José Carlos de Assis expôs fraudes e corrupção no fim da ditadura militar

Reportagens publicadas na Folha levaram grupos financeiros à derrocada nos anos 1980

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São Paulo

O jornalista José Carlos de Assis estava irrequieto no início de 1983. Ele trabalhava na sucursal da Folha no Rio de Janeiro e acabara de entregar uma reportagem explosiva sobre o envolvimento de militares com negócios suspeitos, mas ela ainda não fora publicada e isso o preocupava.

Temendo que seu trabalho tivesse sido engavetado, Assis resolveu ir um dia até a sede do jornal em São Paulo para tratar do assunto pessoalmente com o dono da Folha, o empresário Octavio Frias de Oliveira. Eles não se conheciam, mas o repórter insistiu para falar com o patrão e conseguiu ser recebido.

Assis disse que se arriscara ao investigar a participação dos militares numa história delicada e argumentou que publicá-la era a única forma de garantir sua segurança pessoal. "Tudo de que você tiver prova eu publico", respondeu Frias. Dias depois, a reportagem apareceu com destaque na capa da Folha.

Homem velho de cabelo curto e bigode brancos, olhando seriamente para a câmera, vestido com uma camiseta azul-escura e com um cachecol. A parede ao fundo é cinza e com manchas claras.
O jornalista José Carlos de Assis, que trabalhou como repórter na Folha no início dos anos 1980. - Lucas Seixas/Folhapress

O jornalista descobrira que um grupo ligado a oficiais do SNI (Serviço Nacional de Informações), um dos pilares do aparelho repressivo criado pela ditadura militar, planejava lucrar com a exploração de madeira extraída de uma área que seria alagada pelas obras da hidrelétrica de Tucuruí, no Pará.

O escândalo da Agropecuária Capemi surgiu em meio a uma sucessão de reportagens ruidosas que marcaram a passagem de Assis pela Folha no fim da ditadura, quando a abertura política e o afrouxamento da censura permitiram que os jornais explorassem assuntos espinhosos que antes eram abafados.

A primeira da série levou à derrocada o grupo Delfin, que geria a maior empresa de financiamento habitacional da época. Ao revelar que o governo a favorecera com um empréstimo, Assis causou uma onda de desconfiança que levou milhares de poupadores a sacar suas economias dos cofres da Delfin.

Poucos meses depois de expor as negociatas da Capemi, o repórter mostrou que o Banco Central obstruíra o trabalho de fiscais que haviam detectado fraudes nos balanços do grupo Coroa-Brastel. Com negócios no mercado financeiro e uma rede de lojas de eletrodomésticos, ele foi à lona também.

Embora os casos tenham se arrastado nos tribunais e os principais envolvidos jamais tenham sido punidos, o impacto das reportagens foi duradouro. "Eles escaparam, mas consegui tirar todos do mercado financeiro", diz Assis, hoje com 73 anos. "Os escândalos desmoralizaram a ditadura militar."

Formado em economia, ele dedicava tempo ao estudo de documentos e balanços de empresas e ficava contrariado quando a Folha o obrigava a buscar esclarecimentos com o outro lado, como manda o Manual da Redação. "Se eu estava apoiado em documentos, não via por que fazer isso", justifica.

Suas histórias cabeludas sempre geravam tensões. "Assis era um ótimo repórter, mas as denúncias eram graves", lembra Boris Casoy, que dirigia a Redação nessa época e foi visto muitas vezes por Assis como um obstáculo. "Tomávamos as precauções que o momento e o respeito ao leitor exigiam."

Em 1982, quando soube que o caso Delfin estava para estourar, Paulo Francis, correspondente da Folha em Nova York e amigo de Ronald Levinsohn, dono do grupo financeiro, telefonou a Frias para tentar deter a publicação. Foi inútil, e Assis ganhou o Prêmio Esso de Reportagem de 1983 com o caso.

Apesar do reconhecimento, ele ficou frustrado por não ter recebido o prêmio principal do ano, entregue à revista Veja pela divulgação de um dossiê deixado pelo jornalista Alexandre von Baumgarten, que morreu em circunstâncias misteriosas na mesma época em que o grupo Delfin quebrou.

Assis deixou a Folha em 1985 para voltar ao Jornal do Brasil, onde havia trabalhado no início da carreira, mas logo se afastou das redações, cansado do jornalismo diário. "Os editores esperavam que eu trouxesse um escândalo novo por semana", diz Assis. "Virou uma espécie de maldição e resolvi sair."

JOSÉ CARLOS DE ASSIS, 73

Nascido em Marliéria (MG), começou no jornalismo nos anos 1960. Trabalhou nos Diários Associados e no Jornal do Brasil e foi repórter da Folha no Rio de Janeiro de 1980 a 1985. Formado em economia e engenharia de produção na UFRJ, foi assessor da presidência do BNDES no governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Nas eleições de 2006, candidatou-se a vice-governador do Rio na chapa de Marcelo Crivella (Republicanos), que ficou em terceiro lugar. Publicou dezenas de livros, entre os quais "A Chave do Tesouro" (1983), "Os Mandarins da República" (1984) e "A Dupla Face da Corrupção" (1984).

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