Descrição de chapéu Flamengo Livros Rio

Livro sobre incêndio no CT do Flamengo mostra que jovens não morreram dormindo

Capítulo mais triste de história do clube carioca completa cinco anos sem responsabilização dos culpados

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São Paulo

Com pouco mais de 1,5 metro, Gedson Beltrão dos Santos Corgosinho, o Gedinho, foi um dos melhores jogadores que já passou pelo Trieste Futebol Clube, de Curitiba. Devido à habilidade com o pé esquerdo, chegou a ser apelidado de "Mini Messi" e até de "Novo Messi".

Em homenagem a outro boleiro argentino, o ex-meia e atual presidente do Boca Juniors, Juan Román Riquelme, Rosana de Souza e José Lopes Viana escolheram batizar seu segundo filho de Rykelmo de Souza Viana. Foi sob o nome de outro país que o jovem, natural de Limeira, no interior paulista, acabou mais conhecido, no entanto: Bolívia.

Os dez jovens mortos no incêndio no CT do Flamengo. Da esq. para dir., de cima para baixo.: Samuel Thomas de Souza Rosa; Jorge Eduardo; Pablo Henrique da Silva Matos; Christian Esmerio; Vitor Isaías; Arthur Vinicius; Rykelmo de Souza Vianna; Athila Paixão; Gedson Santos; Bernardo Piasetta - Reprodução

As histórias dos dois atletas mortos precocemente, aos 14 e 16 anos, respectivamente, são contadas em livro recém-lançado da jornalista Daniela Arbex, assim como as dos outros oito jogadores de categorias de base do Flamengo que também perderam a vida em um incêndio no alojamento do clube cinco anos atrás.

Resultado de uma apuração de dois anos que envolveu quase 10 mil páginas de documentos e cerca de 150 entrevistas, "Longe do Ninho", recém-lançado pela editora Intrínseca, revela informações que até então eram desconhecidas pelas próprias famílias que perderam filhos, irmãos, sobrinhos e netos na tragédia ocorrida em 8 de fevereiro de 2019 no Ninho do Urubu.

Uma das mais dolorosas é que, diferentemente do que esses familiares pensavam, os jovens atletas não morreram naquela madrugada enquanto dormiam, intoxicados pela fumaça. Morreram lutando, e não só pelas próprias vidas, mas para salvar a dos 14 amigos com quem dividiam os contêineres de janelas gradeadas e com uma única porta de saída.

Arbex diz que ter de contar a pais a verdade sobre como se deu a morte dos filhos deles foi o momento mais difícil da produção da obra. "Eles simbolizavam a esperança no futuro, e ninguém está preparado para enterrar o futuro."

Aqueles que ficaram, os "órfãos de filhos", também são retratados nas páginas do livro. Ali, estão a dor de ver a própria cria ir embora atrás de um sonho; a culpa por estar longe quando o fogo se alastrou; e a sensação dilacerante de uma mãe que enterra o filho no dia em que ele completaria 15 anos.

Embora estatísticas apontem que é baixa a probabilidade de aspirantes a craque virarem um novo Zico, naquela sexta-feira trágica não foi a seleção brasileira que ficou sem seu próximo camisa dez, mas Rosanas, Marias, Darleis e tantos outros que perderam pedaços de si mesmos.

Apesar de doloroso, o relato é inspirador ao mostrar a coragem dos garotos ao enfrentarem as chamas sob uma temperatura que alcançou os 600°C. Ao mesmo tempo, provoca um sentimento de revolta em razão da extrema lentidão do Judiciário para julgar o caso e da ausência de prestação de contas.

Passados cinco anos desde o incêndio no CT (Centro de Treinamento) do Flamengo, até hoje ninguém foi devidamente responsabilizado pelo incidente —sejam os agentes públicos que deveriam ter fiscalizado as condições de alojamento oferecidas pelo clube, sejam os dirigentes do Flamengo que, alertados desde 2012 sobre a falta de segurança das instalações, não adotaram medidas para resolver a situação.

"As grandes tragédias mostram que a cultura da impunidade está muito presente e alimenta o próximo evento", afirma Arbex.

A jornalista, que também publicou livros sobre o incêndio na Boate Kiss e o desastre de Brumadinho, conta que por trás das histórias carregadas de emoção está um desejo de jogar luz sobre episódios que muitas vezes acabam caindo no esquecimento.

Disposição dos quartos no alojamento de contêineres onde estavam os jogadores das categorias de base do Flamengo no incêndio de 8 de fevereiro de 2019 - Editora Intrínseca/Divulgação

"Esquecer é negar a história. Se esquecemos, cometemos os mesmos erros do passado que fizeram com que chegássemos até aqui."

O livro aponta que o Flamengo gastou com a indenização às famílias dos mortos menos de 3% dos R$ 800 milhões investidos em seu elenco principal desde o episódio. O clube, que começou a dispensar sobreviventes do incêndio dois anos depois do ocorrido, não quis comentá-lo para a obra que retrata o capítulo mais triste de sua história centenária.

"Longe do Ninho" é uma leitura difícil, sujeita a interrupções devido à sua alta carga emocional. Mas também é necessária, em especial para que o descaso que permite a tragédias como essa acontecerem não seja jogado para debaixo do tapete por troféus levantados dentro de campo.

Capa do livro "Longe do Ninho", de Daniela Arbex - Editora Intrínseca/Divulgação

Longe do Ninho

  • Preço R$ 69,90 (304 págs.); R$ 34,90 (ebook)
  • Autoria Daniela Arbex
  • Editora Intrínseca
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