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Mbappé, PSG e os perigos de um casamento sem amor

Francês deve deixar clube de seu país após muitas ameaças e anos de relação tensa

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Rory Smith
The New York Times

Desta vez, Kylian Mbappé está decidido. Os relatos sobre sua decisão de deixar o PSG, time de sua cidade natal, podem ter trazido consigo uma sensação inconfundível de déjà vu.

As notícias sobre a saída poderiam ter sido copiadas e coladas, quase textualmente, desde a última vez que isso aconteceu, e da vez anterior a essa. Mas, desta vez, é diferente. Não é uma jogada de negociação. Não é uma luta de poder. Ele está indo.

Dada a situação, é claro, a resposta cínica também é a sensata. Mbappé tem histórico, afinal. Menos de dois anos se passaram desde que ele e o PSG chegaram à beira do precipício pela última vez, suas caixas empacotadas, sua mesa esvaziada, seu cartão de despedida assinado. E então, justamente quando o Real Madrid estava preparando o estádio Santiago Bernabéu para uma apresentação festiva, Mbappé recuou.

O que exatamente o convenceu a ficar em Paris em 2022 não está claro. Talvez tenha sido a intervenção de Emmanuel Macron, o presidente francês. Talvez tenha sido a promessa de ter uma influência incomum na política de transferências do clube —Mbappé sempre negou veementemente que esse fosse o caso.

Kylian Mbappé antes de partida entre Nantes e PSG pelo Campeonato Francês no estádio La Beaujoire, em Nantes
Kylian Mbappé antes de partida entre Nantes e PSG pelo Campeonato Francês no estádio La Beaujoire, em Nantes - Sebastien Salom-Gomis - 17.fev.2024/AFP

De qualquer forma, lá estava ele, segurando uma camisa ao lado de Nasser al-Khelaifi, presidente do PSG, repetindo o catecismo de que nunca poderia deixar seu time, sua cidade, seu país tantas vezes que, quando a coletiva de imprensa acabou, Mbappé provavelmente também acreditava nisso. Até o momento, não há motivo para acreditar que esse cenário não se repetirá ao longo dos próximos quatro a seis meses.

E, no entanto, o fato de estarmos aqui novamente —e tão rapidamente— falando sobre sua saída precisa ser avaliado. Ilustra, antes de mais nada, quão curiosamente sem amor parece ter sido a união entre Mbappé e PSG. Quando ele se juntou ao clube, em 2017, era possível detectar um romance mesmo em meio ao turbilhão vertiginoso de zeros e vírgulas necessários para descrever as cifras envolvidas.

Afinal, ele era o filho pródigo parisiense: nascido e criado em Bondy, no interior negligenciado da cidade, agora retornando para casa como um herói conquistador, uma superestrela em formação. Ele seria o símbolo não apenas do que o PSG queria ser, mas também de onde ele era.

O sentimento predominante nos últimos sete anos, no entanto, foi distintamente transacional. O PSG proporcionou a Mbappé uma presença permanente na Liga dos Campeões —apenas até a primeira fase eliminatória, geralmente, mas ainda assim—, uma série de campeonatos franceses e o tipo de adulação e oportunidades de marca que condiziam com seu status.

A presença de Mbappé, por sua vez, atuava como prova da potência do PSG, de sua virilidade, de sua autenticidade como o superclube moderno que seus patrocinadores catarianos sempre imaginaram que fosse. Havia algo na relação para ambos, mas raramente parecia ir mais fundo do que isso. Ambos os lados falavam sobre um vínculo emocional. Parecia existir mais na teoria do que na prática.

Isso poderia ter sido diferente se o acordo tivesse cumprido as esperanças nele investidas por ambas as partes. Em seu tempo em Paris, Mbappé emergiu como um dos atletas mais comercializáveis e reconhecíveis do planeta. Ele é, sem dúvida, um dos jogadores mais talentosos de sua geração.

Olhando para trás, no entanto, é difícil dizer —além de sua série de campeonatos franceses e de sua conta bancária— exatamente o que ele tem a se orgulhar do período. Ele marcou centenas de gols e criou centenas mais. Ele frequentemente se mostrou decisivo em jogos.

Mas escolher um momento icônico e definidor é difícil. A maioria de suas conquistas domésticas é de alguma forma marcada pelo fato de que, bem, o sucesso do PSG é essencialmente inevitável. Cada uma das vitórias anteriores do clube na Liga dos Campeões provou ser nada mais do que uma estação de passagem em um caminho para a decepção.

Os gloriosos interlúdios na carreira de Mbappé —as coisas que, se ele se aposentasse amanhã, seriam lembradas por ele—, em vez disso, vieram com a seleção nacional francesa, tanto a caminho da vitória na Copa do Mundo de 2018 quanto da eventual decepção no Qatar, quatro anos depois. Não há vergonha nisso. Pelé é mais lembrado internacionalmente com a camisa amarela da seleção brasileira, afinal, do que com a branca do Santos.

Ainda assim, é provavelmente justo presumir que não é exatamente o que Mbappé pretendia para sua carreira. Certamente não é o que o PSG tinha em mente quando tornou um jogador de 18 anos o segundo mais caro da história no verão de 2017. Mbappé, ao lado primeiro de Neymar e depois de Lionel Messi, também deveria estabelecer o clube como uma superpotência genuína, uma igual ao Real Madrid, Bayern de Munique e os gigantes da Premier League.

Não deu.

Não importa quanto dinheiro o clube tenha gastado, não importa qual treinador tenha contratado –Mbappé agora está em seu sexto– ou qual abordagem tenha adotado no mercado de transferências, o PSG falhou em invadir a elite. Ainda não foi campeão da Europa. Em alguns momentos, chegou perigosamente perto de se tornar algo como uma piada recorrente. Certamente não é isso que o Qatar tinha em mente quando embarcou em sua aventura no futebol.

Ainda não sabemos como a história termina. Afinal, já estivemos aqui antes. Mbappé falava sério nas outras ocasiões também. Sua mente estava decidida. Ele queria cumprir seu sonho de infância de jogar pelo Real Madrid. Ele estava em busca de outra história de amor.

E então, no final, recuou. A oferta do Real Madrid não foi suficiente para convencê-lo, e nenhum outro time chegou perto. Mesmo nas torres encharcadas de dinheiro da Premier League, o valor necessário para fechar um acordo por Mbappé era simplesmente alto demais para ser considerado. O francês queria um contrato que refletisse seu valor.

Mas o valor não é um número fixo. Depende inteiramente do contexto. Acontece que Mbappé vale mais para seu clube local do que para qualquer outro. Na verdade, essa é a realidade que está na raiz de seu relacionamento: um acordo, em termos gerais, sobre o que ele vale. Talvez, desta vez, seja diferente.

Talvez, para aumentar seu legado, ele tenha que sacrificar algo mais. Ou talvez, mais uma vez, ele descubra que, não importa o quanto queira sair, seu preço é simplesmente alto demais. Talvez, apesar da falta de amor e das promessas quebradas, possivelmente o melhor jogador de sua geração não tenha para onde ir.

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