Mequinho teve última grande chance no xadrez no Copacabana Palace, em 1979

Hotel que completa 100 anos viu abandono do maior enxadrista brasileiro de todos os tempos

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São Paulo

Um homem furioso entrou num apartamento no quinto andar do Copacabana Palace, prensou Mequinho contra a parede e berrou: "Vista-se ou parto-lhe a cara! Você vai continuar no campeonato à força!".

Era o começo da tarde de 25 de setembro de 1979, uma terça-feira. Henrique Costa Mecking, o Mequinho, maior enxadrista brasileiro de todos os tempos, tinha acabado de abandonar o torneio, e Paulo Amílcar Brião, apaixonado por xadrez, não se conformava.

Os apelos, contudo, foram inúteis; o até então único grande mestre brasileiro (espécie de faixa preta do xadrez) estava irredutível.

Mequinho, em retrato em dupla exposição com tabuleiro; xadrez já não é o assunto preferido do grande mestre, mas ele será sempre ligado à modalidade - Eduardo Knapp - 14.jul.15/Folhapress

A desistência de Mequinho representava um revés enorme para a competição, que só ocorreu no Brasil por causa dele e teve sede escolhida a dedo: o hoje centenário Copacabana Palace, que, embora decadente nos anos 1970, mantinha-se um símbolo de luxo e grandeza.

A Confederação Brasileira de Xadrez (CBX) tinha se empenhado porque não se tratava de um torneio qualquer. Era um Interzonal, na época o maior campeonato da modalidade, disputado a cada três anos pelos melhores do planeta e penúltima fase na corrida pelo título mundial.

Foi a última vez que o país realizou uma competição desse porte no xadrez, mas não a primeira. Em 1973, Petrópolis (RJ) recebeu o Interzonal e viu Mequinho ser campeão.

Três anos depois, em Manila (Filipinas), o enxadrista nascido em Santa Cruz do Sul (RS) repetiu o feito. Nas duas oportunidades, porém, perdeu para um soviético na etapa seguinte do ciclo mundial e não alcançou seu maior objetivo.

O que muitos imaginavam é que, em 1979, o astro da casa levaria mais um Interzonal com o apoio da torcida. Em tese, aos 27 anos, ele tinha experiência suficiente para furar o bloqueio soviético rumo ao topo do pódio internacional.

Pouco mais de mil pessoas acompanharam o primeiro dia do torneio. À época, funcionários relataram que havia anos que o Copa não ficava tão movimentado.

Mequinho estreou num domingo contra Borislav Ivkov, da Iugoslávia (hoje Sérvia); para decepção da plateia, cedeu um empate rápido, em 17 lances –confrontos entre enxadristas de elite costumam ter pelo menos o dobro disso.

O embate seguinte, na segunda-feira, foi mais longo. Mequinho e Jan Smejkal, da Tchecoslováquia (atual República Tcheca), fizeram 40 lances cada um e consumiram um total de cinco horas, quando as regras de então permitiam uma pausa no jogo para retomá-lo um ou mais dias depois.

Só que isso nunca aconteceu.

No fim da manhã de terça, Jorge João de Lemos, declarando-se médico oficial do Interzonal (o que era verdade) e médico particular de Mequinho (o que era mentira), assinou um atestado em que dizia:

"proíbo-o de continuar disputando o referido torneio, uma vez que o mesmo tem-se mostrado lesivo à saúde do ilustre enxadrista".

Em entrevista coletiva naquele mesmo dia, Mequinho foi sincero: "Eu já sabia que não poderia continuar", declarou. "Só decidi disputar este Interzonal porque tive grande apoio dos dirigentes e dos patrocinadores."

Antes do Interzonal no Copa, Mequinho tinha atuado pela última vez em janeiro de 1978, na Holanda, num dos piores desempenhos de sua carreira precoce.

Sentindo-se fraco e fadigado, voou da Holanda para o Hospital Metodista de Houston (EUA), onde ficou internado de 7 a 10 de fevereiro. Saiu de lá com um diagnóstico de provável miastenia grave, uma doença autoimune que tem no cansaço extremo um de seus principais sintomas.

Quando retornou ao Brasil, Mequinho contou a novidade para pouquíssimas pessoas. Preferiu não mencionar a moléstia à imprensa e nem a citava como justificativa ao recusar convites para torneios.

Em paralelo, começou a frequentar grupos de oração da Renovação Carismática Católica. Segundo afirmou a alguns jornais pouco antes do Interzonal, conseguiu ser curado da miastenia grave graças a um milagre de Jesus Cristo em maio de 1979.

Homem calvo diante de um computador; ao fundo, um crucifixo ilumina o ambiente
Mequinho analisa partidas de xadrez no computador - Eduardo Knapp/Folhapress - 14.jul.2015

No meio enxadrístico, quase ninguém comprou a história –inclusive o médico Jorge João de Lemos, que disse não acreditar em milagres nem na doença de Mequinho.

"É inegável que Mequinho saiu do torneio muito mais por uma razão de desgaste emocional, por um motivo psíquico, do que por uma causa física ou por algum problema somático", disse na entrevista coletiva.

Sem que a polêmica tenha sido desfeita, Mequinho afastou-se dos tabuleiros no auge de sua trajetória, pouco depois de ter chegado a terceiro no ranking mundial. Só voltou a jogar com frequência no século 21, após uma tentativa de retorno no começo dos anos 1990.

No meio do caminho, formou-se em teologia em 1992 e quis ser padre, mas sem sucesso. Hoje, aos 71 anos, ainda joga xadrez, dedica à religião os seus maiores esforços e diz ser o profeta do apocalipse.

O jornalista Uirá Machado está escrevendo a biografia de Mequinho pela editora Todavia.

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