Descrição de chapéu Humanos da Folha

Erika Palomino inovou na cobertura da noite paulistana

Com gírias e charme, coluna 'Noite Ilustrada' mostrou cena underground durante 13 anos

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

“Trabalhar na Folha era meu sonho no final dos anos 1980”, lembra Erika Palomino, autora da coluna Noite Ilustrada, que existiu de 1992 a 2005, e hoje diretora do Centro Cultural São Paulo.

Em 1988, ela se mudou para São Paulo vinda do Rio de Janeiro, onde nasceu e foi criada. Tinha 20 anos, dois filhos pequenos (um de dois anos e um recém-nascido) e uma passagem de poucos meses na faculdade de jornalismo.

mulher jovem veste camisa branca, bermuda preta curta, meia-calça preta e tênis alltstar. ele está posando em uma escadaria, com uma mão na cintura e outra erguida sobre a cabeça. ela olha para a câmera e sorri levemente.
A jornalista Erika Palomino no prédio da Folha em 1992 - Ciro Coelho/Folhapress

“Mas tinha uma formação cultural consistente vinda de casa. Estudei literatura, arte, cinema, fiz teatro, 15 anos de dança e escrevia poesia. Também gostava de ler regras de gramática, de alguma forma eu sempre soube que iria me relacionar com a palavra”, conta.

O caminho foi inusitado. Um dia, ela leu um anúncio no jornal chamando candidatos a uma vaga de secretário gráfico, com um único requisito, “domínio da língua portuguesa”. “Pensei: opa, isso eu tenho”.

Inscreveu-se e fez uma entrevista por escrito e uma pessoalmente com o então secretário de Redação Leão Serva.

Não passou no teste, mas recebeu uma ligação do jornal perguntando se ela se interessava por uma vaga nos cadernos Cidades (hoje Cotidiano) ou Ilustrada quando aparecesse uma.

“Disse sim na hora”, lembra. Um mês depois surgiu uma cobertura de férias na Ilustrada, Erika foi chamada para um novo teste e mais uma entrevista. Dessa vez, foi escolhida e trabalharia no caderno cultural da Folha pelos 17 anos seguintes.

Começou logo a fazer reportagens e entrevistas sobre dança, assunto que, segundo ela, conhecia mais do que qualquer outro repórter do caderno. Aos poucos, foi migrando para a crítica.

“Comecei também a fazer textos sobre moda, cobrindo lançamentos nos showrooms e aberturas de loja”, conta. Em 1990, quando os filhos já tinham crescido um pouco, passou a frequentar a noite de São Paulo e percebeu a potência da cultura jovem da época.

“A era yuppie, do dinheiro, dos anos 80, estava sendo substituída por uma coisa mais underground, dos clubbers”, diz. “Tudo aquilo era diferente para mim, que, além de ser de outra cidade, fui mãe muito jovem.”

Observando a noite, notou que as pessoas se vestiam de maneiras ousadas para dançar e que falavam de um jeito diferente, além de haver uma série de regras —algumas ditas, outras não. Também se deu conta de que tudo passava pela liberação sexual.

“Passei a fazer matérias sobre esse universo, e os textos despertaram muito interesse dos leitores e das pessoas dentro do jornal.”

O repórter e crítico de teatro Nelson de Sá mostrou para a então editora da Ilustrada, Maria Ercília, a coluna de Michael Musto no Village Voice, semanário nova-iorquino que tratava da noite e da comunidade gay/underground. “Ela sugeriu ampliarmos essas pautas que eu fazia para uma cobertura sistemática, semanal, na Ilustrada”, conta.

Era 1992, e nascia a coluna Noite Ilustrada, inicialmente um “quadrado” dentro da seção Acontece, hoje extinta, com circulação na Grande São Paulo.

Havia um projeto gráfico próprio, e a ideia era publicar fotos feitas pelos próprios frequentadores, em câmeras descartáveis (não havia câmeras digitais ainda, muito menos celular). “Era para ter intencionalmente uma pegada ‘doméstica’ e eu usava todas as gírias que se falavam na noite, com certa displicência natural, para que os leitores entendessem no contexto o que eu estava falando”, lembra.

Erika concorda que muitas vezes o resultado era incompreensível, “mas isso só trazia mais charme e mais curiosidade: quem eram aquelas pessoas, que não eram nem ricas nem famosas nem ‘descoladas’ como as que apareciam na coluna da Joyce Pascowitch? Eram drag queens, gays, gente tatuada, estilistas desconhecidos, pessoas soltas em geral, que tinham como denominador o desprezo pela burguesia e pelo statu quo; o fato de gostarem de um novo estilo de música (a house music e o emergente tecno) e irem a clubes noturnos. O underground chegava à grande mídia.”

Em 1994, Alcino Leite Neto se tornou editor da Ilustrada, e a coluna ganhou dois repórteres, Eva Joory e Guto Barra, e uma fotógrafa, Claudia Guimarães, além de passar a ter circulação nacional. “Virou um fenômeno, unindo pessoas pelo Brasil afora, que deixaram de se sentir esquisitas e diferentes, e passaram a ser uma comunidade”.

