Antipatias pessoais e falta de clareza e dinheiro ameaçam liga de clubes no Brasil

Agremiações estão divididas em dois blocos que não se entendem nas negociações

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São Paulo

A dois anos do final do atual contrato de transmissão, o desejo de montar uma liga de clubes está longe de sair do papel e pode ser apenas uma nova versão do Campeonato Brasileiro que já existe hoje.

Por falta de acordos comerciais, interesses clubísticos, antipatias pessoais e desconfianças, os times que devem formar as séries A e B do torneio nacional se dividem em dois blocos. A chance maior, no momento, é que a negociação não seja unificada.

Transmissão de partida entre Corinthians e Independiente (COL) pela Libertadores de 2016
Transmissão de partida entre Corinthians e Independiente (COL) pela Libertadores de 2016 - Eduardo Anizelli-2.mar.16/Folhapress

"Se houver dois blocos, realmente não há liga. Não pode existir liga dessa forma", afirma Marcelo Paz, presidente do Fortaleza.

Ele é um dos porta-vozes da LFF (Liga Forte Futebol), que reúne 26 agremiações. Nesta semana, o grupo anunciou acordo com a gestora brasileira Life Capital Partners e com a norte-americana Serengetti Asset Management para investimento na nova liga. A proposta é de R$ 4,85 bilhões a serem distribuídos às 40 equipes das duas principais divisões do país.

Caso a LFF não tenha as 40 agremiações, o valor cai para R$ 2,3 bilhões.

Outros 18 clubes formaram a Libra (Liga do Futebol Brasileiro). É neste grupo que estão as camisas de maior torcida no país: Flamengo, Corinthians, Palmeiras e São Paulo. A Libra tem oferta de R$ 4,8 bilhões de outro fundo, o Mubadala, para os torneios da primeira e segunda divisão.

"Não é o melhor desenho possível, mas ainda assim dá para fazer dois blocos de negociação. Só que os clubes vão deixar dinheiro em cima da mesa, vão perder com isso", opina Jorge Braga que, como CEO do Botafogo, participou de negociações com os dois blocos.

O novo contrato de transmissão do Campeonato Brasileiro, com ou sem liga, terá de entrar em vigor em 2025. Até lá, os direitos pertencem ao Grupo Globo.

A principal discussão é quanto à divisão do dinheiro. A diferença de percentuais não é grande. Pelo acordo assinado pela LFF, 45% do contrato seria dividido de forma igualitária, 30% pela classificação no campeonato e 25% por uma rubrica designada "apelo comercial", que envolve ocupação em estádios, redes sociais, audiência dos jogos, entre outras.

No caso da Libra, a divisão seria: 40% igualitária, 30% pela performance e 30% por "engajamento de torcida", que engloba critérios parecidos ao "apelo comercial" do Forte Futebol.

Os clubes da LFF se queixam que a divisão comentada pela Libra não consta no estatuto da entidade, os critérios citados para definir o que é engajamento de torcida não são claros e, mais importante do que isso, não há qualquer intenção de colocar um limite de diferença entre o time com direito a receber mais e o que embolsaria menos.

A LFF quer que seja estipulado que um clube não pode receber mais de 3,5 vezes do que o outro.

Para os dirigentes da Libra, essa discussão terá de ser feita posteriormente. O fundamental é todos assinarem o estatuto e fazerem uma negociação unificada.

Há a questão da falta de confiança. A Libra acredita ter a primazia por ter as equipes de maior torcida do país, as que rendem mais audiência e engajamento nas redes sociais. Dirigentes deste grupo ouvidos pela reportagem acreditam que, no final de tudo, a proposta que apresentaram vai prevalecer.

Houve comentário de que se houvesse dois Brasileiros (um para cada entidade), o da Libra teria muito mais sucesso. Quando o estatuto da entidade ficou pronto, integrantes do LFF se irritaram com a postura de que não haveria possibilidade de negociação. Os termos eram aqueles e quem quisesse, deveria assinar. Também houve contrariedade com o item de que qualquer mudança no documento teria de ser aprovado por unanimidade, não por maioria de votos.

Persistem divergências pessoais. Presidentes de diferentes equipes não gostam um dos outros e levam essas preferências para a mesa de reunião. Os mandatários de Athletico (Mario Celso Petraglia, um dos principais líderes da LFF) e do Flamengo (Rodolfo Landim, da Libra) são dois exemplos.

Em uma reunião no ano passado, Petraglia teve áspera discussão com Flavio Zveiter, que negociava contrato depois fechado pela Libra, mas que tentava viabilizar um consenso.

Há uma desconfiança, por parte de alguns clubes da Libra, que o documento firmado pela LFF com a Serengetti não seria "para valer", algo negado por cartolas do Forte Futebol ouvidos pela Folha.

Sem consenso e dividido em blocos, além de não faturar o máximo possível com direitos de transmissão, os clubes deixam indefinidos outros fatores que na Europa fazem sucesso de ligas nacionais de clubes. Formatação do produto, naming rights, identidade visual, venda de jogos para o exterior, iniciativas de marketing unificadas são alguns exemplos.

Não está claro também como serão critérios de utilização dos recursos pelas equipes e se haverá fair play financeiro.

"Um dos problemas é que essa discussão tem sido protagonizada pelos agentes, não pelos clubes. Esses grupos, que assessoram os clubes, têm interesses muito diferentes. Se um grupo ganhar, o outro não é remunerado", define Braga.

No caso da Libra, o assessoramento é feito pelo BTG Pactual e pelo Codajas Sports Kapital. No LFF, são XP investimentos, LiveMode e o escritório Alvarez & Marsal. Os respectivos fundos que querem colocar dinheiro na liga também estão envolvidos.

Representantes das empresas creem que um consenso pode ser conseguido para que todos ganhem. Mas confessam que, se o acordo for inviável, a única solução será dois blocos de negociação.

"Se não houver acordo entre os clubes, com cada lado vendendo parte dos direitos para um determinado investidor, as séries A e B seguirão sendo administradas pela CBF, tal qual já ocorre hoje. A única diferença se dará na esfera comercial, já que cada bloco terá um sócio na repartição das receitas dos direitos de TV", acredita o advogado Eduardo Carlezzo, especializado em direito desportivo.

Nenhuma das partes acredita nesse desfecho até porque, no momento, a CBF deseja que a liga saia do papel.

"Falta pensamento coletivo. Em vez de buscar a convergência de ideias, o que vimos foi a tentativa de [a Libra] tirar clubes do nosso grupo. Falam em se unir e tentam fazer isso", queixa-se Marcelo Paz.

Nos próximos dez dias deve acontecer reunião entre presidentes de clubes da Libra para discutir qual caminho seguir.

Veja os 18 clubes que fazem parte da Libra:

Bahia, Botafogo, Corinthians, Cruzeiro, Flamengo, Grêmio, Guarani, Ituano, Mirassol, Novorizontino, Palmeiras, Ponte Preta, Red Bull Bragantino, Sampaio Corrêa, Santos, São Paulo, Vasco e Vitória.

Veja os 26 clubes que fazem parte da LFF:

ABC, Athlético, Atlético Mineiro, América-MG, Atlético Goianiense, Avaí, Brusque, Chapecoense, Coritiba,
Ceará, Criciúma, CRB, CSA, Cuiabá, Figueirense, Fluminense, Fortaleza, Goiás, Internacional, Juventude,
Londrina; Náutico, Operário-PR, Sport, Vila Nova e Tombense.

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