Entenda o caso de racismo contra Vinicius Junior

Desde 2021, o atacante brasileiro do Real Madrid sofre ataques racistas em estádios na Espanha

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São Paulo

Revelado pelo Flamengo, o atacante Vinicius Junior transferiu-se em 2018, aos 18 anos, para a Europa. Desde sua chegada, foi criticado pelo alto valor de seu passe e por não ter correspondido às expectativas no início de sua passagem pelo Real Madrid.

Nos últimos anos, especialmente sob o comando do técnico italiano Carlo Ancelotti, Vinicius ascendeu à titularidade do Real Madrid, foi decisivo em conquistas do clube e tornou-se uma das principais estrelas do clube.

Desde 2021, no entanto, Vinicius sofre ataques racistas de torcidas adversárias e até mesmo da imprensa espanhola. Entenda o que aconteceu na partida contra o Valencia, no último domingo (21), suas repercussões e todo o histórico de racismo contra o brasileiro na Espanha.

O que aconteceu?

Vinicius Junior, 22, atacante brasileiro do Real Madrid, estava em campo em partida contra o Valencia, no estádio Mestalla, pela 35ª rodada de LaLiga, o Campeonato Espanhol.

Aos 62 minutos, a transmissão da ESPN já registrava a recorrência de cantos racistas contra Vinicius durante a disputa. Em vídeo disponível no YouTube, ouve-se a palavra "mono", macaco, em espanhol, sendo entoada repetidas vezes pela torcida.

Aos 72 minutos de partida, Vinicius se dirige à arquibancada atrás do gol para confrontar torcedores que proferiam insultos e faziam gestos racistas.

Rapidamente, o capitão espanhol Gayà, do Valencia, e o zagueiro alemão Rudiger, do Real Madrid, tentam puxar Vinicius e impedi-lo de confrontar a torcida.

A imagem mostra Vinicius Junior apontando para um torcedor que fazia gestos racistas na arquibancada do Mestalla, em Valencia.
Vinicius Junior aponta para um torcedor que fazia gestos racistas na arquibancada do Mestalla, em Valencia. - José Jordan/AFP

Indignado, Vinicius discute com jogadores do Valencia, que tentam desencorajá-lo.

De acordo com vídeo divulgado por El Golazo, programa da TV espanhola, o árbitro Ricardo Burgos Bengoetxea indica para o diretor de partidas de La Liga, Luis Fernando Marco, que um objeto foi arremessado no campo e que atos racistas estavam acontecendo.

"Foi visto ali um lançamento e racismo, as duas coisas. Quero que avisem pelo sistema de som: na próxima vez que gritarem "macaco", vamos para dentro. Protocolo de racismo, por Vinicius, é o primeiro aviso. Não vou recomeçar o jogo", diz Burgos.

Ancelotti reclama com o juiz e pede a paralisação da partida. O árbitro responde: "Estou totalmente de acordo, mas tenho que avisar uma vez. Se voltar a acontecer, saímos de campo".

O técnico merengue rebate: "Eu ouvi, estão dizendo 'macaco'. Temos que parar a partida."

Burgos insiste: "Me escuta, o protocolo diz que preciso avisar uma vez. Na segunda, deixamos o campo".

Ancelotti termina a conversa pontuando que a torcida continuava a cantar os insultos racistas.

Em seguida, o árbitro se dirige ao atacante brasileiro: "Vini, me escuta, por favor. Te peço que continue. Se acontecer de novo, deixamos o campo. Confia em mim?". O atacante acena um sinal positivo com a cabeça.

Éder Militão é o próximo a entrar na conversa. Burgos reafirma o protocolo e diz que não pode fazer nada.

"É assim, Éder, assim é o protocolo. É uma vergonha, uma vergonha. Confie em mim. Não posso mudar."

Imagem colorida mostra o árbitro espanhol conversando frente a frente com Vinicius Junior. Vinicius está cabisbaixo, e o árbitro tenta olhar em seus olhos enquanto pede confiança
Vídeo da televisão espanhola (El Golazo de Gol) mostra a conversa entre o árbitro Ricardo de Burgos Bengoetxea e Vinicius Junior durante o caso de racismo no jogo entre Real Madrid e Valencia: "Confia em mim?" - Reprodução/TV Globo e El Golazo de Gol

Por que Vinicius Junior foi expulso?

