Há o que celebrar neste Dia das Pessoas Idosas?

Legado de Julia Alvarez, a 'embaixadora do envelhecimento', dá esperança em tempos de luto

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Alexandre Kalache

Médico gerontólogo, presidente do Centro Internacional de Longevidade no Brasil (ILC-BR)​

O Dia Internacional das Pessoas Idosas (Dipi) foi instituído pela ONU em 1990 e, desde então, observado mundialmente no dia 1º de outubro.

A iniciativa foi da embaixadora permanente da República Dominicana junto às Nações Unidas, Julia Alvarez. Em todos os aspectos, uma mulher excepcional que exerceu a função, voluntariamente, de 1978 até completar 84 anos. Tenaz, audaciosa, dotada de uma notável erudição. E sedutora, cativante, determinada. Ela ficou conhecida no circuito diplomático de Nova York como a “Embaixadora do Envelhecimento”.

idosos sentados em cadeiras fazem exercícios com os braços
Residentes do Cora Residencial Senior, em São Paulo (SP) - Eduardo Knapp - 7.jul.2017/Folhapress

A instituição do Dipi não foi sua única contribuição. Através de sua atuação foram promulgados em 1991 os "Princípios das Nações Unidas para o Envelhecimento”: independência, participação, cuidado e proteção, auto-realização e dignidade.

Julia Alvarez foi também responsável pela resolução da Assembleia Geral da ONU em designar o ano de 1999 o Ano Internacional das Pessoas Idosas. Grande valor simbólico, no umbral do século 21, que se caracterizará fundamentalmente pelo envelhecimento populacional, ter o último ano do milênio dedicado a tão importante marco demográfico.

mulher branca, de cabelos muito brancos, posa para foto sorrindo. ela veste roupas coloridas, com estampa azul, verde, amarela e vermelha e usa um colar cumprido de contas brancas
A embaixadora Julia Tavares de Alvarez, representante da República Dominicana na ONU - helpage.org

A ela também devemos a realização da 2ª Assembleia Mundial do Envelhecimento em 2002, em Madri, vinte anos depois da primeira, em Viena, onde teve grande protagonismo tentando persuadir as delegações de países mundo afora que envelhecimento não era apenas uma questão para os países desenvolvidos, mas sim um fenômeno crescentemente global –o que só veio a ser reconhecido em Madri quando Julia, ela própria, já tinha chegado aos 76 anos.

Deixo seu legado registrado não por nossa amizade. Mas como demonstração do que uma pessoa idosa é capaz.

De dedo em riste, ela nunca se intimidava face à resistência dos embaixadores de influentes e poderosos países. Não os "deixava em paz" até que cedessem e assinassem as resoluções que almejava aprovar.

Registro também a obra de Julia, pois é tão comum desconsiderar a contribuição das pessoas idosas, sobretudo mulheres. E do que são capazes, contra todas as expectativas. No caso, uma ex-refugiada da ditadura de Rafael Trujilo em seu país –pequeno, "insignificante" no concerto das grandes potências. Julia tinha o que tanto importa à medida que envelhecemos: senso de missão e propósito.

Na sexta-feira (1º), marcaremos no calendário mais um Dipi. Mas quantas centenas de milhares de pessoas idosas já não estão entre nós para celebrá-lo, vítimas da pandemia. E quantos mais milhares sentirão a saudade eterna de seus entes queridos –cônjuges, filhos, netos, amigos próximos, comunidades inteiras carentes da presença daqueles que, prematuramente, se foram.

Perversamente, na semana dedicada às pessoas idosas, chegaremos no Brasil a 600.000 mortes por Covid-19. Nossa taxa de mortalidade causada pela pandemia é três vezes superior à média mundial. Mais de 70% das mortes foram de pessoas acima dos 60 anos. E daí? São velhos, morrer é função de estarmos vivos –alguns dizem.

Quem responderá por tantas mortes prematuras e evitáveis? Os responsáveis por tão grande tragédia sanitária, por suas omissões, pelo negacionismo, pela falta de letramento científico, de empatia, de senso de solidariedade, serão, algum dia, de fato e de direito responsabilizados e punidos?

SEÇÃO DISCUTE QUESTÕES DA LONGEVIDADE

A seção Como Chegar Bem aos 100 é dedicada à longevidade e integra os projetos ligados ao centenário da Folha, celebrado neste ano de 2021. A curadoria da série é do médico gerontólogo Alexandre Kalache, ex-diretor do Programa Global de Envelhecimento e Saúde da OMS (Organização Mundial da Saúde).

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