Atletas mães tentam se adaptar a jogo em transformação

Jogadoras de futebol levam seus filhos à Copa do Mundo

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Juliet Macur
Auckland | The New York Times

Julie Ertz estava com um cronograma apertado.

Em uma manhã ensolarada de maio, Ertz, que é zagueira da seleção feminina de futebol dos Estados Unidos, saiu da cama cedo para vestir e alimentar seu filho bebê, Madden, e preparar as coisas dele para viajar. Na sequência, pegou seu material esportivo e partiu para uma reunião com seu time, seguida por várias horas de treino.

Assim que o treinamento terminou, Ertz voltou para seu carro e correu para levar sua sogra e Madden até o aeroporto de Los Angeles, onde embarcariam para Phoenix. Na casa deles na cidade, seu marido, Zach Ertz, atacante do time de futebol americano Arizona Cardinals, assumiria os cuidados de Madden por vários dias enquanto Julie e seu time, o Angel City FC, viajariam para uma partida na costa leste do país.

Nas semanas seguintes haveria mais dias como esse: mais despedidas em aeroportos, mais reencontros felizes, mais treinos e viagens, mais tempo passado longe de Madden e Zach. Quando Ertz, de 31 anos, descreveu sua rotina maluca e os desafios que enfrenta diariamente para ser futebolista profissional e também mãe de primeira viagem, seus olhos se encheram de lágrimas.

Julie Ertz carrega Madden após amistoso dos Estados Unidos - Marlena Sloss - 9.jul.23/NYT

"Eu não sabia se voltaria ao futebol", disse ela, sobre retornar ao esporte meses após o nascimento de Madden, na esperança de participar de sua terceira Copa do Mundo. "Não sabia se seria logisticamente possível. Acho que atleta nenhuma quer pendurar as chuteiras, nunca. Mas, sabe como é, quando você se torna mãe, sua vida muda por completo."

Não é de hoje que a maternidade cria obstáculos e consequências profissionais para mulheres atuantes em todos os campos: empregos e promoções perdidas, até mesmo carreiras promissoras sacrificadas diante da consciência de que às vezes ser mãe e trabalhar em período integral podem parecer tarefas incompatíveis.

Esse dilema não é diferente no caso de atletas como Ertz e as outras mães que foram ao Mundial na Austrália e na Nova Zelândia –caso de Tamires, do Brasil.

Como atletas profissionais, todas passaram anos cuidando do corpo, aprimorando sua performance, projetando suas carreiras. Ter filhos mudou isso por completo. "Hoje eu não poderia tirar uma soneca nem que eu quisesse", falou Crystal Dunn, que tem um filho de um ano, Marcel.

Algumas jogadoras que optaram por fazer uma pausa no esporte para ter um filho contaram que fizeram as mesmas perguntas difíceis. "Meu corpo vai voltar a ser como antes? Minha concentração vai ser tão forte? Será que vou ter vontade de voltar ao futebol?"

Com o futebol feminino vivendo uma onda de interesse e investimento, aumentou a renda das atletas. O nível do jogo cresceu. E ficou mais difícil conservar um lugar nos melhores times do mundo. Aí, as atletas que querem filhos encaram uma nova pergunta: quanto espaço existe no futebol de elite para as mães?

Escolhas difíceis

Casey Krueger é zagueira da seleção norte-americana desde 2016 e achou que poderia voltar a tempo de jogar nesta Copa. Quando descobriu que estava grávida, em 2021, ainda faltavam quase dois anos para o torneio. Mas, depois de dar à luz, em julho de 2022, ela temeu não ter tempo suficiente para voltar à seleção.

Seu parto foi complicado por uma cesariana de emergência. Krueger contratou uma terapeuta do assoalho pélvico para trabalhar com ela, na esperança de que isso acelerasse seu retorno ao esporte. Em abril deste ano, ela achou que já estava chegando perto. Em amistoso contra a Irlanda, parecia estar na mesma boa forma de antes da gravidez.

Mas ela acabou ficando de fora da lista final. Enquanto esteve afastada, outras jogadoras haviam passado à sua frente. Casey Krueger acompanhou a Copa de sua casa.

"Foi um risco que eu me dispus a correr", disse, em videochamada, com seu filho mexendo-se incansavelmente em seu colo. "Mas, assim que você vê a carinha linda do seu filho, percebe que vale a pena arriscar qualquer coisa por ele."

Jogadoras de todo o mundo estão assumindo esse risco, ou pelo menos assumindo o controle de suas escolhas. A ex-meio-campista americana Carli Lloyd, por exemplo, disse que optou por não continuar jogando depois dos 40 anos porque ela e seu marido queriam ter filhos. Outra atleta norte-americana, Becky Sauerbrum, decidiu congelar seus óvulos no ano passado, enquanto continua jogando profissionalmente.

