Poatan relembra batalha contra alcoolismo em trajetória rumo aos dois cinturões do UFC

Kickboxer conquistou o cinturão em duas categorias diferentes da principal organização de MMA do mundo

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São Paulo

Alex Pereira, 36, mais conhecido como Poatan, foi o primeiro homem brasileiro a se tornar campeão em duas categorias diferentes do UFC (Ultimate Fighting Championship), principal organização de artes marciais mistas do planeta. Entre as mulheres, Amanda Nunes também já havia conquistado a façanha, em 2018.

Antes de se tornar um multicampeão no mundo das artes marciais, no entanto, o paulista de São Bernardo do Campo precisou primeiro vencer uma batalha contra o álcool.

Nascido e criado em uma região periférica na cidade do Grande ABC, Pereira conta que teve uma infância difícil. Começou a trabalhar aos 12 anos, em uma borracharia, e não demorou para que o álcool também começasse a fazer parte de seu cotidiano. Em muitas vezes, de maneira exagerada. "Chegou um momento em que eu queria parar de beber e não sabia como", afirma o lutador à Folha.

Alex "Poatan" Pereira antes de luta contra o tcheco Jiri Prochazka no UFC 295 no Madison Square Garden, em Nova York
Alex "Poatan" Pereira antes de luta contra o tcheco Jiri Prochazka no UFC 295 no Madison Square Garden, em Nova York - Sarah Stier - 11.nov.2023/Getty Images via AFP

O esporte surgiu então como sua tábua de salvação. Deixando para trás o histórico de brigas na rua durante a juventude, começou os treinos de kickboxing em meados de 2009, sem imaginar que um dia se tornaria profissional. "Na época, não acreditava que podia viver do esporte ou me tornar um campeão. Só queria parar de beber."

Não demorou muito tempo para que Poatan, que adotou o apelido em homenagem às origens indígenas, percebesse que levava jeito para a coisa. Ele emplacou uma série de conquistas —foi campeão paulista, brasileiro e sul-americano. Enquanto nocauteava os adversários em cima do ringue, contudo, persistia em sua luta pessoal contra o álcool, em uma rotina de treinos e bebida que perdurou por cerca de quatro anos.

"Fui disputar o mundial, perdi e percebi que a bebida me atrapalhou muito. Foi quando me dei conta que, se não parasse [de beber], não ia ter sucesso. De lá para cá, nunca mais coloquei uma gota de álcool na boca", diz o lutador, que aponta a força de vontade como uma das maiores virtudes.

O sucesso em cima dos ringues se consolidou nos anos seguintes. No início de 2021, tornou-se o primeiro campeão em duas categorias do Glory, principal evento mundial de kickboxing.

A estreia no MMA (sigla para mixed marcial arts, em inglês) havia ocorrido alguns anos antes, em 2015. Foi no evento brasileiro Jungle Fight, quando perdeu para Quemuel Ottoni por finalização. "Mesmo com o resultado negativo, achei que levava jeito e não desisti."

A perseverança trouxe resultados. O lutador engatou uma sequência de três vitórias seguidas que lhe abriu as portas para o UFC. Sua estreia no evento foi em novembro de 2021, com um nocaute técnico brutal contra o grego Andreas Michailidis, resultado de uma potente joelhada voadora.

Ao cartão de visitas se seguiram mais duas vitórias até que, em novembro de 2022, faturou o cinturão dos médios. A vitória veio com um nocaute no quinto e último round contra o nigeriano Israel Adesanya, adversário que ele já havia vencido duas vezes no Glory.

Eles voltaram a se enfrentar em abril de 2023, quando Adesanya deu o troco, nocauteou o brasileiro e recuperou o cinturão.

Poatan optou então por subir para os meio-pesados por sentir que seu corpo se adaptaria melhor à nova categoria. Em seu primeiro compromisso, derrotou o ex-campeão Jan Blachowicz em uma batalha acirrada e se credenciou para a disputa pelo título.

Em novembro de 2023, no mítico Madison Square Garden, em Nova York, fez a luta pelo cinturão dos meio-pesados, que estava vago após o então campeão, Jamahal Hill, abdicar do título por conta de uma lesão.

A disputa foi contra o tcheco Jiri Prochazka, que também já havia sido o detentor do cinturão. Venceu com um nocaute técnico no segundo assalto, após desferir uma sequência de socos e cotoveladas. Era a consagração de Poatan no UFC.

Ainda dentro do octógono já com seu segundo cinturão, o brasileiro recordou um episódio vivido alguns anos antes. Em meados de 2020, quando ainda lutava no Glory e Adesanya já brilhava no UFC, o africano deu uma entrevista que mexeu com os brios do brasileiro. Disse que ele não teria sucesso como profissional e assistiria suas lutas pela televisão, sentado com os amigos bebendo em um bar.

"Tomei isso como motivação, fiz diferente e dei a volta por cima", afirma Poatan, que chegou a desafiar Adesanya para uma quinta luta entre eles logo após a vitória contra Prochazka. Algumas semanas antes, depois de uma derrota inesperada, o nigeriano havia declarado que só deve voltar a lutar em 2027. "Da forma como ele me resgatou, eu também queria resgatar esse cara, porque ele é um talento e não pode ficar esse tempo todo parado", disse Pereira na ocasião.

Para 2024, no entanto, o primeiro compromisso no UFC pode ser outro. A expectativa é que ele encare o ex-campeão Jamahal Hill, que abriu mão do cinturão em julho de 2023 devido a uma lesão no tendão de Aquiles.

O brasileiro sabe que trata-se de um adversário difícil de ser batido, mas acredita já ter enfrentado nomes mais duros na categoria. "Se tivesse de escolher contra quem faria a minha estreia nos meio-pesados, iria escolher o Jamahal", diz Poatan, que vê um casamento de estilo de luta mais favorável a ele em um eventual confronto contra o ex-campeão.

Enquanto aguarda a definição do próximo compromisso, o são-bernardense segue com os treinos nos Estados Unidos, com o foco voltado a aprimorar as habilidades na luta de chão. Sem se esquecer do caminho que trilhou até alcançar o status de nome a ser batido na principal organização de artes marciais mistas do mundo.

"As conquistas são importantes por proporcionarem uma vida melhor à minha família e para mostrar às pessoas que não acreditam, como eu também não acreditava depois de quatro anos [lutando contra o alcoolismo enquanto treinava], que tudo é possível", diz "Poatan". "A vida difícil que tive me ajudou a ser quem eu sou hoje".

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