AI-5 foi profunda agressão à sociedade, escreveu Boris Fausto em 1998

Historiador, que assinou coluna na Folha ao longo de 6 anos, comentou ato 30 anos após sua edição

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São Paulo

Editado há exatos 53 anos, em 13 de dezembro de 1968, o Ato Institucional nº 5 marca o início do período mais repressor da ditadura militar brasileira (1964-1985).

Sob a justificativa de "combater a corrupção" e preservar "a ordem democrática baseada na liberdade", ao longo de suas nove páginas o AI-5 impôs a suspensão das atividades do Congresso, deu ao presidente poder para cassar direitos políticos e mandatos eletivos, além de acabar com garantias jurídicas como o habeas corpus.

foto em preto e branco mostra vários homens brancos, vestidos com terno ou farda, sentados ao redor de uma mesa comprida de madeira
O presidente Arthur da Costa e Silva preside reunião do Conselho de Segurança Nacional, no Rio, que aprovou o Ato Institucional nº 5 (AI-5), em 13 de dezembro de 1968 - Folhapress

O decreto, baixado durante a presidência do general Costa e Silva e em vigor até dezembro de 1978, deu poderes de exceção a agentes políticos e consolidou práticas arbitrárias e persecutórias. Com esse ato, "realmente nós estamos instituindo uma ditadura", afirmou Magalhães Pinto, ministro da Relações Exteriores e um dos signatários do documento.

O historiador e cientista político Boris Fausto escreveu sobre o AI-5 na Folha por ocasião dos 30 anos de sua edição, em dezembro de 1998.

Autor de livros como "Revolução de 30", "Trabalho Urbano e Conflito Social" e o mais recente "Vida, Morte e Outros Detalhes", Boris Fausto, hoje com 91 anos, foi colunista do jornal de 1998 a 2003.

No texto em questão, que integra a série "Colunas Eternas", parte das celebrações dos 100 anos da Folha, o historiador analisou a forma como, embora os signatários do AI-5 estivessem conscientes do caráter ditatorial da medida, recusavam-se a revisá-la, à luz da história, como algo além de um "remédio amargo".

Como mostrou levantamento do jornal, feito em 2018, o endurecimento promovido pelo AI-5 atingiu pelo menos 1.390 brasileiros até 31 de dezembro de 1970 em diversos setores e diferentes escalões da vida pública no país.

foto colorida de homem branco careca, idoso, veste camisa azul e está sentado em uma poltrona. ao lado dele, um vidro reflete sua imagem
O historiador e cientista político Boris Fausto, em São Paulo - Karime Xavier - 20.mar.2019 / Folhapress

​O golpe da extrema direita

14.dez.1998

Nos depoimentos dos integrantes da reunião em que se promulgou o AI-5 (revista Época, 7.dez.1998), em meio às variações pessoais, há um fio em comum: os participantes se dizem convencidos de que estão instituindo uma ditadura para salvar o país da desordem e do caos, provocados pela contrarrevolução.

É significativo assinalar o fato de que, decorridos 30 anos do episódio, nenhum dos remanescentes daquela reunião se disponha a rever esse enfoque. Eles parecem considerar não ter razões para isso e o senador Jarbas Passarinho, com sua franqueza habitual, insiste em afirmar que a escolha era entre a ditadura e o comunismo.

A análise histórica desmente a versão maniqueísta. O AI-5 não foi um remédio amargo, adotado em uma conjuntura de caos social, mas uma medida de força, na linha do estabelecimento de uma ditadura sem brechas, sustentada pela extrema direita, desde o início dos anos 1960, ou mesmo antes, por convicções ideológicas.

Antes de ser um ato reativo de defesa, o AI-5 foi um ato de profunda agressão à sociedade, com as consequências conhecidas.

Boris Fausto

em sua coluna na Folha ao comentar os 30 anos do AI-5, em dezembro de 1998

Foi um ato longamente premeditado, que se tornou possível após o afastamento do grupo castelista, no interior das Forças Armadas. Naquela altura, como se sabe, os defensores do aprofundamento da ditadura, nos meios militares e também civis, venceram os partidários de uma gradativa abertura que só viria a concretizar-se anos mais tarde.

Uma breve referência à conjuntura de 1968 confirma essa interpretação. É certo que as manifestações de oposição ao regime militar ganharam ímpeto naquele ano (passeata dos 100 mil no Rio de Janeiro, greves de Contagem e Osasco), assim como é certo que tinham surgido as primeiras ações da guerrilha urbana.

Mas o regime autoritário concentrava o poder em suas mãos e dispunha de meios suficientes para enfrentar seus adversários, mesmo os mais radicais.

Note-se que as manifestações da oposição tinham arrefecido, nos últimos meses de 1968. Desse modo, a recusa do Congresso em dar licença para processar o deputado Márcio Moreira Alves representou apenas o pretexto utilizado pelos coronéis da "linha dura" para manipular Costa e Silva e instituir o arbítrio. ​

A partir do AI-5, por força de condições geradas por ele, muitos simpatizantes e militares de esquerda, sobretudo os mais jovens, convenceram-se da inviabilidade de enfrentar o regime autoritário por meios pacíficos.

Quando as portas se fecharam, cresceu a ilusória atração pela luta armada, como, aliás, a extrema direita desejava, pois os sequestros e outros atos espetaculares pareciam justificar uma repressão feroz. Em poucas palavras, antes de ser um ato reativo de defesa, o AI-5 foi um ato de profunda agressão à sociedade, com as consequências conhecidas.

Passados 30 anos da decretação do AI-5, o Brasil mudou para melhor. Virou uma página trágica de sua história e se converteu em uma democracia, com as insuficiências conhecidas.

Mas a memória permanece. E é um dever das gerações mais velhas transmitir às mais novas —quando mais não fosse para valorizar a liberdade de expressão— um pouco da experiência daqueles anos de chumbo.

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