Descrição de chapéu Campeonato Paulista

Ângelo pediu de joelhos para ir ao Santos e hoje convive com as cobranças

Atacante de 18 anos é revelação do clube, mas sofre por ser Menino da Vila em época sem títulos

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Santos

Ângelo estava prestes a completar dez anos, mas já compreendia o que aquilo significava. Ajoelhado de frente para dona Idene, chorava e repetia sem parar, à beira do desespero:

"Me deixa ir, mãe, por favor. É o Santos!".

O casal Idene e Elismar não queria nem ouvir falar naquilo. Como aquela criança poderia ir morar sozinha tão longe? Eles já tinham recusado ofertas parecidas do São Paulo e do Grêmio. Os dois precisavam trabalhar e não podiam deixar Taguatinga, no Distrito Federal, onde a família morava.

Ângelo ganha de marcador em partida contra o Atlético Mineiro, no Brasileiro do ano passado
Ângelo em ação no Campeonato Brasileiro do ano passado - Ivan Storti - 5.out.22/Santos FC

A insistência foi tão grande que eles aceitaram. Ao lado de outro amigo, Yan, hoje no time sub-20 alvinegro, ele se mudou para a Baixada Santista. A mãe comprou um celular para fiscalizar onde o filho estava o tempo todo. Ligava à manhã, à tarde e à noite. Foi um sacrifício. Em pouco tempo, o menino estava em casa em Santos e no Santos.

Para o bem e para o mal, tudo aconteceu muito rápido para Ângelo Gabriel Borges Damaceno. Hoje com 18 anos, ele já tem 102 jogos pela equipe de cima. O primeiro deles, aos 15, tornou-o o segundo mais jovem a atuar na formação profissional da história santista. Mais novo do que Pelé. Apenas Coutinho (aos 14) entrou em campo com menos idade.

O atacante balançou a rede na Libertadores três meses após ter completado 16 anos. Um recorde no mais importante torneio sul-americano.

O jovem é visto como a principal fonte de receitas futuras da diretoria em vendas para o exterior. Na última semana, proposta do Nottingham Forest, da Inglaterra, foi recusada.

Ângelo carrega também parte da responsabilidade ofensiva de um clube que atravessa seu maior jejum de títulos desde 2002. O Santos não venceu um torneio após o Campeonato Paulista de 2016. Nas duas últimas duas temporadas, o risco de rebaixamento no Estadual e no Brasileiro foi maior do que a possibilidade de obter o troféu.

Tanta responsabilidade que a cobrança já chegou. Na invasão de torcedores ao centro de treinamento na última quinta-feira (2), ele foi um dos jogadores que mais ouviram queixas. Isso ocorreu, em parte, porque rebatera quem o xingava durante o empate com a Ferroviária, no sábado anterior, no Canindé. Ele depois se desculpou.

Guindado ao grupo profissional por Cuca, o brasiliense agora é dirigido por Odair Hellmann. O camisa 11 afirma sentir imenso orgulho por ser um Menino da Vila. Mas sabe que receber a alcunha nos dias atuais é bem mais difícil do que foi em anos anteriores, quando o time empilhava conquistas.

Com apenas uma vitória em seis rodadas e na última colocação do Grupo A do Paulista, o Santos enfrenta o São Bento nesta quarta (8), às 21h35, no Canindé. Pelo terceiro ano consecutivo, o clube briga para não cair no torneio. Uma situação que irrita e preocupa os torcedores.

"Quando você está no Santos, deve estar disposto a ouvir críticas porque está no maior clube do mundo, no clube que teve Pelé. Nesses últimos anos, foi muito difícil a adaptação aos diferentes estilos dos treinadores. Mas é claro que o esforço é sempre para fazer o Santos voltar ao topo", diz Ângelo à Folha.

Não parece fácil. Ele apareceu como promessa (ou raio, como os santistas amam definir) em 2020, no último elenco que realmente brigou por uma conquista: chegou à final da Copa Libertadores e perdeu para o Palmeiras. Desde então, o clube mergulhou na crise técnica associada ao que parece ser um eterno problema financeiro.

Ser Menino da Vila entre 2003 e 2005 ou entre 2011 e 2013, quando o Santos era o time da moda, era bem mais fácil. Hoje em dia, pode significar ser visto com desconfiança. Ângelo não se importa com isso. Uma das suas principais recordações dos primeiros tempos na Baixada é ir ao Memorial das Conquistas, museu dentro do estádio, e admirar a coleção de troféus.

Também se lembra de ter assistido dezenas de vezes ao documentário sobre o centenário de fundação da agremiação, lançado em 2012.

