da Fifa no final de 2022 e passou a valer em 9 de janeiro deste ano. Segundo a entidade, é um passo para "estabelecer um sistema de transferências mais transparente."
Além da introdução da prova e da licença oficial para trabalhar, a entidade que controla o futebol vai limitar as comissões pelas intermediações de transferências. O máximo a ser recebido pelo agente será 3% do salário do jogador representado, a mesma porcentagem caso cuide dos interesses do clube comprador e 6% se trabalhar em nome das duas partes.
Caso atue para o vendedor, poderá ficar com, no máximo, 10% da transferência.
Ao contrário do que acontece hoje em dia, o empresário não poderá mais representar o atleta, o time comprador e o vendedor, expediente usado para maximizar o dinheiro que recebe.
Quando o meia francês Paul Pogba foi negociado pela Juventus (ITA) com o Manchester United (ING), em 2016, o italiano Mino Raiola (1967-2022) azeitou os interesses de todas as partes envolvidas e embolsou 27 milhões de euros (R$ 151,4 milhões, pela cotação atual). É este o tipo de situação que a Fifa deseja evitar.
A divulgação da necessidade de ser aprovado em uma prova foi, a princípio, o detalhe que mais chamou a atenção dos empresários brasileiro. Preocupou a vários, mas nem todos.
"Eu acho que vai ser uma boa coisa para o mercado. Vai melhorar. Hoje em dia, para fazer negócio na Turquia, é preciso ter um intermediário turco. Se for na França, um francês. Não tem sentido. É como querer casar e ter de chamar uma terceira pessoa para o casamento", compara o empresário Luiz Augusto Carvalho, que realiza transações com vários dos principais clubes do país.
A mudança é uma admissão de culpa da Fifa. Em 2015, a entidade promoveu mudança que fez crescer o número de agentes no mundo do futebol. Eles passaram a ser chamados de intermediários e a ideia era desburocratizar. Para estar autorizado a trabalhar no Brasil, por exemplo, era necessário preencher formulário, pagar uma taxa à CBF (Confederação Brasileira de Futebol), ao redor de R$ 5.000, e apresentar atestado de bons antecedentes.
No site da confederação, estão listados 1.663 intermediários. O número é enganoso. Estão registradas pessoas jurídicas com nomes de agências, cada uma com vários agentes.
" [A prova] vai servir para limpar um pouco o mercado. Há gente demais. Eu só não sei muito bem o que esperar dessa prova. Deve ser difícil. Mas se for muito fácil, qualquer um pode passar", lembra Flavio Arão, pai e agente do volante Willian Arão, atualmente no Fenerbahce (TUR).
A prova vai abordar cinco documentos utilizados pela Fifa: o regulamento de transferências, o de agentes, o código disciplinar e ético, o estatuto da Fifa e as normas de proteção a menores.
"Vai servir como uma espécie de filtro. Como se fosse uma prova da OAB [Ordem dos Advogados do Brasil]. Por isso que organizamos curso para os nossos clientes. Eles vão precisar treinar para continuarem a exercer a profissão", completa Caús.
A maioria está acostumada a, em caso de assuntos técnicos do mercado de transferências, apelar apenas a advogados especializados. Isso deverá continuar acontecendo, mas a estratégia da Fifa é fazer com que os agentes tenham consciência da legislação e não sejam meros aventureiros. Caús afirma que na transferência do meia Bruno Guimarães do Lyon (FRA) para o Newcastle (ING) foi necessário examinar e assinar dez contratos diferentes.
O consenso para os empresários é que, no fundo, o maior objetivo da Fifa é ter um número menor de pessoas atuando na área.
"É preciso. Tem muita gente. E se você faz uma transação internacional, paga comissão para um agente de outro país que não teve nada a ver com a negociação", lembra Carvalho.
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