Erika conta que sempre trabalhou com liberdade, não tinha nada que “não podia”. Costumava se reportar diretamente aos editores do caderno, mas a sua coluna, como todas as do jornal, era submetida à Secretaria de Redação.

“Sempre tive carta branca para fazer todas as inovações editoriais nas áreas em que atuava e de certa forma achava que cabia a mim colocar o pé no acelerador para fazer tudo aquilo.”

Em 2001, lançou um site e a velocidade do online a atraiu. “A internet trazia frescor e possibilidades. Quando percebi, estava competindo comigo mesma. Ao mesmo tempo, o mercado de moda me pedia para fazer uma revista”, diz.

“Senti que era o momento de sair para abrir minha própria produtora de conteúdo e fazer as coisas mais do meu jeito. E, de certa forma, recuperar o ambiente estimulante e de criatividade dos meus primeiros tempos na Redação.”

Depois de se preparar psicologicamente por cerca de dois anos para ter certeza de que tomaria a decisão certa, pediu demissão em agosto de 2005. Foi o fim da coluna. “Quis sair deixando saudade”.​

Erika Palomino, 52

Nascida no Rio de Janeiro em novembro de 1967, começou a trabalhar na Folha em 1988. Passou a assinar em 1992 a coluna Noite Ilustrada, que tinha a noite paulistana e a moda como os temas principais. A coluna durou até 2005, quando a jornalista deixou a Folha. É autora dos livros “Babado Forte - Moda, Música e Noite” e “Folha Explica a Moda”.

Este texto faz parte do projeto Humanos da Folha, que apresenta perfis de profissionais que fizeram história no jornal.

Humanos da Folha

Conheça a história de profissionais que trabalharam no jornal

  1. Com 50 anos de carreira, Passarelli ganhou Prêmio Esso de Fotografia inédito para a Folha

  2. Fotógrafo se consagrou com imagem das Diretas-Já que foi capa da Folha

  3. 'Era elogiada por fotografar igual a homem', lembra Renata Falzoni

  4. Entre patos e formigas, obra de Ciça compõe fábula política do Brasil

  5. Fotógrafo da Folha se consagrou com imagem histórica do general Costa e Silva

  6. Morre o jornalista Celso Pinto, criador do jornal Valor Econômico, aos 67 anos

  7. Fotógrafo da Folha escondeu filme para retratar sessão de eletrochoque em manicômio

  8. Morto há uma década, Glauco unia humor ácido e carinho por personagens

  9. Editora da Ilustrada fez caderno 'da cultura e da frescura' nos anos 70

  10. História de êxito de Mauricio de Sousa começou como repórter policial na Folha

  11. Clóvis Rossi estaria indignado com a realidade brasileira, diz filha

  12. Me viam como 'patricinha', diz Joyce Pascowitch, que inovou o jeito de fazer coluna social nos anos 80

  13. Elvira Lobato revelou poço para teste de bomba atômica e império da Igreja Universal

  14. Fortuna se consagrou como 'o cartunista dos cartunistas'

  15. Com estrela de xerife, Caversan ocupou diversos cargos de edição na Folha

  16. Erika Palomino inovou na cobertura da noite paulistana

  17. Niels Andreas fotografou massacre do Carandiru e 50 anos de Israel

  18. Natali foi correspondente em Paris e uniu música e trabalho

  19. Dona Vicentina trabalhou como secretária na Folha durante mais de 5 décadas

  20. Fotógrafo se destacou nas coberturas do massacre de ianomâmis e da prisão de PC Farias

  21. Cláudio Abramo ajudou a renovar Folha nos anos turbulentos da ditadura

  22. Ilustrações de Mariza levaram o horror do cotidiano para as páginas do jornal

  23. Irreverente, Tarso de Castro criou o histórico Folhetim nos anos 1970

  24. Veemência das charges de Belmonte irritou até o regime nazista

  25. Boris assumiu Folha na fase mais tensa e conduziu travessia do jornal para o pós-ditadura

  26. Engenheiro ajudou Folha a se modernizar e atravessar transições tecnológicas

  27. Lenora de Barros promoveu renovação gráfica na Folha nos anos 1980

  28. Antônio Gaudério colecionou prêmios com fotos voltadas às questões sociais

  29. Bell Kranz levou temas considerados tabus para a Folhinha e o Folhateen

  30. Com poucos recursos, Olival Costa fundou Folha da Noite em 1921

  31. Sarcástico e culto, Bonalume cobriu ciência e conflitos pelo mundo por mais de 30 anos

  32. Coletti foi 'carrapato' de Jânio e teve prova de fogo na cobertura da visita de De Gaulle

  33. Apaixonado por cinema, seu Issa foi um precursor dos anúncios de filme no jornal

  34. João Bittar foi o editor que ajudou a levar fotógrafos da Folha para o mundo digital

  35. Pacato, Lourenço Diaféria publicou crônica que gerou crise com militares

  36. Moacyr Scliar fantasiava realidade em crônicas inspiradas em notícias da Folha

  37. Pioneiro na divulgação científica, José Reis incentivou presença de pesquisadores na mídia

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.