"Eu sempre quis ser um Menino da Vila. Eu passei a viver o clube intensamente e peguei uma paixão por ele. Cheguei em uma fase em que a equipe ganhava títulos e vi todo o trajeto do Rodrygo, do Gabigol. Foram muitos jogadores bons, e isso me fez amar o clube. Os Meninos da Vila encantam qualquer pessoa, essa ideia de fazer parte desse círculo de craques me apaixonou. Foi aqui que surgiram meus ídolos, não foi?", afirma.

"Quando jogo futebol, eu me sinto feliz. Jogo futebol pela profissão, pelo que posso mudar na vida da minha família, mas também porque eu amo o esporte. A bola é meu objeto favorito, a brincadeira de que mais gosto desde criança. Então, quando jogo futebol, quero sempre me divertir."

Ele é há tanto tempo um nome que o torcedor vê em campo que é muito fácil esquecer que se trata de um garoto de 18 anos. Cuca, que o levou para o Rio de Janeiro no Brasileiro de 2020 e o colocou em campo pela primeira vez nos 15 minutos finais de uma partida contra o Fluminense, no Maracanã, previu isto: o atacante de velocidade pelas pontas oscilaria. Seria normal. Mas o Santos não vive momento em que existe muita paciência com variações técnicas.

Alvo de protestos de organizadas, a diretoria tem mais orgulho do trabalho de tentar colocar as contas em dia do que da qualidade do produto que vem pondo em campo. Ângelo é uma vítima colateral desse processo.

Tudo sempre se deu rapidamente para o menino descoberto em uma escolinha em Taguatinga, a mesma de onde saiu Endrick, do Palmeiras. Um início em que ele não tinha como ir treinar todos os dias por causa das longas distâncias a percorrer. Os treinadores aceitavam que aparecesse apenas nas partidas.

No dia em que embarcou para Santos, deu seu primeiro autógrafo, para uma tia. Ela jurou que aquele rabisco no pedaço de papel, em algum tempo, valeria muito dinheiro porque o sobrinho seria um astro.

Ângelo não sabe onde está essa assinatura. Mas a camisa da estreia no profissional, a de quando foi chamado para integrar o elenco, a do primeiro gol e a da convocação inicial para a seleção brasileira de base estão penduradas na parede do apartamento onde vive com os pais, no bairro do Embaré, em Santos.

Um dos seus momentos de maior orgulho foi quando lhes telefonou para dizer que poderiam parar de trabalhar e ir morar com ele na Baixada. A mãe estranhou tanto que nos primeiros meses distribuiu currículos para tentar achar um emprego administrativo, para desespero do filho.

E tudo na vida do atacante do Santos remete à família. O tempo inteiro cita algum parente na conversa. Mesmo que não seja em situação alegre.

Ele havia acabado de entrar em campo para a estreia do Santos na atual temporada quando o menino João Miguel, 5, que estava junto com os jogadores na Vila Belmiro antes da partida contra o Mirassol, no último dia 14, puxou-o pela camisa.

"Posso te falar uma coisa?", pediu o garoto, que sofre de leucemia e havia sido homenageado pelo atacante em 2022.

"Pode."

"Eu te amo. Sou muito seu fã."

O jogador deu um abraço no menino, mas se sentiu de um jeito que até hoje não consegue explicar. Ficou com nó na garganta. Teve vontade de chorar. No aquecimento, já havia sentido algo estranho. A perna estava pesada. No momento do hino, bloqueou todos os sons. Foi como se estivesse em silêncio. Minutos antes, seu avô Semplício Damaceno havia morrido. Ele também morava no apartamento do Embaré.

"Eu sabia que estava mal no hospital, mas senti, percebi algo diferente. Não sabia que ele havia falecido, mas tive a sensação de que algo não estava certo. Jogar com isso na cabeça é complicado. Acho que muito do que sou hoje em dia, de sorrir, brincar e estar sempre junto das pessoas que eu amo, vem do meu avô", lembra, citando as fotos em que aparece sentado, quando criança, no colo de Semplício e as partidas de dama em Taguatinga.

Ângelo foi um dos aletas do elenco atual do Santos presentes no velório de Pelé, na Vila Belmiro. Impressionou-se com a frase de Edinho, filho do Rei, a contestar a hipérbole de que seu pai era um extraterrestre. Tudo o que conseguiu, ao contrário, foi fruto de muito trabalho. Foi algo que fez o atual camisa 11 do alvinegro querer mais do futebol. Muito mais. É preciso mudar o patamar do Santos atual para isso, antes de tudo.

"Claro que sei que preciso melhorar e vou trabalhar para isso, mas quero ganhar tudo, Copa do Mundo, ser melhor do planeta, ser um exemplo para meninos de comunidade. Quero ter a carreira digna de um craque, estar na prateleira dos fenômenos", almeja.

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