Os títulos de capitalização estão no mercado e na vida das pessoas há muito tempo. Segundo a Federação Nacional de Capitalização (Fenacap), os títulos surgiram na França há mais de 150 anos, chegando ao Brasil na década de 30. Por aqui, o mais famoso exemplo é a Telesena, cuja propaganda eu cresci assistindo durante os intervalos do Chaves.
Os títulos são soluções de negócios com sorteios. Essa é a essência do produto. Não são investimentos, por não oferecerem expectativa de retorno futuro superior ao que foi gasto (à exceção da própria correção inflacionária).
Também não são loteria, quando o cliente não recebe de volta o valor da aposta se for sorteado —o que acontece nos títulos de capitalização (nesse caso, na verdade, o comprador do título recebe o dinheiro de volta mesmo não sendo sorteado).
Assim, os títulos de capitalização se apresentam, na verdade, como solução de proteção financeira, ou seja, um produto que oferece às pessoas a possibilidade de manter recursos seguros ao mesmo tempo em que concorrem a prêmios.
São seis as modalidades existentes: tradicional, popular, incentivo, compra programada, instrumento de garantia e filantropia premiável. Esta última é uma das mais recentes, criada em 2018 pela Superintendência de Seguros Privados (Susep).
O conceito é simples: ao comprar o título de filantropia premiável eu cedo a uma instituição sem fins lucrativos previamente conhecida o direito que eu teria de receber o dinheiro de volta gasto com ele. Além disso, continuo concorrendo a prêmios. Ou seja, faço uma doação e ainda posso ser beneficiado por isso.
De acordo com a Fenacap, de janeiro a outubro de 2021, os títulos de filantropia premiável transferiram mais de R$ 1 bilhão a organizações sem fins lucrativos, em um volume que não para de crescer.
Um valor sem dúvida invejável e que torna essa modalidade realmente importante para contribuir para o impacto gerado por instituições em todo o país.
O problema é que o modelo tem duas falhas graves na forma como foi concebido pela Susep: está acessível a menos de 1,5% de todas as ONGs brasileiras e transfere àquelas que são beneficiadas a responsabilidade pelas despesas de divulgação que as empresas que emitem os títulos deveriam ter.
Isso é inadmissível e precisa ser aprimorado. Em um contexto de liberdade associativa e multiplicidade de causas, saber que somente 11 mil organizações têm direito a serem beneficiadas pelos títulos —aquelas que detém o Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (Cebas)— dentre as 815 mil existentes no país é inconcebível.
Já o pagamento das despesas de comunicação e promoção dos títulos de filantropia por parte das instituições que são beneficiadas por eles é um absurdo conceitual.
A responsabilidade pela divulgação do negócio é de seu titular, seu dono, ou seja, empresas que emitem os títulos, e não pode recair sobre as organizações.
A ideia é tão esdrúxula que gera desigualdade econômica dentre as próprias modalidades de títulos de capitalização. Além disso, na prática, o dinheiro que fica de verdade com organizações é muito menor do que a doação realizada pelo comprador, caracterizando-se como propaganda enganosa.
Sobre esse último tema, o próprio Ministério Público da União se manifestou pedindo sua alteração, o que foi acatado e sugerido pela Susep ao Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP).
A novidade recente, porém, foi a sanção pelo presidente da República de um projeto provado no Congresso Federal que tornou lei os títulos de capitalização para a filantropia, até então regulamentados por resolução do CNSP.
O projeto, apresentado originalmente pela então senadora Ana Amélia (PP/RS), foi aprovado a toque de caixa na Câmara e no Senado. Foi feito sem nenhum debate com a sociedade, contando com apenas quatro artigos e as mesmas falhas dos títulos de filantropia premiável apontados.
Propostas de aprimoramento apresentadas pela Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR) e pela Plataforma por um Novo Marco Regulatório das OSCs não foram sequer avaliadas.
A ABCR defende que o tema continue a ser debatido e que os títulos de filantropia premiável sejam cada vez mais aprimorados.
Como conceito, essa modalidade de capitalização é fantástica, promove educação financeira e solidariedade ao mesmo tempo. Mas ela precisa também ser justa e correta com as organizações beneficiadas, com doadores e, afinal de contas, com toda a sociedade.
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