Mais tarde, aos 93 minutos de partida, começa uma confusão após uma cobrança de falta do Real Madrid.

Perto da linha de fundo, o meia norte-americano Yunus Musah, do Valencia, segura a bola para atrasar a cobrança de escanteio do Real Madrid.

O merengue Antonio Rudiger, então, confronta o jogador, tentando tirar a bola de suas mãos, e o derruba. Imediatamente, Vinicius corre até Musah e discute com o meia, que ainda está no chão.

A partir daí, jogadores do Valencia partem para cima de Vinicius, especialmente o goleiro Mamardashvil, que sai em disparada. Ambos os times entram no bolo, cercando o atacante brasileiro. Na confusão, o atacante espanhol Hugo Duro aplica um mata-leão, golpe de estrangulamento conhecido também como gravata.

Hugo mantém o golpe por oito segundos. Quando Vinicius consegue desvencilhar-se, atinge o rosto do espanhol com o antebraço direito. Hugo acusa o golpe caindo no gramado. A princípio, o juiz decidiu apenas punir o goleiro Mamardashvil e Vinicius com o cartão amarelo.

Em seguida, vem a reviravolta: antes da retomada da partida, o VAR interfere e sugere a revisão do lance na cabine de vídeo. O trecho selecionado pelo árbitro de vídeo, exibido para o juiz em campo, mostra somente a agressão de Vinicius, desconsiderando o mata-leão do atacante do Valencia.

Assim, o cartão amarelo é cancelado e trocado pela expulsão do brasileiro. Hugo Duro passa impune. Na saída de campo, Vinicius é escoltado pelo zagueiro Rudiger e pelo goleiro Courtois, que tentam apressar o colega de time.

O lateral Lucas Vázquez abraça o atacante, conversa com ele e o acompanha até a linha lateral. Quando se aproximava da saída, Vinicius ironiza a decisão da arbitragem com aplausos, sinaliza o número dois com os dedos e faz gestos de queda em direção à torcida.

Os sinais são uma provocação à equipe do Valencia, que corre perigo de rebaixamento nesta edição do Campeonato Espanhol, a cinco pontos da zona de degola após a 35ª rodada.

Imediatamente, reservas do Valencia partem para cima de Vinicius, formando outro bolo. Com a saída e o fim da confusão, aos 98 minutos, o jogo volta a ser disputado, e termina em 1 a 0 para o time da casa.

Outros casos de racismo contra Vinicius

O primeiro caso registrado em campo aconteceu em um confronto entre Real Madrid e Barcelona, em 24 de outubro de 2021, no Camp Nou, casa do time catalão. Na ocasião, um torcedor fez insultos racistas a Vinicius, que respondeu apontando para o placar da partida: os merengues venciam por 1 a 0.

Desde então, outros nove casos foram registrados, envolvendo a torcida de equipes como Mallorca (duas vezes), Atlético Madrid (duas vezes), Valladolid, Osasuna, Real Betis, outro incidente com a torcida do Barcelona, e o mais recente, com o Valencia.

Nas redes sociais, o brasileiro publicou um compilado de cenas dos ataques.

Mas os insultos não aconteceram somente nos estádios. Em setembro de 2022, Pedro Bravo, presidente da Associação Espanhola de Empresários de Jogadores, disse em debate no Chiringuito de Jugones, um programa esportivo popular da TV espanhola, que Vinicius Junior deveria deixar de "hacer el mono", expressão que pode ser traduzida como "fazer macaquice".

"Você tem que respeitar o adversário. Quando marca um gol, se quiser sambar, vá para o Sambódromo, no Brasil. Aqui, você deve respeitar seus companheiros de profissão e deixar de fazer macaquice", disse Bravo.

A declaração foi dada pouco antes do clássico entre Real Madrid e Atlético de Madrid, quando torcedores do Atlético foram registrados chamando Vinicius de macaco.

Na ocasião, o Real Madrid venceu por 2 a 1, fora de casa, com gol do brasileiro Rodrygo, que aproveitou para sambar com Vinicius durante a comemoração.