A meio-campista alemã Melanie Leupolz jogou a Copa depois de ter dado à luz no ano passado, mas uma de suas antigas colegas de time, não está: a goleira Almuth Schult, agora grávida do terceiro filho. A Jamaica, eliminada nas oitavas de final, tinha duas mulheres em sua seleção que são mães. Uma delas, Cheyna Matthews, tem três filhos. Em vídeo divulgado antes da Copa, ela contou com lágrimas nos olhos que um de seus meninos sempre pergunta por que ela precisa ficar longe de casa "por dias demais".

"Sacrificamos muito para fazer o que fazemos", declarou.

Cheyna Matthews, da Jamaica, abraça Tamires, do Brasil, após o duelo entre as seleções na Copa do Mundo feminina; as duas são mães - William West - 2.ago.23/AFP

Alex Morgan, a atacante estrela da seleção dos Estados Unidos, e seu marido, o ex-jogador Servando Carrasco, empregam uma babá para cuidar de Charlie, sua filha de três anos. Mas Morgan, 34, prefere levar Charlie com ela em muitas das viagens que faz com a seleção. Às vezes, monta uma cama inflável para sua filha dormir a seu lado nos hotéis.

"Basicamente, em cada momento em que você não está em campo, na academia ou numa reunião, está cuidando de seu filho", disse Morgan. "Acho que vai ficando mais fácil com o tempo. Ou não fica mais fácil, mas você se acostuma a exercer vários papéis ao mesmo tempo."

Morgan contou que às vezes as "tias" do time atuam como babás não pagas, porque seu marido e outros familiares nem sempre estão disponíveis para acompanhá-las nas viagens da seleção. Elas fazem parte da espécie de grande família extraoficial à qual recorrem muitas outras mães jogadoras. Depois de um amistoso, Charlie, que estava procurando a zagueira Emily Fox, puxou o calção de sua mãe para chamar a atenção dela. "Cadê a Foxy?", Charlie não parava de perguntar. "Quero a Foxy!"

Mas há limites em relação ao que as "titias" podem fazer. Por isso mesmo, há anos a US Soccer, a federação de futebol dos Estados Unidos, vem subsidiando o trabalho de babás nas viagens da seleção. Isso começou após pressão das primeiras jogadoras que se tornaram mães, mas com o tempo mais apoio às mães foi incluído no acordo coletivo negociado pela seleção, incluindo diárias de viagem e transportes pagos para os filhos de jogadoras e seus cuidadores.

Cinco mães –um recorde— participaram do período de treinamentos da seleção norte-americana em abril, quando havia cadeirões nas mesas de jantar e carrinhos de bebê percorrendo o hotel onde as jogadoras se hospedaram.

Apoio desigual

As adaptações feitas para acolher jogadoras com filhos ficaram mais comuns, mas o caráter irredutível do esporte ainda fala mais alto às vezes, especialmente na Europa, onde o conceito de jogadoras de futebol viajarem para atuar levando seus filhos ainda é algo relativamente novo.

"O pensamento habitual era que, quando a jogadora engravidasse, sua carreira teria acabado", disse a goleira Schult à emissora alemã Deutsche Welle. "Eles não estavam preparados para ter crianças por perto."

Em 2021, quando a jogadora islandesa Sara Bjork Gunnarsdottir tirou licença-maternidade, seu time, o francês Lyon, recusou-se a lhe pagar seu salário integral. Com a ajuda do FIFPro, o sindicato global de jogadores de futebol, ela moveu uma ação junto à Fifa (Federação Internacional de Futebol) e ganhou um julgamento histórico. Gunnarsdottir disse que foi "um alerta para os clubes".

Sarai Bareman, diretora de futebol feminino da Fifa, ajudou a redigir novas regras, que obrigam os clubes a dar licença-maternidade de 14 semanas às jogadoras grávidas, com salário de dois terços do habitual, e garantir seu lugar no time no retorno. Bareman, ela própria ex-jogadora, também tem um filho pequeno que pôde ser visto correndo pelo hotel principal da Fifa em Auckland durante a Copa.

Bareman disse que oito jogadoras solicitaram formalmente que seus filhos pudessem acompanhar suas seleções na Copa, enquanto várias outras fizeram arranjos particulares para levar as crianças.

"Acho que há uma influência grande da América do Norte nesse processo, porque vimos algumas mães de renome voltando esporte. Isso vem levando outras jogadoras pelo mundo afora a ser mais transparentes sobre o fato de que também têm filhos. Eles estão ali. São uma parte gigantesca de suas vidas."

Tradução de Clara Allain

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