Coletivos da Amazônia fazem mutirão pelo primeiro voto verde

Grupos atuam em rede para fazer o título de milhares de jovens periféricos e buscam diálogo com juventude evangélica até a eleição

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São Paulo

Ajudar jovens a tirar o título de eleitor foi apenas uma das estratégias de engajamento político lideradas por coletivos progressistas da região amazônica. Os grupos nascidos em periferias querem pautar planos de governo com a temática socioambiental, dialogar com a juventude de igrejas neopentecostais e encorajar o voto nas eleições.

A emissão dos 1.652 títulos foi considerada por eles uma estratégia de guerra. "Cortaram internet, tiraram cartazes que a gente colava nas escolas e ameaçaram punir alunos", diz Bruna Lima, 27, membro do Comitê Chico Mendes, no Acre.

Lambe-lambe e redes sociais foram usados pelo Coletivo Origenas, de Manaus, em campanha pela emissão de títulos de jovens
Lambe-lambe e redes sociais foram usados pelo Coletivo Origenas, de Manaus, em campanha pela emissão de títulos de jovens - Divulgação/Coletivo Origenas

"Foi um movimento de contra-ataque, mas insuficiente para cessar nosso engajamento e o protagonismo dos jovens."

A tática era fazer busca ativa nos locais que concentravam adolescentes com mais de 16 anos –idade em que o voto é facultativo no país. Ainda que tenham conseguido passar em salas de aula para anunciar a ação voluntária, com apoio de professores, os coletivos dizem ter tido pouco suporte da comunidade escolar em algumas cidades.

Rotearam internet de seus próprios celulares, na rua e sob chuva, para ajudar na emissão dos títulos. Situação que eles atribuem a equipes pedagógicas alinhadas com o Governo Federal.

"Foi um perrengue lidar com uma visão extremamente conservadora", afirma Jander Manauara, 42, rapper e idealizador do coletivo Origenas, de Manaus. "Debaixo desse nosso manto verde há muros segregadores na Amazônia."

Na mesma trincheira, outro desafio: se comunicar com jovens que não tinham email nem sabiam seu número no WhatsApp. Quilombolas, ribeirinhos e adolescentes em situação de vulnerabilidade social têm pouco ou nenhum acesso a computadores e internet.

"Não dá para imaginar que todas as pessoas sabem acessar um link e fazer o título", diz Mel Angeoles, 27, do Origenas. "O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) divulgou um material inacessível, tivemos que traduzir, falar em linguagem mais direta com eles."

Os coletivos criaram campanhas que circularam pelas redes sociais usando memes e a cultura local: "Te avexa manin! Rumbora marocar!". Espalharam cartazes e lambe-lambes pelas cidades.

E ainda que o chamado de artistas de Hollywood, como Leonardo DiCaprio, e no Lollapalooza tenham ecoado nas redes, os grupos reivindicam para si o protagonismo na região.

"Não foram só as celebridades. Houve apagamentos do trabalho suado de base comunitária que fizemos, o Amapá era o estado menos engajado no primeiro voto", diz Cleiton Rocha, 26, da Utopia Negra Amapaense. "Agora a participação da juventude vai ter peso importante nas eleições."

Em 2018, o número de eleitores entre 16 e 18 anos no Brasil representou cerca de 2,53% do total do eleitorado, segundo dados do TSE. Os novos registros de jovens eleitores neste ano representam aumento de 47% em relação aos mesmos meses de 2018. O total de brasileiros aptos a votar em outubro será anunciado em julho.

Ainda que não estejam totalmente alinhados, os coletivos buscam o "voto verde". Amazônia, clima e agenda indígena são prioridades para eles. Mas também falam em saneamento básico, violência policial e inclusão produtiva da juventude negra e periférica.

"A próxima etapa é a conscientização. Não adianta só tirar o título, tem que ir lá votar", diz Mel. Para isso, preparam eventos, oficinas de formação, encontros com lideranças políticas e a divulgação de cartas de compromisso.

Os coletivos também miram a juventude que frequenta igrejas neopentecostais na região amazônica. O Norte reúne a maior proporção de fiéis no país (39% da população é evangélica).

"É fácil dialogar com quem já trabalhamos, queremos entender o outro lado", diz Bruna, do Comitê Chico Mendes, no Acre.

Para isso, eles têm metodologia. "Quando a pessoa tem a postura de ‘fui enganada por um político’, reforçamos que ela é vítima", diz Bruna. "E lembramos que o conceito de justiça climática foi criado pela religião protestante."

Mesma tática usada por Mel em Manaus: "Dizemos que a floresta é sagrada, foi Deus quem criou, por isso precisamos protegê-la."

"Tem sido eficaz, é uma grande coalizão em prol desse voto verde", completa Bruna.

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