Descrição de chapéu Humanos da Folha

Horácio Neves, ainda "um pirralho", criou caderno de Turismo

Sob comando do jornalista nascido em Portugal, publicação conciliava destinos e mobilidade

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São Paulo

O jornalista português Horácio Neves chegou ao Brasil numa data que ficaria cravada na sua memória, 31 de janeiro de 1961. Não era pra menos, o rapaz de 20 anos deixava a região do Algarve, no sul de Portugal, para morar num novo país.

Era também um dia marcante para toda a população brasileira. Jânio Quadros assumia a Presidência da República.

homem careca de cabelos brancos veste terno e gesticula enquanto fala em um estúdio
O jornalista Horácio Neves em retrato de 2013 - Eduardo Knapp - 12.ago.2013/Folhapress

Horácio temia a repressão da ditadura de António Salazar, que se estenderia em seu país natal até 1974. "O regime dividia opositores em duas categorias: a esquerda, que realizava atos violentos, e a oposição democrática, que fazia sessões de esclarecimento", diz. Já trabalhando como jornalista, ele pertencia ao segundo grupo.

A essa altura, ele já enfrentava limitações em relação àquilo que escrevia.

Lembra que "estava numa pindaíba danada" quando chegou a São Paulo. Após um ano, depois de uma sucessão de trabalhos esporádicos, Horácio começou a colaborar com a Folha, escrevendo para uma seção chamada Viagens e Passeios, à época parte do caderno Ilustrada.

Como efeito da reforma cambial realizada por Jânio, a imprensa brasileira enfrentava dificuldades econômicas. O papel utilizado para a produção de jornais, um produto importado, tornou-se mais caro porque deixou de haver subsídios do governo federal.

Foi numa reunião na Folha, em meio a discussões sobre saídas para essa crise, que Horácio propôs à chefia do jornal que a página Viagens e Passeios desse origem a um caderno dedicado ao turismo.

"Eu era um pirralho", conta Horácio, que tinha só 21 anos. Segundo ele, os colegas de Redação não deram atenção, considerando-o apenas um novato intrometido.

Mas não foi assim que Octavio Frias de Oliveira (1912-2007), àquela altura um dos novos donos do jornal, encarou a sugestão. Seu Frias, como era chamado, viu a ideia com potencial jornalístico e comercial, e resolveu apostar nela. Em 1964, Turismo ganhou, enfim, um caderno próprio.

Reprodução da página
Reprodução do suplemento de Turismo da Folha, criado em 1964 - Acervo

Segundo Horácio, seu Frias tinha uma regra de ouro: "Tudo o que for fazer, faça com entusiasmo".

Com o ânimo de quem se sentia à frente de uma missão, o jovem editor convidou repórteres e fotógrafos para colaborar com o novo caderno. Aos poucos, formou-se o que Horácio chama de "confraria", um grupo de jornalistas que se revezava para produzir as pautas para Turismo. "O pessoal me chamava de ministro das Relações Exteriores", recorda-se.

Sob seu comando, o caderno servia tanto para registrar e avaliar destinos, como para falar de mobilidade, dos carros aos aviões. "Como ir é tão importante quanto para onde ir", afirma.

Com essa premissa, ele também criou, em 1973, o primeiro caderno da Folha dedicado aos transportes, com enfoque no setor automobilístico, à epóca em expansão. Abordava também os setores ferroviário e marítimo.

Turismo foi o primeiro caderno da Folha a ser publicado em cores, em 27 de setembro de 1968. "Eu fui cobaia do off-set", afirma Horácio, sobre tecnologia que começava a se disseminar na imprensa brasileira.

Para ele, tão importante quanto o pioneirismo que trouxe cores às páginas da Folha foi a escolha do tema da edição, a cidade de São Paulo, que não era vista como um destino turístico. "Queriam que eu falasse do Rio de Janeiro ou da Bahia, mas escolhi a cidade que me recebeu", diz, mais de meio século depois.

O título principal, "São Paulo: um roteiro com carinho", dava início a uma edição que mostrava como "a arte está nos quatro cantos" da cidade e como "a noite até que é razoável".

Ao longo de quase duas décadas, Horácio foi responsável pela edição do suplemento. Sob a influência dele, cidades como Manaus e Gramado se fortaleceram como destinos turísticos.

Em 1981, em paralelo ao trabalho na Folha, o editor teve o apoio de seu Frias para fundar o Brasilturis, primeira publicação nacional voltada para os profissionais do turismo, e não para consumidores. O jornal contou também com versões em espanhol e inglês.

Em 1984, ele deixou a Folha para se dedicar inteiramente à publicação. Hoje, aos 80 anos, atua como consultor.

Com ótima memória, Horácio gosta de se lembrar de reportagens assinadas por ele na Folha, como a publicada em julho de 1970, em que escreveu sobre a "viagem dos sonhos", um voo de Paris a Nova York em um avião 747.

O jornalista encerrava o texto afirmando que o 747 abrira ao mundo "novos conceitos em viagens". Não muito diferente do que ele mesmo fez em sua trajetória no jornal.

Reprodução da reportagem
Reportagem de Horácio Neves sobre navio que ia de Paris para Nova York, publicada em 1970 - Acervo Folha

Horácio Neves, 80

Nascido na cidade de Olhão, na região de Algarve, no sul de Portugal, o jornalista chegou ao Brasil em 1961, após deixar seu país natal devido à ditadura de Salázar. Começou a colaborar com a Folha em 1962 e, dois anos depois, assumiu a edição do novo caderno de Turismo, o primeiro a ser publicado em cores. Em 1981, fundou o jornal Brasilturis, voltado para profissionais do setor. Deixou a Folha em 1984 para se dedicar exclusivamente à publicação. Hoje atua como consultor.

Este texto faz parte do projeto Humanos da Folha, que apresenta perfis de profissionais que fizeram história no jornal. ​ ​

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