Rodrygo comemora seu gol com dancinha junto do colega Vini Jr após atos racistas e polêmicas com as danças de Vinicius Jr. Real Madrid venceu o rival Atlético por 2 a 1
Diante de ataques racistas e críticas às dancinhas de comemoração, Rodrygo samba com Vinicius após abrir o placar para o Real Madrid contra o Atlético de Madrid - @nogueirafoto

Quatro meses depois, na véspera de outro duelo entre as duas equipes, em janeiro de 2023, um boneco vestido com a camisa de Vinicius foi encontrado pendurado em uma ponte de Madri, como se estivesse enforcado. Junto, estava uma faixa vermelha: "Madri odeia o Real".

Um boneco de Vinícius Júnior foi pendurado em uma ponte próxima ao CT do Real Madrid, simulando enforcamento. Acima, foi colocada uma faixa com a frase "Madri odeia o Real", lema dos torcedores extremistas. - Reprodução/COPE

O que foi feito até agora?

Nesta terça-feira (23), a Real Federação Espanhola, responsável pela arbitragem dos jogos de La Liga, anulou a expulsão de Vinicius, permitindo que o atleta jogue contra o Rayo Vallecano, na quarta (24).

A federação também decidiu fechar parte da arquibancada do estádio Mestalla por cinco rodadas.

Manifestações de apoio a Vinicius Junior

Ainda no domingo (21), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT;0

Quem é Gabriel Paulista?

Gabriel Paulista é um zagueiro brasileiro que atua pelo Valencia. Logo após os ataques contra Vinicius, Gabriel fez postagens em suas redes sociais enaltecendo a torcida do clube e defendendo-a da acusação de racismo.

A alegação do zagueiro é a mesma do clube, de seu técnico e de parte da empresa espanhola: a torcida teria gritado "tonto" ao invés de "mono".

Esta não é o primeiro confronto de Gabriel e Vinicius. Na partida entre Real Madrid e Valencia pelo primeiro turno de LaLiga, no Santiago Bernabéu, Gabriel deu um pontapé violento em Vinicius e foi expulso com o cartão vermelho direto.

O zagueiro não participou da partida de domingo porque estava suspenso novamente, desta vez, por uma expulsão contra o Celta de Vigo, no jogo anterior.

Gabriel Paulista atinge Vinicius Junior com entrada violenta. Vinicius está no ar, saltando depois do pontapé.
Gabriel Paulista atinge Vinicius Junior com entrada violenta durante uma partida entre Real Madrid e Valencia, no Santiago Bernabéu, pelo Campeonato Espanhol - Javier Soriano/AFP

Quem é Javier Tebas?

Javier Tebas Mendrano é o presidente da LaLiga desde 2013. Nascido na Costa Rica, é naturalizado espanhol. Seu nome repercutiu nos últimos dias devido a sua resposta a Vinicius Junior, no Twitter, sobre o caso de racismo.

"Já que aqueles que deveriam não te explicam o que é e o que pode fazer LaLiga em casos de racismo, tentamos explicar, mas você não se apresentou em nenhuma das datas combinadas que você mesmo solicitou. Antes de criticar e insultar LaLiga, é necessário que se informe adequadamente. Não se deixe manipular e assegure-se de entender bem as competências de cada um e o trabalho que temos feito juntos", publicou o dirigente, junto com um vídeo antigo em que Vinicius elogia LaLiga.

A imagem mosta Tebas, um homem idoso, calvo e grisalho. Ele veste roupas formais e aparece gesticulando em frente ao símbolo de La Liga, que decora uma parede.
O presidente de LaLiga, Javier Tebas, 60, é um advogado costa-riquenho naturalizado espanhol - Isabel Infantes/Reuters

Vinicius respondeu. "Mais uma vez, em vez de criticar racistas, o presidente da LaLiga aparece nas redes sociais para me atacar. Por mais que você fale e finja não ler, a imagem do seu campeonato está abalada. Veja as respostas do seus posts e tenha uma surpresa... Omitir-se só faz com que você se iguale a racistas. Não sou seu amigo para conversar sobre racismo. Quero ações e punições. Hashtag não me comove", tuitou o atacante.

Nesta quarta-feira (24), Tebas pediu desculpas a Vinicius Junior.

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